Noticias falsas y VPH: relaciones entre comunicación e información para la prevención de enfermedades y la promoción de la salud para niños y niñas

 

Fake news and HPV: relationships between communication and information for disease prevention and health promotion for boys and girls

 

Fake news e HPV: relações entre comunicação e informação para prevenção da doença e promoção da saúde de meninos e meninas

 

e-ISSN: 1605 -4806

VOL 24 N° 110 Enero - Abril 2021 Monográfico pp. 173-183

Recibido 23-12-2021 Aprobado 15-05-2021

https://doi.org/10.26807/rp.v25i110.1741

 

Fernanda Vasques-Ferreira

Brasil

Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB)

fernanda.jornalista82@gmail.com

 

Rafiza Varão

Brasil

Universidade de Brasília (UnB)

rafiza@gmail.com

 

Resumo

Que relações existem entre comunicação e informação para prevenção e promoção da saúde no contexto de fake news em que se inserem as informações relativas às vacinas contra HPV? Este artigo visa compreender as relações existentes entre gênero, fake news e a dificuldade de vacinação infantil para prevenção do HPV (Papilomavírus Humanos) no Brasil. Para tal, realizamos análise de conteúdo (Bardin, 2011) das principais fake news disseminadas sobre as vacinas de HPV. Identificamos que as fake News disseminadas sobre a vacina estabelecem conexões com questões morais inerentes ao sistema de crenças do indivíduo, flertam com o medo e com a incerteza. Para tanto, recomendamos além da informação para prevenir a doença, que também seja considerado o contexto da desinformação que coloca em risco a saúde coletiva.

Palavras-chave: Comunicação; Saúde; Fake News, Vacinação de HPV.

 

Resumen

¿Qué vínculos existen entre la comunicación y la información para la prevención y promoción de la salud en el contexto de las fake news en las que se inserta información sobre las vacunas contra el VPH? Este artículo tiene como objetivo comprender las relaciones existentes entre género, noticias falsas y la dificultad de la vacunación infantil para prevenir el VPH (Virus del Papiloma Humano) en Brasil. Para ello, realizamos un análisis de contenido (Bardin, 2011) de las principales fake news difundidas sobre las vacunas contra el VPH. Identificamos que las fake news difundidas sobre la vacuna establecen conexiones con cuestiones morales inherentes al sistema de creencias del individuo, coquetean con el miedo y la incertidumbre. Por ello, además de la información para prevenir enfermedades, recomendamos que también se considere el contexto de desinformación que pone en riesgo la salud pública.

Palabras Clave: Comunicación; Salud; Fake News, Vacunación de VPH.

 

Abstract

What links exist between communication and information for prevention and health promotion in the context of fake news regarding HPV vaccines? This article aims to understand the existing relationships between gender, fake news, and the difficulty of childhood vaccination to prevent HPV (Papillomavirus) Human Rights) in Brazil. To this end, we carried out content analysis (Bardin, 2011) of the main fake news disseminated about HPV vaccines. We identified that the fake news disseminated information about the vaccine and established connections with moral issues belief system of the individual, and also flirt with fear and uncertainty. Therefore, we recommend, in addition to the information to prevent the disease, to consider the context of disinformation that puts collective health at risk.

Key words: Communication; Health; Fake News, HPV vaccination.

 

1. Introdução

Foi em dezembro de 2019 que ouvimos, no Ocidente, sobre o novo coronavírus na China. Após chegar à Europa, avançou sobre a América Latina de forma implacável. Durante o período em que tivemos as primeiras notícias da nova doença que iria assumir caráter de pandemia, sobrecarregando os sistemas de saúde do mundo todo, até a confecção deste artigo, fomos bombardeados com notícias falsas de todos os tipos. No Brasil, uma das mais impactantes se referiu a caixões vazios em um dos maiores pólos de contágio da doença, na capital do Amazonas, Manaus. A informação falsa tinha como objetivo final desmerecer a importância da pandemia e negar as milhares de mortes naquele estado1. A difusão de fake news relacionadas à saúde no país, contudo, não é uma novidade que se apresenta com a chegada da Covid-19 à nossa realidade. Pelo contrário, o fenômeno tem se reproduzido com ampla facilidade em terras brasileiras, sobretudo com o aumento do número de usuários de mídias sociais como Facebook, Whatsapp e Instagram. O caso da vacinação contra o HPV em crianças, cuja campanha inicial se deu em 2017, é emblemático dessa produção de informações falsas acerca de temas da saúde - e é sobre ele que este artigo se debruça.

Dados do relatório Digital 20192 da We Are Social e da Hootsuite apontam que existem 140 milhões de usuários brasileiros ativos nas mídias sociais digitais; mais de 149 milhões, dos quase 212 milhões de habitantes do país, são usuários de internet e que o Brasil fica atrás apenas das Filipinas em termos de horas gastas na internet. Os brasileiros passam mais de 9 horas por dia na internet, bem acima da média global que é de 6 horas e 42 minutos. Esses dados apontam para a crescente presença digital e para o aumento do consumo de informação nas redes sociais pelos brasileiros. De outro lado, as fake news atuam num processo de contra-informação no sentido de provocar confusão, desinformar, criar uma realidade distópica acerca de temas emergentes e complexos na sociedade contemporânea. Nesse sentido, Varão (2017) relaciona a existência das fake news ao livro 1984, de George Orwell, em que no Ministério da Verdade, os “fatos eram embaralhados, sublimados, omitidos e floreados”. A autora salienta que a obra de Orwell é atual na medida em que demonstra que a ideia de distorção dos acontecimentos, manipulação de informação, enviesamento da notícia ou a simples invenção de conteúdos não é nova. No Brasil, o Ministério da Saúde criou, há pouco mais de um ano, o Canal Saúde sem Fake News que acolheu mais de 12 mil mensagens com denúncias e dúvidas de usuários sobre conteúdos duvidosos. O projeto gerou, nesse período, mais de cem esclarecimentos no site do Ministério da Saúde sobre conteúdos virais que circulam nas redes sociais digitais. Boa parte desses conteúdos tem características de fake news, atuando para desinformar e confundir.

De posse desses dados, e reconhecendo a problemática que envolve os impactos de informações falsas sobre questões de saúde, a pergunta que norteia esse trabalho é: que relações existem entre comunicação e informação para prevenção e promoção da saúde no contexto de fake news em que se inserem as informações relativas às vacinas contra HPV?

2. Fake news, vacinas e HPV

Em 2014 e, portanto, quatro anos antes da emergência das fake news no contexto da saúde pública sobre vacinas, Osis, Duarte & Sousa (2014) analisaram o conhecimento de homens e mulheres acerca do HPV e das vacinas e sua intenção de serem vacinados e de vacinarem seus filhos adolescentes.

Os resultados reforçaram a necessidade de haver intervenções educativas na população para prover informação adequada sobre o HPV e sobre medidas de prevenção. O estudo identificou que quase 40% dos entrevistados ouviram falar do HPV e 28,9% mencionaram informações adequadas; que a principal fonte de informação foi a mídia (41,7%); e, que, apenas 8,6% tinham ouvido falar das vacinas. Depois de informados da existência das vacinas, cerca de 94% dos participantes disseram que se vacinariam e/ou vacinariam filhos adolescentes se as vacinas estivessem disponíveis na rede pública de saúde. Importante salientar que, no Brasil, foi nesse mesmo ano, que a vacina passou a ser disponibilizada à população pelo Sistema Único de Saúde na rede pública. Moura (2019) realizou estudo sobre a cobertura vacinal do HPV e identificou que, na primeira dose, foi encontrada uma associação positiva entre concentração de população urbana e alcance da cobertura vacinal em todas as regiões, exceto na região Norte. A estimativa da cobertura vacinal da primeira dose da vacina contra HPV no Brasil sugere altas coberturas apesar de alguns locais não acompanharem o padrão (Distrito Federal e Amazonas). Para a segunda dose, o oposto foi observado com uma baixa cobertura vacinal acumulada em todas os grupos de pessoas analisados.

Os dados apontam, portanto, para a necessidade de se intensificar a comunicação para prevenção e promoção da saúde. Nosso trabalho se baseia na Análise de Conteúdo (Bardin, 2011) dos conteúdos de fake news sobre as vacinas do HPV e das iniciativas de esclarecimento promovidas pelo Ministério da Saúde, buscando compreender o fenômeno a partir das referências teóricas propostas. Irribarría e Oleffe (2011) defendem que os principais pilares para a promoção da saúde são, num primeiro momento, a adoção de comportamentos saudáveis, a facilidade de acesso à informação e a confiança nas informações. Os autores enfatizam que a informação de qualidade pode ser elemento determinante para o cuidado e a prevenção da saúde: “[...] debemos de poder garantizar a los usuários que la información recibida sea de calidad. Solo así podremos adoptar conductas de auto-cuidado” (Irribarría e Oleffe, 2011, p. 112). Tabakman (2013), por sua vez, explica que há uma linha tênue entre o “poder [da mídia] para ajudar, poder [da mídia] para prejudicar”. A partir de uma perspectiva de prevenção e promoção da saúde, Ferreira (2018) afirma que o jornalismo tem potencial fundamental na sociedade contemporânea de produzir sentidos, construir realidades sociais e permitir que os cidadãos desfrutem de melhores conteúdos informativos que, por sua vez, melhoram as condições de saúde e de cidadania.

3. O que as fake news sobre a vacina do HPV têm em comum?

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2020) chamou de infodemia o excesso de informações - precisas ou não - que dificultam encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis sobre um assunto específico. A nomenclatura se popularizou durante a pandemia do novo coronavírus, embora esse não é um fenômeno novo. Em 2019, o Ministério da Saúde reconheceu a dificuldade para aumentar a cobertura vacinal da HPV em razão das notícias falsas. O Centro Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (CIIC) divulgou comunicado reforçando a segurança da vacina e a importância dela para eliminar o risco de câncer de colo de útero. O aviso também alertava sobre o quão nocivas são as notícias falsas. As fake news têm chamado a atenção de pesquisadores de diversas áreas. Um inventário feito por pesquisadoras da matemática, do serviço social e da estatística mapeou as principais fake news que influenciam na saúde das crianças com intuito de compreender aqueles casos em que há interferência na conscientização das famílias sobre a imunização de seus filhos. No levantamento, De Paula, Viali, Guimarães e Cazorla (2020) identificaram que as fake news sobre vacinas propagam as seguintes ideias: desconfiança, ineficácia, toxicidade, letalidade, provoca autismo, diminui autodefesa, causa microcefalia, tem como objetivo gerar lucro para quem produz as vacinas.

Interessante notar que todas as mentiras ditas se apoiam em verdades recortadas. Isso porque todas as categorias levantadas por meio de ATD apontam que argumentos lógicos são misturados a ilógicos para que a população alie à vacinação uma ideia de ineficácia, acima de tudo. Logo, é preciso que tal questão de ineficácia seja desmistificada, em todos espaços que permitem publicações inclusive neste evento, no que tem alcance mundial. (De Paula et al., 2020, p. 05)

Entre as fake news mais disseminadas nas redes digitais sobre a vacina do HPV e catalogadas por estudos, agências e canais de checagem estão: 1. Japão: vacina contra HPV sob julgamento devido a horríveis efeitos colaterais; 2. MPF proíbe vacina contra HPV; 3. Vacina contra HPV causa paralisia nos adolescentes; 4. Outros países não irão vacinar; 5. Existem mais de 30 subtipos virais de HPV e a vacina só protege contra dois deles. Para esse trabalho, consideramos cada uma dessas fake news listadas como unidades de análise em nossa análise de conteúdo e utilizaremos, respectivamente, as siglas UA1, UA2, UA3, UA4, UA5 para identificá-las.

A fake news divulgada colocando em xeque a confiança dos japoneses na vacina do HPV (UA1) foi checada e o Ministério da Saúde do Brasil reafirmou que não havia qualquer proibição contra o composto; em relação à menção de proibição do Ministério Público Federal (MPF), a postagem foi publicada no Facebook pela página Cruzada pela Liberdade - uma página na rede social de extrema direita, com características conservadoras - foi checada e desmentida pelo Ministério da Saúde do Brasil que informou não haver qualquer proibição nesse sentido; no caso da informação falsa que circulou nas redes sobre efeitos e reações adversas da vacina do HPV, uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) atestou que não há relação entre as propriedades biológicas da vacina e os sintomas relatados, tais como: convulsões, perda de consciência, quedas e abalos motores generalizados. O estudo relacionou essas ocorrências causadas pelo estresse do ato de vacinar e não pela vacina. De acordo com Sacramento (2018), os boatos fazem parte da história da imunização no Brasil. O autor cita: “o ‘pânico moral’ em torno da vacinação de meninas entre 11 e 13 anos contra o HPV em 2014 e a rejeição à vacina contra a influenza H1N1 em 2010” (Sacramento, 2018, p. 06). No Brasil, as políticas públicas de Estado são pautadas na medicalização e não na prevenção (Bueno, ano; Ferreira, 2018). Essa constatação nos leva a pensar que a circulação de informação sobre saúde focada nas práticas de prevenção seja pelas instituições governamentais - Ministério da Saúde do Brasil -, seja pela mídia, ou ainda por profissionais de saúde que se apresentam como autoridades para falar do assunto, tendem a não pautar a vacinação como um aspecto e estratégia de prevenção em saúde. A agência de checagem Aos Fatos3 publicou, em setembro de 2019, uma reportagem historicizando como a desinformação provocou rejeição à vacinação do HPV no Acre. O material apresenta exemplos de fake news que foram disseminadas no Brasil e em outras partes do mundo, sobretudo no Facebook e apresenta que, em certa medida, profissionais de saúde e a própria mídia contribuíram para criar um cenário de incerteza e desinformação sobre a eficácia e segurança da vacina. Identificamos que a população brasileira fica mais exposta aos efeitos nocivos das informações falsas e manipuladas que geram desinformação. Somam-se a isso, os abismos que circunscrevem as desigualdades de acesso e de compreensão das informações veiculadas que têm como contexto a baixa escolarização, o preconceito, as desigualdades sociais, entre outros fatores intervenientes na saúde coletiva, incluindo as questões de gênero.

[...] Embora afete a todos os segmentos da sociedade, os conteúdos inverídicos podem ter efeitos ainda mais graves no âmbito da saúde pública, uma vez que estão relacionados ao bem-estar do cidadão. Por se apropriarem da espetacularização da doença, do acirramento dos temores e dos medos individuais e coletivos, esse tipo de mensagem alimenta os receios frente à eficiência e lisura da ciência, especialmente das ciências médicas. (Monari & Bertolli Filho, 2019, p. 184)

Nosso trabalho se propõe analisar o conteúdo das fake news sobre a vacinação do HPV. Para realizar a análise, recorremos às imagens e aos conteúdos verificados pelas agências de checagem, pelo Canal Saúde sem Fake News do Ministério da Saúde do Brasil e, para uma análise mais pormenorizada, buscamos identificar as páginas mencionadas que disseminaram as informações falsas.

A primeira (UA1) analisada se enquadra na categorização de Wardle (2017) como Conteúdo Falso e Conteúdo Impostor (nível 4 e 5 de desinformação, respectivamente). Já no que concerne às categorias de De Paula et al. (2020), identificamos que a fake news apresentam desconfiança e incerteza como sentidos da mensagem. Além disso, realçamos que a postagem se vale do uso de tipografia em caixa alta - que na cultura da web significa gritar -, erros ortográficos ou gramaticais, tem conotação de alerta e, mesmo sendo falsa, estabelece conexão com a realidade, uma vez que alguns órgãos de imprensa reproduziram que o Japão tinha preocupações com reações adversas da vacina.

 

Figura 1. Fake news Japão: vacina contra HPV sob julgamento devido a horríveis efeitos colaterais

 

Na unidade de análise (UA2), identificamos a página no Facebook que divulgou a fake news sobre o MPF proibir a vacina do HPV. Na página, há um vídeo em formato de reportagem televisiva, postado em 19 de setembro de 2017, com mais de 20 mil visualizações acompanhado do texto que compõe a fake news. A reportagem se refere a um caso de Uberlândia - MG em que um médico neurocirurgião correlaciona supostos efeitos em adolescentes que apresentaram sintomas após tomar a vacina do HPV. Utilizamos as categorias de Wardle (2017) e identificamos que a fake news sobre o MPF se enquadra em duas categorias: Conteúdo Falso e Conteúdo Impostor. Na análise de conteúdo, reconhecemos algumas características relativas ao sentido da fake news, categorias empregadas por De Paula et al. (2020), como: desconfiança, letalidade, ineficácia e finalidade de gerar lucro ou vantagem financeira. Na análise, observamos que a postagem se vale do uso de tipografia em caixa alta, linguagem coloquial, erros ortográficos ou gramaticais, discurso imperativo, como Não vacine seu filho contra o HPV!, tem sentido de alerta e faz conexão com a realidade, pois estabelece uma relação com comunicação feita por procurador do MPF, em Uberlândia-MG.

 

Figura 2. Fake news: MPF proíbe vacina contra HPV

 

A terceira unidade de análise (UA3) não se enquadra em nenhuma das categorias de Wardle (2017). Ao analisarmos o material, observamos que essa fake news se trata de relatos pessoais a partir de uma “experiência concreta”. Considerando as categorias relativas ao sentido do material analisado, identificamos a presença de: desconfiança, letalidade e ineficácia. A fake news que acusa a vacina de causar paralisia nos adolescentes também apresenta como estratégia gerar medo no público, utiliza linguagem coloquial com erros ortográficos ou gramaticais e tem apelo para o discurso sentimental/dramático se revelando como uma tentativa de aconselhamento e alerta a pais de adolescentes acerca “dos riscos e consequência” de vacinar os filhos.

Nossa análise sobre a fake news de que outros países não iriam vacinar contra o HPV (UA4) a enquadrou nas categorias de Conteúdo Falso e Conteúdo Impostor (Wardle, 2017) e se soma a testemunhos de pessoas que dizem ter tido experiências negativas com a vacina. Observamos que, além do medo, a fake news gera desconfiança, alerta sobre a letalidade e demonstra que a vacinação de jovens tem finalidade econômica com vistas a gerar lucro, de acordo com De Paula et al. (2020). Identificamos, ainda, a presença de linguagem coloquial nas postagens, erros ortográficos e gramaticais e conteúdos com sentido de aconselhamento e alerta.

A fake news sobre a baixa proteção da vacina do HPV (UA5) se enquadra no nível de desinformação 4 na escala de Wardle (2017), uma vez que o conteúdo se insere em um Contexto Falso. Incerteza e ineficácia são características identificadas. Observamos, ainda, que essa fake news se vale do discurso imperativo, alertando e aconselhando sobre os “riscos” e a pouca eficácia da vacina. Embora não cite a OMS, o conteúdo tenta estabelecer uma conexão falsa com informações divulgadas pela autoridade sanitária falseando, portanto, a informação.

Sobre o conteúdo das fake news em saúde, Monari e Bertolli (2019) explicam:

[...] as frases geralmente são construídas com o uso de adjetivos, o que as aproxima das expressões escritas/verbais das pessoas que serão atingidas pelo seu conteúdo. A utilização desses termos confere, além de identificação, alarmismo, pois buscam assustar e advertir o usuário para os potenciais riscos presentes no uso de medicamentos ou no consumo de alimentos. (Monari & Bertolli, 2019, p. 183)

A partir da análise de conteúdo das cinco fake news catalogadas e mais disseminadas no Brasil sobre a vacina do HPV, reconhecemos que, em regra, esses conteúdos se apoiam em leitores que desconhecem sobre a doença, têm pouco ou quase nenhum conhecimento sobre prevenção em saúde, fundamentam suas crenças em valores morais ou religiosos ou, ainda, buscam reafirmar seus preconceitos em relação à imunização a uma doença que - por envolver questões sexuais - se enquadra em tema tabu para algumas famílias. As questões de gênero estão presentes nas fake news quando, ao analisar a UA3 e a UA4, observamos que, quase sempre, as postagens têm relação com “supostos efeitos colaterais” em meninas, alertando que pais não vacinem suas filhas sob risco de ficarem “inférteis”.

4. Conclusão

Em Os engenheiros do caos, o jornalista Giuliano da Empoli, relata como as fake news políticas são produzidas, dissecando, na verdade, vários elementos que também se fazem presentes em outros tipos de notícias falsas. Segundo ele,

[...] Não é mais necessário sair da bolha para recorrer às mídias tradicionais. [...] produz as próprias informações e as distribui em seus próprios canais. Elas já são recortadas sob medida, para viralizar no Facebook e em outras redes sociais. Os títulos são sedutores, muitas vezes enganosos, outras vezes violentos. Começam quase sempre com as mesmas expressões: Vergonhoso!, Péssima notícia! [...] De início, antecipa-se a emoção, em geral negativa, que se quer suscitar. Depois, divulgada a informação, às vezes verdadeira, mas muito frequentemente falsa, convida-se à participação: Compartilhe!, Faça circular!, Máxima difusão! O único critério de seleção, bem entendido, são os cliques (Empoli, 2019, p. 38).

Aquilo que Empoli coloca para as fake news cujos temas centrais servem à construção de um cenário político pode ser facilmente aplicado às fake news de saúde. Apesar de estarem num espectro diferente das construções discursivas da pós-verdade, tanto as fake news de saúde quanto as políticas se enredam num amplo sistema de negação de fatos, que por sua vez se assenta num baixo nível informacional, no desejo de reforçar crenças e no medo como catalisador de sua aceitação.

Ora, as fake news fazem parte de um contexto informacional em que se tenta, a todo custo, evitar os efeitos da dissonância cognitiva, conceito criado por Festinger (1975), segundo o qual o indivíduo busca “todos nós temos, internamente, um sentimento de autoproteção que tenta manter uma harmonia entre as nossas cognições, evitando um estado de tensão ou dissonância entre as nossas crenças” (Martins, 2015, p. 5). Assim, muitas vezes existe uma tendência de confirmação e compartilhamento de informações erradas quando estas “casam” com nossas crenças.

Isso significa dizer que essas informações também estabelecem conexões com questões morais inerentes ao sistema de crenças do indivíduo, que também contemplam, na diferenciação entre o certo e o errado, o flerte com o medo, muitas vezes transformado, nas fake news, em inimigos imaginários. No caso daquelas referentes à saúde, o medo se instala nas medicações, nos tratamentos, na falta de perspectiva sobre eles, nas vacinas. Na ausência de uma boa gerência sobre a comunicação sobre saúde,

[...] as buscas na Internet sobre temas ligados à proteção e preservação da saúde são impulsionadas por premeditação pró-ativa - que buscam informações práticas, fundamentadas em evidências e aplicáveis a curto, médio ou longo prazo, ou por impulsos reativos - ligados a medos ancestrais, reações de autopreservação ou reafirmação de crenças atávicas sem lastro de cientificidade (Vasconcellos-Silva, Castiel, 2020)

Portanto, a comunicação para a saúde séria e responsável requer uma percepção de que não se deve apenas informar e prevenir somente acerca da doença. Hoje, deve-se também levar em consideração a circulação das fake news e o contexto de desinformação que coloca em risco a saúde coletiva. De outra forma, ainda muitos outros casos se unirão ao do HPV.

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2 Disponível em: https://wearesocial.com/global-digital-report-2019. Acesso em: 08 de dezembro de 2019.

3 https://www.aosfatos.org/noticias/como-desinformacao-provocou-rejeicao-de-jovens-vacina-contra-hpv-no-acre/