Competências interculturais na gestão de relacionamentos: a internacionalização do ensino por meio de ações na interface entre comunicação e educação
Intercultural competences in relationship management: the internationalization of teaching through actions at the interface between communication and education
Competencias interculturales en la gestión de relacionamientos: la internacionalización de la enseñanza universitaria desde acciones en la interface entre comunicación y educación
e-ISSN: 1605 -4806
VOL 24 N° 111 Mayo - Agosto 2021 Varia pp. 188-211
Recibido 11-04-2021 Aprobado 20-08-2021
https://doi.org/10.26807/rp.v25i111.1764
Roseane Andrelo
Brasil
roseane.andrelo@gmail.com
Raquel Cabral
Brasil
raquel.cabral@unesp.br
Carolina Uzeloto
Brasil
caroluuu@gmail.com
Resumo
O cenário atual permite compreender que a comunicação organizacional se caracteriza, cada vez mais, como um movimento de interpretação e reinterpretação das relações sociais, nas quais os diversos atores envolvidos, de diversas culturas, agora também produtores de informação, atuam na construção de sentido. Frente a esse cenário, apresenta-se a problemática da pesquisa que motivou o presente artigo: como promover competências interculturais e em comunicação, em graduandos de Relações Públicas, por meio de plataformas digitais, considerando aspectos interacionais e a cultura da conexão? O objetivo central foi analisar o uso de uma mídia social por um grupo de alunos do Brasil e de Portugal à luz da interação intercultural. O percurso metodológico foi desenvolvido em duas etapas: 1) pesquisa bibliográfica e 2) análise da interação entre o grupo de alunos a partir de uma mídia social, com recursos educacionais abertos e voltada à coaprendizagem. A análise dos resultados baseada na netnografia e na análise de conteúdo aponta para a necessidade de criar meios concretos de interação na formação do profissional de Relações Públicas.
Palavras-chave: Competências interculturais. Competência em comunicação. Comunicação e educação. Relações públicas.
Abstract
The current landscape allows the understanding that organizational communication is increasingly characterized as a movement of interpretation and reinterpretation of social relations, in which the various actors involved, from various cultures, now also information producers, act in the construction of meaning. Faced with this context, we present the problem of this research: how to foster intercultural and communication skills of public relations undergraduates through digital platforms, considering interactional aspects and the culture of connection? The main goal was to analyze the use of social media by a group of students from Brazil and Portugal in the light of intercultural interaction. The methodological process was developed in two stages: 1) bibliographic research and 2) analysis of the interaction between the group of students from a social media, with open educational resources and focused on co-learning. The analysis of results based on netnography and content analysis points to the need to create concrete means of interaction in the training of public relations professionals.
Key words: Intercultural competences. Communication skills. Communication and education. Public relations.
Resumem
El contexto actual permite comprender que la comunicación organizacional está caracterizada por un movimiento de interpretación y reinterpretación de las relaciones sociales, en las cuales, los diversos actores involucrados, de diversas culturas, ahora igualmente productores de información, actúan en la construcción de sentido. Desde ese contexto, se plantea el problema de investigación que fundamenta este artículo: ¿cómo desarrollar competencias interculturales y en comunicación junto a estudiantes de grado en Relaciones Públicas, por medio de plataformas digitales, considerando aspectos de interacción y la cultura en red? El objetivo es analizar el uso de una red social por un grupo de estudiantes de Brasil y de Portugal desde la perspectiva de la interacción intercultural. El enfoque metodológico fue desarrollado en dos etapas: 1) investigación bibliográfica y 2) análisis de la interacción entre el grupo de estudiantes desde una red social con recursos educacionales abiertos y direccionado al coaprendizaje. El análisis de los resultados fue realizado por medio de la netnografía y el análisis de contenido apunta para la necesidad de crear medios concretos de interacción en la formación del profesional de Relaciones Públicas.
Palabras-clave: Competencias interculturales. Competencias en comunicación. Comunicación y educación. Relaciones Públicas.
Introdução
Aspectos como o crescente acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e a mundialização da cultura têm levado a alterações significativas na sociedade e, mais especificamente, nas organizações. Entre elas, mudanças no processo comunicativo, que alteram a lógica unilateral do emissor-receptor, fazendo com que a comunicação organizacional se caracterize, cada vez mais, como um movimento de interpretação e reinterpretação das relações sociais, nas quais os diversos atores envolvidos, agora também produtores de informação, atuam na construção de sentido.
Tem-se aqui pontos que merecem ser tensionados. As organizações, enquanto redes de interação social, coexistem em um ambiente marcado pela interdependência com diversos públicos, cada vez mais exigentes e participativos, e precisam alinhar seus discursos a suas práticas, porém, a partir de um processo contínuo de ressignificação (Almeida, 2009). Dele, participam públicos (empregados, acionistas, governo, sociedade, clientes, mídia etc.) com diferentes culturas e que, portanto, atribuem diferentes valores à relação que mantêm com a organização, seja ela mercadológica ou institucional, sendo que a interação, boa parte das vezes, ocorre mediada pelas TICs.
Nesse contexto, a comunicação organizacional deixa de ser pensada pelo paradigma informacional para ser refletida a partir do paradigma relacional (Oliveira et al, 2015). Fazer tal afirmação não significa compreender que houve uma revolução no processo de comunicação organizacional, antes pautado na disseminação de informação e agora baseado em um suposto diálogo igualitário. Tampouco, acredita-se no fim das relações de poder existentes nos atos comunicativos. Ou mesmo em uma suposta humanização plena das estratégias organizacionais, ignorando completamente os preceitos básicos do sistema capitalista, que giram em torno da geração de lucro.
A perspectiva adotada reconhece as organizações como atores sociais coletivos, constituídos por sujeitos, com diferentes olhares sobre o mundo e sobre a própria organização com a qual, de alguma forma e com alguma intensidade, se relacionam. Pensar a comunicação, neste sentido, requer reconhecê-la, primeiramente, como processo de partilha, no qual há produção de interpretação de sentido entre indivíduos e não a polarização entre emissores e receptores, com papéis claros e previamente definidos. Nesse processo, importante completar, identificam-se marcas simbólicas dos indivíduos e, sobretudo, do contexto (França, 2002).
A relação torna-se o ponto central da comunicação organizacional, o que coloca em evidência a área de Relações Públicas, como gestora, mediadora ou facilitadora dos relacionamentos entre as organizações e seus públicos, cada vez mais oriundos de diversos locais e com diferentes culturas. Como mencionado anteriormente, destacam-se dois pontos desse cenário: a mundialização da cultura e o crescente acesso às TICs. Da imbricação destes dois pontos, resulta o fato de as trocas culturais se tornarem cada vez mais comuns, o que pressupõe a necessidade de diálogo entre culturas distintas.
Frente a esse cenário, apresenta-se a problemática da pesquisa cujos principais resultados são apresentados neste artigo: como promover competências interculturais e em comunicação, em graduandos de Relações Públicas, por meio de plataformas digitais, considerando aspectos interacionais e a cultura da conexão?
Buscou-se analisar o uso de uma mídia social por um grupo de alunos do ensino superior do Brasil e de Portugal, à luz da interação intercultural. Para tanto, o percurso metodológico seguiu dois caminhos: 1) pesquisa bibliográfica sobre diálogo intercultural, competências interculturais, competência em comunicação e em informação, competência comunicativa intercultural e plataformas virtuais de ensino-aprendizagem e ambientes virtuais de aprendizagem aberta e 2) análise da interação entre os alunos do ensino superior do Brasil e de Portugal, a partir de uma mídia social criada para essa finalidade.
Competências em comunicação, midiáticas e interculturais: imbricamentos
A compreensão dos desafios científicos e tecnológicos da problemática posta perpassa por quatro pressupostos: o papel da comunicação organizacional na sociedade; a necessidade de fomentar o diálogo intercultural; a necessidade de formação de competências interculturais e em comunicação, neste caso específico, dos alunos de Relações Públicas, e o papel das plataformas virtuais de ensino-aprendizagem no ensino superior. Trata-se, portanto, de uma pesquisa que se situa na interface entre comunicação e educação.
Neste ponto, insere-se o objeto de análise deste artigo: o ensino de Relações Públicas ou, mais especificamente, a formação para a gestão/mediação de relacionamentos entre organizações e públicos de diferentes culturas. O tensionamento posto é que, mais do que habilidades técnicas, tornam-se relevantes as competências em comunicação e as competências interculturais.
Por competências, utiliza-se o conceito de Perrenoud (1999), para quem, trata-se de mobilizar, integrar ou utilizar recursos cognitivos para enfrentar um determinado tipo de situação. Ou seja, dois pontos na formação por competências tornam-se essenciais. O primeiro deles é a articulação de diversos saberes e o segundo é a necessidade de mobilizar esses conhecimentos em práticas sociais.
No que diz respeito à competência em comunicação, ela vai além do saber se expressar. É preciso considerar que a comunicação tem como insumo a informação, que compreende a transformação de dados em uma mensagem organizada para determinado fim, o que implica na agregação de valor (Belluzzo, 1999). Torna-se relevante articular a comunicação à competência em informação que tem como principais questões: como acessar a informação? Como usá-la? Qual utilidade? Como saber o que é relevante para tomar decisões? Como recuperar as informações? Trata-se de um conceito considerado “guarda-chuva”, englobando várias noções, pois uma cultura da informação necessita de conhecimentos instrumentais, metodológicos, econômicos, jurídicos, éticos (Chevillotte, 2007).
A complexidade do assunto é ampliada ao considerar que parte das informações é oriunda e comunicada em meio digital e que a internet é vista mais do que pelo aspecto tecnológico, mas pelo seu uso social, pela sua articulação com o cotidiano e com o contexto o que, entre os vários aspectos, caracteriza-se pela comunicação em rede. “A recepção é uma atividade que se desenvolve em rede, na produção de conteúdos, discussões, troca de ideias e engajamento com as práticas relacionadas ao que se gosta (...)” (Martino, 2015, p. 37).
Além da perspectiva da comunicação em rede, têm-se outras características da comunicação em ambiente digital: é preciso compreender quando essa informação está codificada em linguagem multimidiática, característica da internet e, da mesma forma, tem-se uma leitura que, primordialmente, não é linear, mas ramificada, intercortada por links que podem levar ao aprofundamento do tema em questão ou mesmo dispersar para outros assuntos. Isso remete à literacia digital que, segundo modelo de Eshet-Alkalai, pressupõe a formação de habilidades emocionais, sociológicas, motoras e cognitivas, para a comunicação em ambiente digital, conforme demonstrado na ilustração 1.
Ilustração 1 - Modelo de literacia digital de Eshet-Alkalai
Literacias |
Habilidades |
Foto-visual |
Compreender a comunicação apresentada em forma gráfica e/ou visual como representação de símbolos, ícones etc. Requer habilidade de ler informação em ambiente gráfico. |
De informação |
Avaliar informação de maneira crítica. Refletir e reconhecer a qualidade e a validade da informação. |
De reprodução |
Criar novos significados ou novas interpretações. Utilizar as informações disponíveis para criar novos materiais significativos. |
Ramificada/derivada |
Buscar informação e criar conhecimento de forma não-linear, requer orientação espacial e multidimensional e habilidades de pensamento abstrato. Construir o edifício de informação a partir do hipertexto. |
Sócio-emocional |
Ter capacidade de compartilhar conhecimento formal e emoções em ambiente digital. Compreender as regras do ciberespaço e aplicá-las na comunicação on-line, com ética. |
Fonte: Eshet-Alkali; Amichai-Hamburguer (2004)
Por fim, considera-se, ainda, o papel das mídias na difusão de informações. Ao mesmo tempo que as mídias exercem papéis fundamentais aos pilares da democracia, é preciso que tenham leitores críticos. Afinal, uma de suas características é a representação, ou seja, entende-se que os meios de comunicação não refletem a realidade, mas a representam, o que invalida a noção de transparência, de “janela”, pela qual se vê o mundo. “Se as mídias fossem ‘janelas abertas para o mundo’, ou simplesmente se elas refletissem a realidade, não haveria mais interesse em estudá-las do que em estudar um vidro” (Masterman, 1994, p. 55, tradução nossa).
Pelo exposto, tem-se que a competência em comunicação é um processo complexo, que envolve outras competências, tais quais em informação, digital e midiática.
Trata-se da capacidade de interação com uma ou mais pessoas, mediadas ou não por artefatos tecnológicos, transmitindo e recebendo informações (competência em informação), em grande parte das vezes oriundas e geradas em ambiente digital (competência digital) ou mesmo do aparato midiático (competência midiática) Andrelo, 2016, p. 55
Considerando a mundialização da cultura, sabe-se que as informações que nos chegam e que por nós são compartilhadas muitas vezes referem-se a culturas distintas, o que pressupõe diferentes valores. Isso requer do ator comunicante a compreensão de aspectos referentes ao diálogo intercultural. Tem-se, portanto, a competência intercultural como:
Aquellos conocimientos, habilidades y actitudes que permiten diagnosticar los aspectos personales y las demandas generadas por la diversidad cultural. Permiten negociar, comunicarse y trabajar en equipos interculturales y hacer frente a las incidencias que surgen en la empresa intercultural mediante el autoaprendizaje intercultural y la resolución de problemas que consideren las otras culturas. Aneas Álvarez, 2003, p. 184
Ao falar em trabalho em equipes interculturais e em gestão de relacionamentos entre pessoas de diversas culturas, obrigatoriamente, dá-se ênfase à comunicação, à relação e à negociação de sentidos. De fato, seguindo o modelo de Competências Interculturais Transversais, inspirado em diversos autores e reelaborado por Aneas Álvarez (2003, p. 306), as competências interculturais chaves necessárias para o desenvolvimento de profissionais que irão atuar em organizações ou equipes interculturais são detalhadas na ilustração 2.
Ilustração 2 - Competências Interculturais Transversais (CIT)
Diagnosticar |
Los aspectos culturales que determinan a las personas de la organización. Incidentes, necesidades y situaciones ocasionados por las diferencias culturales en el desempeño del trabajo en la empresa. |
Relacionarse |
Negociación intercultural. Comunicación intercultural. Trabajo en equipo intercultural. |
Afrontar |
Potenciar el autoaprendizaje intercultural. Afrontar y resolver problemas interculturales. Desarrollar soluciones que consideren las otras culturas. |
Fonte: Aneas Alvarez (2003, p. 6)
Diante dessa perspectiva, para o presente artigo, tem-se como recorte a comunicação mediada por TICs, realidade cada vez mais comum na vida pessoal e também organizacional. Ou seja, pessoas e organizações, cada vez mais, precisam lidar com o outro de forma virtual, sendo que este outro, muitas vezes, é dotado de outras culturas. Ou seja, a realidade das equipes interculturais de trabalho mediadas pela Internet tem sido um desafio para muitas organizações e, portanto, para a formação profissional em determinadas áreas. No caso, a formação em Relações Públicas tem demandado essa especificidade, uma vez que a gestão de relacionamentos pode exigir e desafiar essa necessidade ao contemplar grupos de profissionais de distintas culturas atuando em projetos comuns, o que exigirá determinadas competências dos profissionais.
Segundo Vilà Baños (2008, p. 82), as competências interculturais dependem do desenvolvimento de alguns aspectos fundamentais, tais como: “Concretamente, se distinguen algunos aspectos cognitivos, otros de carácter afectivo, e incluso destacan algunos comportamientos (Vilà, 2006). Además de estos elementos cognitivos, afectivos y comportamentales existen otros elementos que inciden en la competencia intercultural, como por ejemplo, aspectos personales o individuales (ser sociable, extrovertido etc.) o las relaciones interpersonales entre las y los implicados (especialmente, las relaciones cercanas de amistad)”.
Além desses aspectos cognitivos, afetivos, comportamentais, pessoais ou individuais e, finalmente, as relações interpessoais, a autora também reúne pesquisas sobre a temática sistematizando algumas conclusões indicativas acerca das implicações relacionadas ao desenvolvimento de competências interculturais: “• La necesidad de establecer una cierta proximidad cultural • Un lenguaje común • Un cierto conocimiento y conciencia de las otras culturas y de la propia • Un cierto interés en aprender de las otras culturas • La conciencia del propio etnocentrismo • Tener la capacidad de empatizar • Tener la capacidad de metacomunicarse • Evitar relaciones desiguales Todos estos elementos suponen una cierta unión de ámbitos de distinta índole”. (Vilà Baños, 2008, p. 82)
Nessa perspectiva, não é rara a dificuldade encontrada para o estabelecimento de objetivos em comum, já que esse tipo de trabalho pode produzir tensões, ansiedade e grande incerteza, já que pressupõe um conjunto de fatores complexos postos na interação intercultural. Segundo Aneas Alvarez y Villà Baños (2014, p. 48): “Los equipos de trabajo virtuales han sido definidos por Simsarian (2007) como un grupo de personas que tienen un propósito común y desarrollan tareas interdependientes usando tecnología para comunicarse. El trabajo en estos equipos puede generar incertidumbre, tensión, fracasos y pérdidas, pero también una gran riqueza y rentabilidad de los recursos organizativos”.
Partindo dessa perspectiva, entendemos que o processo de aprendizagem para a formação de profissionais que vão lidar com gestão de relacionamentos interculturais pode ser potencializado à medida que se incorporam interações entre estudantes de distintas culturas. E para viabilizar esse processo é fundamental considerar as interações via tecnologia, que torna possível o contato a distância, porém, o que vai exigir novas competências.
Aprender pela e para as tecnologias
A discussão posta justifica a proposta de trabalhar com plataformas virtuais de ensino e aprendizagem e com ambientes virtuais de aprendizagem aberta, o que sugere novas reflexões. A primeira delas diz respeito ao fato de que devemos considerar o aprendizado fora da escola, inclusive por meio dos TICs, pelos quais as pessoas aprendem conteúdos e valores. Libâneo, Oliveira & Toschi (2003) avalia que a educação pode assumir diferentes modalidades. Uma delas é informal, que diz respeito “às influências do meio natural e social sobre o homem e interfere em sua relação com o meio social”, como os costumes, as leis, a religião e o tipo de governo. Outra modalidade é a educação não-formal, intencional, que acontece fora da escola, mas de forma pouco estruturada e sistematizada. É o caso dos meios de comunicação, dos movimentos sociais e de espaços como museus e cinemas.
Ao reconhecer que meios de comunicação também são espaços de aprendizagem, outro ponto a ser considerado, é uma abordagem que valoriza o protagonismo do estudante, considerando os interesses particulares do mesmo (demand-pull), “em oposição ao modelo tradicional da aquisição de conhecimento onde cabe ao professor ditar os conteúdos específicos (supply-push)” (Fernandes, 2011, p. 3). Respeitar os interesses do estudante não significa estar preso a eles, caso contrário, corre-se o risco, com esta abordagem, de ampliar a desigualdade na educação – aqueles com acesso a mais fontes de informação podem ter interesses mais diversos do que os demais. Soma-se a isso a perspectiva das competências em comunicação previstas na pesquisa o que perpassa pela literacia digital.
Além dos interesses, considera-se que a perspectiva da educação aberta online traz recursos e metodologias que aumentam a autonomia do estudante e também atuam como novas formas de pensar currículos, conteúdos e demais materiais do processo educativo. Este ponto, em especial, caracteriza-se como um dos pontos relevantes, uma vez que os resultados extraídos da pesquisa poderão ser utilizados no repensar pedagógico dos cursos de Relações Públicas.
“Neste cenário, as mídias interativas e aprendizagem aberta colaborativa que vai além da auto-aprendizagem e das interfaces de mídia de massa, podem potencializar as práticas pedagógicas em uma dimensão mais significativa não apenas das redes sociais, mas também através da aprendizagem personalizada centrada no aprendiz ativo crítico” (Okada & Barros, 2010, p. 22)
Os apontamentos feitos até aqui – plataformas digitais como meios de aprendizagem, protagonismo dos estudantes e auto-aprendizagem – não significam pautar o olhar pelo determinismo tecnológico ou mesmo pela simples apropriação – ou uso – das tecnologias. Peixoto (2015), ao fazer reflexões para a relação entre sujeitos sociais e objetos técnicos, no contexto de processos educativos mediados por tecnologias, traz indicativos relevantes para se adotar a abordagem sociotécnica como orientação teórico-metodológica. Primeiro, lembra que integrar TICs aos processos educativos não acontece de forma óbvia e natural. “As pesquisas testemunham a complexidade dos processos de apropriação nos quais se confrontam as políticas institucionais com as formas individuais e coletivas de uso” (Peixoto, 2015, p. 319).
Segundo, embora os processos formativos online tenham base técnica, as TICs, ou os meios de comunicação eletrônicos, como prefere a autora, favorecem a divulgação de elementos de ordem abstrata ou simbólica. “Assim, os meios de pesquisa e comunicação em rede são constituídos das características técnicas próprias dos artefatos materiais e também de um amplo papel na esfera simbólica e social” (Peixoto, 2015, p. 319). Isso corrobora com a perspectiva adotada de que relacionar educação e tecnologias não é uma questão técnica, mas epistemológica.
Sabe-se que até os anos 1970 estudos sobre tecnologias eram pautados na visão determinista, ou seja, compreendiam que a inovação tecnológica impunha sua lógica aos sujeitos e às relações sociais, determinando os usos que faziam dela. “Isso ocorre quando se afirma que a internet é um meio pedagógico interativo e que essa possibilidade interativa, inerente à rede, transfere-se automaticamente para as práticas educativas que nela se realizam” (Peixoto, 2015, p. 321). Por outro lado, em oposição à ideia determinista, tem-se uma abordagem instrumental da técnica, pela qual a tecnologia é um meio flexível, cabendo aos sujeitos determinarem seu uso. A autora aponta que por esta perspectiva os ambientes virtuais de aprendizagem são instrumentos neutros, ou seja, são meras ferramentas sendo que os efeitos dependem de como serão usadas pelos docentes. Eis uma reflexão importante: os ambientes virtuais podem servir a uma pedagogia baseada na transmissão de conteúdos ou integrados a uma dinâmica colaborativa e integrativa.
A discussão sobre a relação tecnologia e educação ganha novos contornos, mas ainda carece de incorporar fatores macroestruturais. Embora se reconheça que há uma apropriação ativa pelos sujeitos e que os usos sociais também estão relacionados aos usos coletivos, “pode-se afirmar que a apropriação social e cognitiva de objetos técnicos varia segundo a cultura, a localização geográfica ou as condições econômicas dos sujeitos sociais” (Peixoto, 2015, p. 324). Com esta observação, considera-se que os usos vão além dos objetos, perpassando também pelos contextos que, por sua vez, não são objetivos, mas inerentes ao uso. Aqui desenha-se a principal relação entre a abordagem sociotécnica e a pesquisa proposta, e que justifica, inclusive, a metodologia pretendida, pautada na análise do diálogo intercultural entre jovens universitários de diferentes países, por meio de uma mídia social que já faz parte do contexto deles.
A educação e os processos de ensino e de aprendizagem estão passando por momentos desafiantes de transformações e novas adaptações devido às configurações do mundo globalizado e imerso nas tecnologias digitais, a partir da popularização da Internet. O conceito de ensino-aprendizagem, especialmente a explicitação do processo de relação entre comportamentos de docentes e estudantes, denominados de “ensinar” e de “aprender” vem sendo discutido desde Pavlov (1934 cit por Pessoti, 1979), que o entende como o “reflexo da relação entre agente externo e ação do organismo”; por Skinner (1931), que o explica como sendo a “correlação entre estímulo e resposta”; ou mesmo pelos seus seguidores (Staddon, 1967; Bolles, 1970; Seligman, 1970; Schick, 1971; Catania, 1973) e o próprio Skinner (1935, 1938, 1957, 1969, 1974) destacando as múltiplas outras relações com o meio, nos processos de ensinar e de aprender (Botome & Kubo, 2020).
A própria percepção dos componentes desses dois processos, isto é, nas expressões “ensinar” e “aprender”, já nos apresenta que elas se referem, respectivamente, “ao que faz um professor e ao que acontece com o aluno como decorrência desse fazer do professor” (Botome & Kubo, 2020, p. 5). Desta forma, quando analisamos o aprendizado em relação ao comportamento, ou seja, ao que o indivíduo faz e o ambiente em que o faz, isso já demonstra a necessidade de um processo de interação. De tal modo, se o ensino é, basicamente, constituído pela interação entre docente e seus estudantes, ele depende de uma cadeia composta por várias classes de comportamentos complexos, que devem ser articulados numa sequência - entre um organismo (o docente) e outras classes de comportamentos (os estudantes) - para que a mudança ocorra, via interação com o meio, como resultado do trabalho de um docente. É o que indica que houve aprendizagem.
Na ótica de Botome & Kubo (2020, p.12), a aprendizagem engloba “o que o aluno necessita aprender para ser capaz de realizar as ações necessárias, de forma a lidar com as situações que encontrará e a produzir as transformações nessas situações que sejam significativas para a vida dos que dependem ou se relacionam com sua atividade profissional ou pessoal”.
A utilização de novas metodologias tem sido um desafio para discentes e docentes, que repensam as posturas relacionadas ao ato de ensinar e aprender. Vygotsky (1991), já há quase trinta anos, discutia as teorias de mediação, como um aporte teórico, contrário a caracterização do docente como detentor do saber, nomeando-o como um mediador, que orienta de forma estimuladora a produção autônoma e interativa da aprendizagem. Portanto, a estrutura didática e pedagógica pensada para a atualidade é bem distinta do que era em outros tempos.
Assim, embora a difusão célere e incontrolável do uso das tecnologias digitais tenha trazido modificações, não só na educação, mas em toda a sociedade, percebe-se que a inserção de elementos mediacionais no contexto pedagógico proporcionou uma mudança no desenvolvimento sociocultural e cognitivo dos estudantes, docentes, coordenadores e gestores dos cursos de graduação. A interação e a mediação a partir dos recursos midiáticos diversos no processo de ensino e aprendizagem, a dinâmica interativa, a motivação e as alterações no perfil do alunado, as novas tecnologias inseridas no nosso cotidiano, a convivência com estas revoluções tecnológicas e as demais variações que ocorreram nos últimos tempos têm exigido que sociedade e universidades avancem na discussão para estarem em sintonia com as transformações sociais.
Tem-se, portanto, que as tecnologias estão inseridas no cotidiano e, portanto, na educação, com maior ou menor intencionalidade. Ao explicitar seu uso, por meio das plataformas virtuais de ensino-aprendizagem, adota-se uma postura que vai além dos discursos fáceis da motivação do alunado. Busca-se compreender a natureza das interações sociais por meio das tecnologias, sendo que as mesmas também são objeto de pesquisa. “Do ponto de vista da pesquisa, a superação da dicotomia entre os aspectos técnicos e socioculturais pode ser então buscada por meio da afirmação do papel socialmente construído da tecnologia e de seus usos” (Peixoto, 2015, p. 330).
Metodologia
O percurso metodológico foi desenvolvido em duas etapas: 1) pesquisa bibliográfica sobre diálogo intercultural, competências interculturais, competência em comunicação, competência comunicativa intercultural e plataformas virtuais de ensino-aprendizagem e ambientes virtuais de aprendizagem aberta e 2), análise da interação entre os estudantes do ensino superior do Brasil e de Portugal, a partir de uma mídia social que será criada para essa finalidade.
Como instrumentos metodológicos, foram utilizados: a) aplicação de questionários com os estudantes (um no início da pesquisa e outro no final), visando levantar dados sobre competências interculturais e em comunicação, uso de mídias sociais e a visão deles sobre a área de conhecimento e os valores presentes na concepção da gestão de relacionamentos; b) criação de uma mídia social, no caso o Facebook, devido à grande aceitação do mesmo, sobretudo pelos jovens portugueses; c) gestão da mídia social para avaliar a interação entre os membros e com conteúdos da área de Relações Públicas. A análise dos resultados se baseou na netnografia e na análise de conteúdo e será demonstrada a partir de categorias: a participação no grupo (o que envolve competências em comunicação) e o diálogo intercultural (baseado em competências interculturais).
A pesquisa foi desenvolvida com 18 participantes, de nacionalidade brasileira e portuguesa, todos cursando ensino superior e na faixa etária de 18 a 30 anos, sendo 12 mulheres e 6 homens, dos quais 2 eram graduandos em Ciências da Comunicação, 1 em Design, 1 em Engenharia de Produção, 2 em Jornalismo e 12 em Relações Públicas. A escolha pautou-se no acesso conseguido com estudantes matriculados em cursos ligados diretamente à área de Relação Públicas ou que, profissionalmente, se relacionassem com ela. Os convites foram feitos pessoalmente e por e-mail.
Descrição e análise dos resultados
No questionário inicial, foram levantadas as principais mídias sociais digitais usadas pelos participantes, sendo que 100% disseram usar o Whatsapp; 94,4% o Instagram; 77,8% o Facebook e 72,2% o Twitter. Embora não aparecesse em primeiro lugar na preferência, o Facebook foi escolhido pelas seguintes características: ser um espaço voltado a relacionamentos; conter diversas linguagens, com ênfase na verbal e, especificamente pelos participantes, por ser utilizado no contato com amigos, conforme ilustração 3.
Ilustração 3 – Finalidade de uso do Facebook
Fonte: elaborado pelas autoras
O grupo no Facebook “Relações Públicas- Diálogo Intercultural” foi criado no início de novembro de 2019 e encerrado em junho de 2020. O planejamento englobou algumas estratégias iniciais, como: criação de arte visual, elaboração de normas de conduta para os participantes e de um termo de consentimento. No início, os membros foram convidados a se apresentarem, contando um pouco da sua história, do curso de graduação e das suas expectativas pessoais com a experiência de fazerem parte da pesquisa, estratégia que visou a criação de vínculos entre as pessoas e com a proposta. Na sequência, iniciaram-se as postagens de conteúdo ligado à comunicação organizacional e com teor intercultural, sendo que os integrantes foram convidados a debater acerca dos assuntos. No total, foram 24 postagens.
Participação no grupo
Mesmo com a presença de estudantes de cursos de Comunicação, a participação no início não era muito frequente, com interações pontuais entre os membros com as postagens e mesmo com outros membros. Por isso, algumas vezes, foi adotada a estratégia de uma comunicação mais dirigida/direcionada, marcando os participantes nos comentários e indagando-os em relação às questões propostas. Por exemplo: “(nome do participante), em Portugal, como acontece esta situação?”
Com a chegada da pandemia causada pela Covid-19 em março de 2020, poucos meses após a criação do grupo, e pelo fato de que as notícias mundiais focavam quase que exclusivamente este assunto, decidiu-se voltar as postagens para a relação entre as posturas de comunicação organizacionais com o cenário de pandemia, caracterizado como um momento delicado para a saúde mundial.
A partir do momento que a temática foi levada em consideração e abordada nas postagens foi possível notar o aumento nas interações. Esta mudança justifica-se pelas temáticas estarem relacionadas a um momento comum a todos os participantes e que as organizações com que cada membro tinha contato passaram a ter, necessariamente, que posicionar-se e criar estratégias de comunicação diante do novo cenário.
Os estudantes envolvidos na pesquisa traziam para os comentários o cenário que cada um deles estava vivenciando em suas cidades, estados e países durante este período, além de diferentes discursos organizacionais de marcas com as quais eles tinham contato. Foi possível notar como as organizações comunicavam-se de diferentes maneiras, adotando diferentes discursos neste momento (ilustração 4).
Ilustração 4 - Comentários dos participantes em relação à Pandemia
Fonte: elaborada pelas autoras
Como pode-se notar, tanto as postagens quanto as interações dos participantes continham conexão com o atual cenário mundial, além disso, os membros traziam suas vivências particulares, o que é visto nos discursos de alguns: “ela está no meu dia a dia”, “eu acompanho muitas marcas” ou “eu não acompanho muitas marcas, mas gostei de analisar....”.
Poucos estudantes que tiveram experiências de internacionalização compartilharam este fato ao posicionarem-se em algumas postagens, mas todos eles trouxeram em seu discurso fatos que realmente vivenciavam, como: empresas que conheciam, cases que estudaram, marcas que consumiam e acontecimentos referentes aos locais em que estavam.
Na maioria dos comentários em relação às campanhas de comunicação e o cenário de pandemia, os discursos produzidos e veiculados por organizações eram mais citados, ou seja, tinham mais impacto e chamavam mais atenção do que as campanhas governamentais, por exemplo. Isso ocorre pois, na maioria das vezes, grandes empresas investem alto em comunicação, incluindo em publicidade, inclusive institucional, fazendo com que seus discursos tenham alta visibilidade. Além disso, pesquisas de mercado indicam que 61% dos brasileiros confiam em empresas privadas, contra 53% que acreditam no governo (Edelman, 2021).
Estabelecendo uma análise geral dos comentários durante a pesquisa à luz da interação, do diálogo intercultural e dos materiais postados pelos participantes, foi possível identificar experiências vivenciadas na universidade, portanto com fundamentação acadêmica, mas os principais discursos tinham fonte mercadológica ou jornalística, como pode-se evidenciar na ilustração 5.
Ilustração 5 - Comentários dos participantes
Fonte: elaborada pelas autoras
Todos os textos utilizados para comunicação dentro do grupo tinham fontes da internet, com base nos acontecimentos atuais daquele momento. Os discursos na página eram mais informais, por estarem em uma rede social, sem termos técnicos ou acadêmicos, para que todos os membros pudessem entender e participar das discussões, buscando o máximo de interação.
Ao término do período de funcionamento do grupo, foi aplicado novo questionário para compreender aspectos como a baixa interação e a experiência com a pesquisa. Em relação à interação dos membros com as postagens, pode-se perceber que a falta de participação em alguns momentos foi justificada por duas causas de maior importância: em primeiro lugar, pela falta de tempo dos membros (44%) e em segundo lugar pela falta de costume em usar o Facebook (33%). Outros motivos foram menos reportados (ilustração 6).
Ilustração 6 - Experiência dos participantes com o grupo
Fonte: elaborada pelas autoras
Diálogo intercultural
Para conhecer o olhar sobre o diálogo intercultural dos participantes e o valor que os mesmos atribuem a essa formação na graduação, no questionário inicial foi feita uma pergunta aberta: “Para você, o que significa ser brasileiro?” (apenas para os brasileiros) e “Para você, o que significa ser português?” (apenas para portugueses). As respostas indicam um olhar considerado amplo da cultura de cada nação, que vai além de estereótipos trabalhados pela mídia. As ilustrações 7 e 8 trazem alguns exemplos.
Ilustração 7 - Respostas de estudantes portugueses
Fonte: elaborada pelas autoras
Ilustração 8 - Respostas de estudantes brasileiros
Fonte: elaborada pelas autoras
Como a participação no grupo foi considerada “tímida”, buscou-se mais informações no questionário final, por meio de uma peça cultural em formato de ‘meme’, que deveria ser analisada (Ilustração 9). A escolha da imagem foi feita levando em consideração dois fatores: o primeiro era o perfil dos participantes- público jovem adulto que está conectado às redes sociais - e o segundo foi o contexto da atualidade, em que os memes estão muito presentes em todas as redes sociais e que são usados como uma das principais formas de entretenimento.
Ilustração 9 - ‘Meme’ escolhido para análise
Fonte: Internet, 2020.
O ‘meme’ faz uma associação do tradicional seriado americano “Todo Mundo Odeia o Chris” com o contexto atual do Coronavírus, trazendo a imagem da família, que é o núcleo da história da série, trocando a imagem da personagem principal pelo “Corona” e trocando o nome por “Todo mundo odeia o Corona”. A partir deste meme, os participantes foram convidados a associar o meme à cultura de cada um (Ilustração 10).
Ilustração 10 - Respostas dos participantes referentes ao ‘meme’
Fonte: Fonte: elaborada pelas autoras
Os comentários encontrados nesta etapa da pesquisa dão pistas para compreender como cada um dos participantes entende o meme partindo da cultura em que estão inseridos. Como resultado, diversos brasileiros disseram que se sentiam representados pela história, mesmo o seriado retratando a vida de uma família norte-americana. Alguns participantes sentiram-se representados pelo sentimento compartilhado no ‘meme’, associando-o diretamente à realidade em que vivem e relacionando que todos estão cansados do cenário de pandemia.
Outro resultado muito curioso é que alguns participantes acharam comum os brasileiros fazerem o meme deste contexto. Comentários como: “memes também são extremamente característicos da cultura brasileira nas mídias sociais”, “Esse meme representa muito a cultura brasileira, que faz brincadeira em qualquer tipo de situação!”, “O brasileiro se expressa muito através de humor”, comprovam a naturalidade no entendimento do meme e a imagem que se tem do país.
Enquanto isso, outros membros identificaram esta produção cultural como uma questão problemática, como visto em: “Acho difícil como tudo vira meme hoje em dia, principalmente com assuntos sérios”, tirando o foco de assuntos sérios e importantes, como foi relatado.
Além da interpretação, buscou-se saber a atitude que teriam ao se deparar com o meme, sobretudo no que tange à comunicação. Entre os entrevistados, 38,9% não compartilhariam, mas 61% indicaram que “curtiriam” (Ilustração 11).
Ilustração 11 – Reação dos participantes frente ao “meme”
Fonte: elaborada pelas autoras
A partir da análise, buscou-se compreender o valor atribuído à formação de competências interculturais durante o período de graduação em suas respectivas universidades, por meio de questão colocada no questionário. Foi possível observar que 88,9% dos participantes deram a nota máxima, ou seja, 5, declarando a formação como ‘muito importante’, enquanto dois deram nota 4.
Esta resposta cabe ser tensionada, afinal, por um lado, as competências interculturais tratam exatamente de interação, e, por outro, há evidências de baixa interação entre os envolvidos. Talvez a escolha da plataforma tenha impactado, uma vez que a mídia mais usada por eles é o WhatsApp e o Instagram, sendo que o Facebook ficou em terceiro lugar. Esse fator pode ter sido decisivo para a baixa interação, uma vez que está inserido diretamente na cultura dos jovens participantes.
Algumas considerações
O ambiente criado no Facebook possibilitou um diálogo em que as diferentes questões culturais eram perceptíveis. A começar pela forma como mencionavam o lugar de origem, em suas apresentações, acrescentando doses de humor, sobretudo pelos brasileiros: “Cresci em Guarulhos (não, a cidade não é só um aeroporto rs)”; “Londrina nas décadas de 50 e 60 ficou conhecida como a capital mundial do café, exportando café para o mundo todo, mas com um geada em 1975 a cidade perdeu toda a produção e deu uma leve falida kkkk Hoje somos conhecidos por ser uma das cidades com maior número de eleitores do atual presidente (87% da população rsrs)”; “Nasci em Araraquara uma cidade do interior de São Paulo muito simpática que tem cheirinho de laranja e o apelido de Morada do Sol”.
É interessante identificar que os elementos culturais, como língua, costumes, alimentação, vestimentas, entre outros aspectos constroem não só a imagem que eles têm de seus próprios países e do lugar onde vivem, como também colaboram para formá-los como parte essencial e pertencente de sua nação. Acima de tudo, o que os fazem brasileiros e portugueses é conhecer e compartilhar suas histórias, culturas e valores com o local ao qual pertencem.
O convívio em uma sociedade altamente conectada, mesmo com diferenças de acesso, leva a pensar em novas formas de comunicação. No que tange às organizações, é preciso que os profissionais estejam preparados para lidar com públicos de diferentes culturas e, consequentemente, diferentes formas de atribuir significados a conteúdos discursivos. Por isso, o conhecimento sobre questões interculturais é um fator muito caro para a área das Relações Públicas, uma vez que estes profissionais serão responsáveis por lidar diretamente com estratégias e análises comportamentais de diversos públicos.
Desta forma, mais do que técnicas de comunicação, tornam-se relevantes as competências em comunicação e as competências interculturais, o que remete à necessidade de trabalhá-las no ensino das Relações Públicas, como citados por Andrelo e Cabral (2017, p. 182): “A formação específica em Relações Públicas vem demandando uma crescente necessidade de investir em processos de internacionalização, que possam complementar a formação desse profissional que trabalha diretamente com gestão de relacionamentos no âmbito organizacional”.
Uma das evidências percebidas na pesquisa refere-se ao poder e à força que as organizações possuem no repertório cotidiano das pessoas, e como elas percebem os diálogos estabelecidos por estas instituições, analisando o intuito das campanhas de comunicação e dos discursos veiculados por elas. Ao pautar assuntos e, mais do que isso, construir representações, a comunicação organizacional deve ser vista não apenas como algo natural, mas como uma ação que requer preceitos éticos e responsáveis.
A atuação de profissionais capacitados da área de Relações Públicas deve criar espaços de convivência e de experiências comunicativas saudáveis entre as organizações e todos os envolvidos neste processo. Mesmo com toda a diversidade de públicos e de interesses, “pode-se admitir que a atividade de relações públicas encontra seu lugar, especialmente, ao considerar a gestão do relacionamento como um processo complexo de concessões, posicionamentos e mediação” (Andrelo et al, 2014, p. 232).
Cabe acrescentar que, apesar do grupo de estudantes ter diferentes tipos de formação na graduação (RPs, engenheiros de produção, jornalistas), o fato de que muitos deles tenham feito menção à comunicação de algumas empresas e marcas mostra quão relevante é o desenvolvimento de estratégias de RP que fortalecem a comunicação dessas organizações.
O ponto de partida desse processo é justamente entender o poder que a comunicação tem quando realizada de forma efetiva e estabelecida de forma que entenda o maior número de pessoas e culturas possíveis. Gomes (2016, p.1277) ressalta que: “Um profissional de comunicação, especialmente de Relações Públicas, deve possuir as competências interculturais capazes de fazer com que de seja habilitado e perceber quais são seus valores culturais e de atenuá-los em prol de uma comunicação menos etnocêntrica, não julgando suas percepções de mundo como únicas e que merecem ser respeitadas, mas sim olhando de forma mais empática para as diferentes formas de pensar do outro, buscando que juntos possamos construir novas concepções de mundo que abarquem os diversos valores culturais. Deve também identificar os valores, expectativas de anseios pessoais de seus públicos de interesse; de modo a saber orientá-los de forma correta ao cumprimento de seus anseios, explorando todas suas potencialidades”.
Desta forma, todas as ações e contextos produzidos pelos profissionais de Relações Públicas sofrem influências e são inseridas, mutuamente, na sociedade e cultura em que eles atuam. Segundo Ganesh (2015, p. 40), “a “competência” de comunicação mais importante é um tipo de gestão da coerência em que os indivíduos, as comunidades e as organizações devem navegar e dominar para tratar dos diferentes níveis de interação que compõem nosso complexo meio cultural”.
Mas, como promover tais competências na graduação? Para além da leitura de textos e análise de cases, o pressuposto que motivou a presente pesquisa é que há necessidade de interação com diferentes culturas. Nesse sentido, a criação, gestão e análise do grupo no Facebook fornece pistas sobre a questão. Primeiro, ainda que a formação de competências em comunicação seja um processo complexo, com a necessidade do aprendizado de várias habilidades e da capacidade reflexiva, é importante que inclua abordagens comunicativas. A prática reflexiva se faz necessária. E, considerando que parte significativa dos relacionamentos se dá mediado pelas tecnologias, defende-se a existência de ações pedagógicas que pressuponham a comunicação via mídias sociais. Afinal, a tecnologia não é só o meio, mas um aparato com regras e com uma economia e política específicas.
Qual a melhor mídia para isso? Essa resposta não existe, pois é preciso compreender, no grupo específico, como se dá o consumo de mídia. Na experiência relatada percebeu-se que a maioria das interações eram de contato entre os participantes com as postagens da gestora e não entre eles. Além das explicações formais oferecidas pelos participantes no questionário final, pode-se atribuir essa postura ao fato de que não houve a devida apropriação pessoal pelos estudantes envolvidos. Foi feito um convite para que participassem, o convite foi aceito, mas o sentimento percebido era de que o grupo tinha uma dona, no caso, a gestora, o que foge ao perfil pouco hierárquico do uso de mídias sociais digitais.
De toda forma, a experiência motivou o contato com pessoas de outras culturas, mediado por tecnologia e pautado em assuntos ligados à formação dos envolvidos (a comunicação organizacional). Também propiciou a discussão sobre a necessidade de diálogo intercultural e do papel da graduação nesse sentido.
Esforços têm sido observados por parte de várias instituições de ensino pelo mundo todo, com políticas institucionais específicas criadas para fomentar a internacionalização do ensino universitário. Contudo, dadas as restrições orçamentárias que afetam atualmente universidades e instituições de fomento à mobilidade estudantil, entendemos que o uso de plataformas digitais mediadas por metodologias ativas de ensino e aprendizagem podem ser meios alternativos para promover essas experiências. No entanto, com a pandemia de Covid-19, essa característica alternativa no uso de tecnologia para interação intercultural passa a ser essencial e a única possível, dada a necessidade de distanciamento responsável que o momento atual requer.
Nesse caso, destaca-se mais uma vez a relevância na abordagem aqui apresentada, que compreende os aspectos relacionais entre competências comunicativas interculturais e de informação. Tal como observado por Peñamarin (2006, p. 141-142), “comunicar nem sempre é sinônimo de compreender-se plenamente”. Portanto, podemos inferir da pesquisa realizada que há elementos que devem ser observados quando abordamos a experiência intercultural para responder a demandas que estão sendo requeridas nas atuais circunstâncias e para as quais os profissionais das distintas áreas ainda não receberam formação adequada (Rodrigo Alsina, 2006). Isso significa que não basta comunicar, uma vez que “trabalhar, dirigir, negociar, vender e desenhar produtos interculturalmente” requer muito mais que uma competência comunicativa (Aneas Álvarez, 2014, p. 8, tradução nossa). É preciso considerar elementos relacionados com as singularidades sociais, econômicas, políticas e culturais do público envolvido, e que vão exigir que essa comunicação se dê mediante a tecnologia mais adequada e o uso da informação que faça mais sentido para esse grupo, o que implica em considerar aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais.
O fato de que tenhamos observado pouca interação entre os envolvidos no Facebook; por outro lado, uma resposta mais contundente às questões relacionadas com a identidade cultural e a pandemia de Covid-19, revela que “precisamos estar treinados para questionar a real profundidade dessas diferenças construídas, tratá-las como provisórias e sujeitas a mudanças, e entender a cultura múltipla e interseccional” (Ganesh, 2015, p. 38). Nessa mesma linha, Peñamarín (2006, p. 141-142) destaca que “cada encontro comunicativo deve ser considerado como um encontro intercultural, pois a significação ocorre sempre em textos e processos que ativam múltiplos códigos e sistemas de significação, já que implicam várias culturas de emissor e receptor”.
Portanto, como linhas futuras de investigação entendemos a relevância de que se considere elementos relacionados com a multiplicidade de fatores que incidem sobre o desenvolvimento das competências comunicativas interculturais e de informação, destacando aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais, além dos interseccionais.
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