Produção de incertezas e desmobilização em ambientes digitais: a controvérsia das queimadas na Amazônia brasileira

 

Production of uncertainties and demobilization in digital environments: the controversy of wildfires in brazilian Amazon

Producción de incertitumbres y desmovilización en entornos digitales: la controversia de los incendios en la Amazonía brasileña

 

e-ISSN: 1605 -4806

VOL 25 N° 112 septiembre - diciembre 2021 Monográfico pp. 217-234

Recibido 08-09-2021 Aprobado 20-12-2021

https://doi.org/10.26807/rp.v25i112.1817

Alana Nogueira Volpato

Brasil

Universidade Estadual Paulista (Unesp)

alana.volpato@unesp.br

Mariana Alarcon Datrino

Brasil

Universidade Estadual Paulista (Unesp)

mariana.datrino@unesp.br

Caroline Kraus Luvizotto

Brasil

Universidade Estadual Paulista (Unesp)

caroline.luvizotto@unesp.br

 

Resumo

Este estudo analisa como condições de desmobilização foram acionadas nas disputas de sentido sobre a controvérsia das queimadas na Amazônia, visando legitimar o governo brasileiro. Selecionamos postagens feitas entre agosto e setembro de 2019 em Fanpages no Facebook de quatro atores políticos envolvidos na controvérsia: Planalto, presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e movimento MBL. Analisamos apelos que questionavam a concretude do problema, sua relação com o interesse público, suas possibilidades de solução e sua relação com valores morais amplos. Por meio da identificação dos principais temas, assuntos e argumentos utilizados, concluímos que as condições de desmobilização foram acionadas para desqualificar a participação de atores que se opunham ao governo ou para demonstrar apoio internacional, produzindo incertezas que contribuem para desinformação e criam entraves para a formação e movimentação de públicos.

Palavras-chave:redes sociais digitais; desinformação; formação de públicos; desmobilização.

Abstract

This study analyzes how demobilization conditions were triggered in the disputes of meaning over the controversy about Amazon wildfires, aiming to legitimize the Brazilian government. We selected posts made between August and September 2019 on Facebook Fanpages from four political actors involved in the controversy: Planalto, President Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro and MBL movement. We analyzed appeals that questioned the concreteness of the problem, its relationship to the public interest, its solution possibilities and its relationship to broad moral values. Through the identification of the main themes, subjects and arguments used, we concluded that demobilization conditions were triggered to disqualify the participation of actors who opposed the government or to demonstrate international support, producing uncertainties that contribute to disinformation and create obstacles to publics formation and movement.

Keywords: social media; disinformation; publics formation; demobilization.

Resumen

Este estudio analiza como se usaron las condiciones de desmovilización en las disputas de sentido acerca de la controversia de los incendios en la Amazonía, con el objetivo de legitimar el gobierno brasileño. Seleccionamos publicaciones realizadas entre agosto y septiembre de 2019 en Facebook Fanpages de cuatro actores políticos involucrados en la controversia: Planalto, el presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro y movimiento MBL. Analizamos los llamamientos que cuestionaban la concreción del problema, su relación con el interés público, sus posibilidades de solución y su relación con valores morales amplios. A través de la identificación de los principales temas, cuestiones y argumentos utilizados, concluimos que las condiciones de desmovilización descalificaran la participación de actores que se oponían al gobierno o para demostraran apoyo internacional, produciendo incertidumbres que contribuyen a la desinformación y crean obstáculos a la formación y el movimiento de los públicos.

Palabras llave: redes sociales digitales; desinformación; formación de públicos; desmobilización.

 

1. Introdução

Permeando interações cotidianas, a mídia ocupa centralidade na (re)estruturação de processos sociais globais. Ao mesmo tempo em que a mídia, enquanto instituição com regras próprias, atravessa todos os demais campos sociais, a sociedade se apropria de seus recursos materiais e simbólicos, apresentando um contexto propício para mudanças sociais e culturais (Braga, 2018). Nesse contexto, é preciso compreender as novas dinâmicas de formação da opinião pública, atravessada por interações midiatizadas de caráter digital.

A análise aqui apresentada aborda a controvérsia das queimadas na Amazônia brasileira, que se insere em um cenário de guerra climática (Anthony Giddens citado por Silva, 2017), em que embora exista um consistente consenso científico sobre as mudanças climáticas desde a década de 1990 e sobre a influência da ação humana nessas mudanças, as evidências científicas não convencem a opinião pública. Essa disparidade pode ser explicada por uma disputa que foi travada não no meio científico, mas no âmbito da opinião pública, demonstrando “a existência de robustas ligações entre práticas de relações públicas e as disputas climáticas” (Silva, 2017, p. 148).

Silva (2017) investigou as dinâmicas desse processo de influência na opinião pública por meio da produção de incertezas, que envolve a ideia de que não existem consensos científicos sobre o tema, a sugestão de uma aparente busca pela verdade não sustentada por razões políticas, a aparente mobilização espontânea de sujeitos contra as ações de prevenção, reparação e controle das mudanças climáticas, buscando impossibilitar a criação de consensos sobre o tema e a consequente formação e movimentação dos públicos. Buscando explorar um aspecto pouco desenvolvido, Silva (2019) propõe uma mudança de abordagem para a compreensão dos fenômenos de comunicação pública, considerando as condições de desmobilização que também marcam os processos sociais de criação de sentido e de disputa de poder.

O episódio das queimadas da Amazônia brasileira ocorreu em 2019, um ano marcado por uma série de controvérsias envolvendo a temática do meio ambiente, o atual governo do Brasil e seu presidente, Jair Messias Bolsonaro. Em maio daquele ano, um dos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apontou que o desflorestamento da Amazônia acelerou significativamente, com a maior velocidade registrada em uma década. Segundo o INPE (2019), as áreas de desmatamento de corte raso nos meses de abril, maio e junho de 2019 acumularam o total de 1.907,1 km², um aumento de 24,8% em comparação ao mesmo período do ano anterior.

Com a divulgação pública desses dados, no dia 19 de julho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro se posicionou questionando a veracidade técnico-científica das informações apresentadas pelo INPE (2019), dirigido, até então, pelo pesquisador Ricardo Galvão. Nas palavras do presidente: “estou convencido de que os dados de desmatamento são mentira”, e alegou que ao divulgar esses dados, o INPE parecia agir “a serviço de uma ONG” (Novaes, 2019). No dia 2 de agosto de 2019, Ricardo Galvão foi exonerado do cargo.

Segundo o INPE (2019), o desmatamento contribuiu para o aumento de focos de incêndio na Amazônia no mês de agosto. De acordo com o Instituto, o ano de 2019 teve um aumento de 83% do número de focos de queimadas na Amazônia em relação ao mesmo período em 2018. Destes focos, podemos ressaltar o dia 10 de agosto, conhecido como “dia do fogo”, onde foi possível observar um aumento significativo dos focos, especificamente, no estado do Pará. Mediante a investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, a Procuradora Geral da República, na época, Raquel Dodge, declarou haver indícios de uma ação planejada. Dias antes, o jornal Folha do Progresso, de uma cidade paraense, publicou uma conversa com uma liderança (anônima) dos produtores rurais da cidade prometia promover incêndios florestais no dia 10. (Machado, 2019). 

Poucos dias depois, em 19 de agosto, o tema das queimadas ganhou ressonância em diversas cidades do Brasil, devido à redução da visibilidade e escurecimento do céu. O tema “são 15h”, em alusão ao horário em que o céu escureceu, ficou entre os mais comentados do Brasil no Twitter. Segundo informações do ClimaTempo “a fumaça era de grandes focos de queimadas [...] observados sobre a Bolívia, em Rondônia, no Acre, no Paraguai e no norte da Argentina” (Pegorim, 2019). Embora a fumaça não fosse proveniente apenas de queimadas no Brasil, o contexto favoreceu uma relação entre o escurecimento do céu e o aumento dos focos de queimadas na Amazônia.

No dia 21 de agosto o presidente brasileiro acusou ONGs de serem responsáveis pelo aumento no número de queimadas e o tema ganhou repercussão internacional em jornais como The Guardian, The New York Times e Deutsche Welle, além de a hashtag #PrayForAmazonas ter ocupado o primeiro lugar nos trending topics mundiais do Twitter (Martucci, 2019).

O impacto deste fenômeno foi global. As relações internacionais em torno da Amazônia se complexificaram, deixando o Brasil em uma situação delicada frente a outras nações e organismos internacionais, com destaque para algumas ocorrências: a suspensão, no início de agosto de 2019, dos repasses financeiros da Alemanha e da Noruega ao Fundo Amazônia, responsável por recolher recursos para ações de prevenção e combate ao desmatamento ilegal na região (Carmo, 2019); a discussão sobre as queimadas na Cúpula do G7 no final do mesmo mês, que poderia interferir no acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia firmado meses antes (G1, 2019); e a realização da Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada no final de setembro de 2019, que colocou o tema em evidência novamente.

As discussões em torno das queimadas e suas consequências nos setores ambiental, econômico e político se tornaram intensas nos ambientes das redes sociais digitais, articuladas por milhões de cidadãos, ONGs e movimentos sociais, imprensa nacional e internacional e por governantes de outros países, que responsabilizavam o governo pelo desmatamento e pelas queimadas. Diante da concentração de atenção pública conquistada pela controvérsia, o governo brasileiro reagiu investindo em um processo de produção de incertezas, disputando legitimidade com os demais atores envolvidos. Recorreu, para isso, às plataformas de redes sociais que, embora não tenham inaugurado o fenômeno da desinformação, certamente contribuem para sua configuração contemporânea.

As possibilidades de interação da midiatização de caráter digital romperam com a divisão superada entre emissores e receptores, contribuindo para a criação de circuitos difusos que atravessam campos sociais já estabelecidos (Braga, 2012). Internet, sites de redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas alteraram a forma como a desinformação é produzida, disseminada e interpretada (Freelon & Wells, 2020), além de terem ampliado seu alcance com a capilaridade de plataformas digitais e acelerado a velocidade de sua distribuição com publicação imediata e compartilhamento massivo (Schneider & Valente, 2021).

Neste cenário, emergem conflitos políticos que se reproduzem nos ambientes digitais, como a plataforma Facebook, e que afloram debates como os verificados no episódio das queimadas na Amazônia no ano de 2019, onde o tensionamento entre governantes e a opinião pública se tornou evidente e ressoante.

O presente artigo analisa de que forma condições de desmobilização foram acionadas nas disputas de sentido voltadas para legitimação do governo brasileiro na controvérsia das queimadas na Amazônia brasileira. Especificamente, foram analisadas postagens feitas em Fanpages no Facebook de quatro atores políticos envolvidos na controvérsia, abrangendo redes sociais oficiais do governo e outras de apoiadores que comumente se alinham ao seu posicionamento político: a página oficial do Planalto, a do presidente Jair Bolsonaro, a de Eduardo Bolsonaro, Deputado Federal pelo Partido Social Liberal (PSL) e filho de Jair Bolsonaro, e a do Movimento Brasil Livre. O percurso metodológico adota a Análise de Conteúdo segundo Bardin (2011) e considera as postagens feitas pelos quatro atores políticos em suas páginas no Facebook durante os meses de agosto e setembro de 2019.

2. Formação e movimentação de públicos e as condições de desmobilização

Os processos de comunicação implicados na criação de sentido sobre um problema são fundamentais para compreender as dinâmicas políticas contemporâneas se entendemos que, na democracia deliberativa, “o centro de atenção democrática deve ser a existência de uma arena discursiva que funciona como esfera intermediária entre o Estado e a sociedade” (Gomes, 2008, p. 16). Nesse sentido, cidadãos e outros atores sociais devem poder discutir sobre os problemas que os afetam em uma diversidade de espaços com diferentes configurações, que variam em amplitude, possibilidade de visibilidade, diversidade de interlocutores, entre outros aspectos.

A esfera pública construída pelo cruzamento de arenas discursivas, ainda que atravessada por assimetrias de poder e desigualdade de vozes (Farias, 2019) é condição para a formação da opinião pública que legitima as decisões do poder político. Os meios de comunicação são entendidos, então, como espaços de mediação entre arenas discursivas e atores sociais. Os processos comunicativos que ampliam a visibilidade de debates na esfera pública compõem a dinâmica política tanto quanto aqueles nos quais os indivíduos, cotidianamente, identificam problemas, refletem sobre eles, discutem possibilidades e comunicam suas posições (Marques, 2008).

Henriques (2017, p. 56) considera públicos como “formas de experiência e sociabilidade abstratas e dinâmicas, formadas em função da problematização de eventos e ações na esfera pública”. Silva (2019) comenta a visão de Dewey, para quem os públicos são um conjunto de indivíduos implicados em uma situação específica. Sofrendo as consequências dessa situação, o público reage, buscando compreendê-la, significá-la, para então comunicar sua posição. Portanto, para que um público se forme, é preciso que indivíduos construam a percepção de que são afetados por um problema. “[...] Não há público que se forme sem um processo de percepção e produção de conhecimento sobre os acontecimentos e problemas que o afetam e sobre si próprios como agentes coletivos que tomam atitudes e se justificam (para si mesmos e para outrem)” (Henriques, 2017, p. 58).

A esfera pública se torna, então, um espaço de disputas: primeiro, a disputa por visibilidade, para que um determinado problema se torne disponível nesse espaço público que é limitado e que pode apresentar obstáculos para seu acesso; segundo, a disputa sobre a percepção que esses agrupamentos em formação formulam sobre o problema, visando contribuir para ou dificultar sua movimentação (Silva, 2019). Os processos de comunicação envolvem os esforços de diferentes atores para ampliar a visibilidade de problemas ou pontos de vista, buscando construir sua legitimidade e influência nas decisões políticas, como também para mobilizar.

Assim como são apresentadas possibilidades de construir processos de comunicação que colaboram para a formação e movimentação de públicos, ampliando a mobilização de coletivos em torno de um problema, Silva (2019) questiona sobre a possibilidade inversa, qual seja, a criação de estratégias de comunicação que visam enfraquecer ou dificultar a ação dos públicos. O autor parte das condições de coletivização propostas por Márcio Henriques (citado por Silva, 2019) para pensar as condições de desmobilização.

A primeira condição de coletivização apresentada é a concretude de um problema, já que um público só pode se formar se perceber que é afetado por alguma situação. Além de identificar o problema, é preciso que ele seja compreendido numa dimensão coletiva, em que não apenas um indivíduo é afetado, mas um grupo de pessoas compartilha da mesma percepção, configurando a segunda condição como o caráter público do problema. A terceira condição está relacionada à viabilidade de agir sobre o problema, na crença compartilhada de que a ação coletiva pode mudar uma realidade que é problemática para esse agrupamento. A quarta condição é relacionada a um sentido moral, a vinculação de um público e suas ações a valores sociais amplos e aceitos.

A partir da construção existente sobre formação de públicos, Silva (2019, pp. 13-14) afirma que é preciso considerar “a existência de constantes disputas ao redor da formação de um público, com atores que se entendem como afetados buscando mobilizar outros sujeitos ao mesmo tempo em que forças diversas criam resistências e entraves para esse processo”. Propõe que:

O reconhecimento da recursividade presente no processo de formação e movimentação dos públicos permite sugerir que as práticas marcadas por apelos discursivos voltados para desmobilizar os públicos operam segundo as mesmas lógicas que aquelas que visam mobilizar os sujeitos, porém orientadas por uma valência oposta ao lidar com as condições de coletivização – tentando demonstrar que um problema (a) não é concreto, (b) não é de interesse público, (c) não é passível de solução e (d) não é embasado em valores mais amplos (Silva, 2019, p. 14).

Considerando os processos de construção de sentido que se dão em circuitos difusos, bem como as características dos meios de comunicação digitais que atualmente concentram boa parte da atenção pública, podemos perceber a necessidade de compreender como a desinformação se relaciona com as disputas que se dão em torno da formação e movimentação de públicos. Entendemos, como Tucker et al (2018), que a desinformação é uma categoria ampla composta por informações que podem levar a uma percepção distorcida sobre a realidade. Dentre elas, estão inclusas as informações falsas produzidas ou disseminadas deliberadamente pelos próprios atores do campo político institucional, que encontram em mídias digitais um meio de comunicação direta com a sociedade, com mecanismos ainda insuficientes de verificação e que não dependem da mediação de organizações de mídia orientadas por critérios profissionais do jornalismo.

Recuero (2019) afirma que a desinformação intencional, que envolve informação fabricada, descontextualizada ou manipulada, transita nas disputas discursivas e conversações políticas, influenciado pessoas. Segundo López (2021), o empenho em disseminar informações que distorcem a compreensão sobre a realidade compõe uma estratégia que compromete o debate público, forma a opinião pública, influencia atitudes e desestabiliza estados de opinião, buscando favorecer ou prejudicar determinados atores.

Dessa forma, a desinformação intencional está articulada à criação de barreiras para a identificação de problemas, suas causas e possíveis soluções, minando o potencial de mobilização em torno de questões de interesse público que podem ameaçar governantes ou elites dominantes. É neste sentido que propomos compreender a atuação de alguns atores políticos nas discussões públicas sobre as queimadas da Amazônia no ano de ٢٠١٩, tema com ampla visibilidade na esfera pública no período, buscando analisar de que forma utilizaram apelos voltados para a desmobilização, contribuindo para desinformação e criando entraves para a formação e movimentação de públicos.

3. Metodologia

O método da Análise de Conteúdo (AC), segundo Bardin (2011, p. 44), se baseia em “um conjunto de técnicas de análises das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Bardin (2011) indica três etapas fundamentais para a realização da AC: 1) codificação (elaboração das categorias), 2) categorização (criação de critérios e classificação) e 3) inferência (interpretação dos resultados).

Delimitamos como período de coleta os meses de agosto e setembro de 2019, por serem os meses que contemplam a maior parte dos focos de queimadas, bem como eventos relevantes relacionados à controvérsia e, consequentemente, maior disputa de legitimidade de discursos sobre o tema. Foram selecionados os seguintes perfis: a) Planalto, canal oficial da Presidência da República; b) Jair Messias Bolsonaro, página do Presidente da República; c) Eduardo Bolsonaro, página do Deputado Federal pelo Partido Social Liberal (PSL) e filho de Jair Bolsonaro; d) Movimento Brasil Livre (MBL), página da organização que se apresenta como uma entidade sem fins lucrativos que visa mobilizar cidadãos.

Optamos por selecionar perfis de atores políticos que, em maior ou menor grau, apoiam o governo ou, de fato, representam-no nos sites de redes sociais. Nesse sentido, os perfis do Planalto e do Presidente Jair Bolsonaro foram selecionados para que pudéssemos compreender quais foram e de que forma as condições de mobilização foram acionadas nas postagens de páginas oficiais do governo federal.

Entendemos que muitos discursos do governo e de sua base circulam em outros ambientes que permitem, inclusive, utilizar argumentos que não poderiam ser publicados em canais oficiais do governo. Neste sentido, selecionamos o perfil de Eduardo Bolsonaro, eleito Deputado Federal pelo Estado de São Paulo com recorde de votos. Em uma avaliação das páginas do Facebook dos três filhos do presidente brasileiro que ocupam cargos políticos, o perfil de Eduardo Bolsonaro é o que mais tem seguidores, além de ser o que mais realizou postagens sobre o tema da Amazônia no período da coleta. Selecionamos, também, a página do MBL que, embora não se apresentasse como um ator político que apoiava incondicionalmente o atual governo, assumiu um papel de liderança das novas direitas no ambiente on-line, alinhando-se, muitas vezes, ao discurso do presidente Jair Bolsonaro.

Seguindo a abordagem metodológica da AC proposta por Bardin (2011), após realizar a leitura flutuante das postagens coletadas no referido período, desenvolvemos a primeira etapa da AC e definimos as seguintes categorias:

  1. Condições de desmobilização, adaptadas de Silva (2019), que adotamos como referência: Condição 1 – questionamento acerca da concretude do problema; Condição 2 – contestação sobre o caráter público do problema; Condição 3 – questionamento sobre as possibilidades de atuação para solução do problema; Condição 4 – disputas sobre o embasamento do problema em valores sociais mais amplos; 999 – não se aplica);
  2. Argumentos utilizados em cada uma das condições de desmobilização;
  3. Temas abordados;
  4. Assuntos abordados dentro de cada tema.

Após classificar as postagens de acordo com as categorias e os critérios estabelecidos, passamos à terceira etapa da AC, que consistiu na interpretação dos resultados alcançados e que neste estudo contou com uma abordagem qualitativa para promover uma confluência de dados.

3.1. Material e métodos

As postagens foram coletadas nos dias 10 e 11 de fevereiro de 2020, com o FanPage Karma, plataforma que permite monitorar e analisar dados de páginas no Facebook. Selecionamos as páginas, o período de tempo, os indicadores (número de curtidas, comentários, compartilhamentos, link de acesso a postagem) e extraímos uma planilha com todas as postagens feitas no período em cada página, encontrando um total de 1840 publicações. 

Realizamos a 1ª filtragem do material coletado, utilizando a ferramenta dessa mesma plataforma para selecionar postagens que apresentassem ao menos uma de três palavras-chave: Amazônia, queimadas e Macron. Esta última palavra foi escolhida após a leitura flutuante do material (Bardin, 2011), indicando a presença do Presidente francês Emmanuel Macron em muitas postagens nas páginas de Jair Bolsonaro e do MBL relacionadas ao tema das queimadas na Amazônia, alcançando um total de 112 publicações.

Revisamos todas as postagens manualmente para remover as repetidas ou aquelas que apresentavam as palavras-chaves, mas não se referiam ao tema das queimadas na Amazônia, exemplo de postagens feitas pelo MBL em favor da revitalização de uma rodovia na região da Amazônia, ou postagens sobre o presidente francês que não estavam relacionadas diretamente ao tema, obtendo um total de 71 publicações para análise.

Como a ferramenta de filtragem da FanPage Karma não abrange textos presentes em imagens, links ou vídeos, realizamos manualmente uma 2ª filtragem, acessando todos os links de postagens que não apresentavam nenhum conteúdo em texto e, portanto, não poderiam ser identificadas na 1ª filtragem; ou que continham texto, mas sem informações suficientes para que o conteúdo da postagem pudesse ser identificado. É o caso de postagens acompanhadas por textos de “bom dia”, “ué”, “é o que eu sempre digo”, entre outras expressões. Com a 2º filtragem, identificamos mais 40 postagens, obtendo, por fim, um corpus de 111 postagens para a análise.

Tabela 1 – Número de postagens coletadas para análise

Perfil/número de postagens

Postagens no período

Coletadas na 1ª filtragem

Coletadas na 2ª filtragem

Corpus

Planalto

154

18

2

20

Jair Bolsonaro

337

24

3

27

Eduardo Bolsonaro

324

10

2

12

MBL

1025

19

33

52

Total

1840

71

40

111

Fonte: elaboração própria

Embora façamos uso de gráficos e indicadores numéricos para facilitar a visualização dos dados, a análise tem caráter qualitativo e não pretende demonstrar correlações estatísticas, buscando compreender de que forma as condições de desmobilização foram acionadas nos lances argumentativos feitos pelos diferentes atores políticos sobre as queimadas na Amazônia.

4 Apresentação, análise e discussão dos resultados

4.1 As condições de desmobilização acionadas durante as queimadas na Amazônia

Apresentamos a seguir uma visão geral dos dados para, então, explorar cada condição de desmobilização. Das 111 publicações que compõem o corpus da pesquisa, 15 não apresentaram nenhuma condição de desmobilização. Nas demais, a Condição 2 - contestação sobre o caráter público do problema e a Condição 3 - questionamento sobre as possibilidades de atuação para solução do problema, foram as mais utilizadas. Por outro lado, a Condição 1 - questionamento acerca da concretude do problema, foi a menos expressiva.

Há uma diferença no uso das condições de desmobilização por ator político. Das publicações que apresentavam condições de desmobilização, a Condição 4 - disputas sobre o embasamento do problema em valores sociais mais amplos, foi a mais utilizada pelo MBL (37,7% das vezes), enquanto a Condição 2 foi a mais presente nos perfis de Jair Bolsonaro (50%) e Eduardo Bolsonaro (41,6%), e a Condição 3 na página do Planalto (66.6%).

Gráfico 1 - Porcentagem de ocorrência das condições de desmobilização nas publicações

https://lh4.googleusercontent.com/qq7-PoeySkarO_F9joPklMvKugzDuoZSA_pAx_HTKuVL-e2h7mBg8p9mm57jzXoVPrAhJ5YAhBgL7NiJJPvGorFh5ey2hwo1QEAIoWByPbxY4qJSGcnZlgNX6D3vAZTuNXZRtaVk
Fonte: elaboração própria

Embora essas sejam as condições mais utilizadas por cada ator político, nem sempre as publicações com essa característica apresentaram mais engajamento. É o caso do perfil do presidente Jair Bolsonaro, em que as publicações com a Condição 3 (voltada para a solução do problema) possuem mais engajamento, embora a maioria do conteúdo utilize a Condição 2 (voltada para o questionamento do caráter público do problema).

A Figura 2 mostra qual foi o espaço ocupado pelo tema na página de cada ator político, indicando a porcentagem de publicações sobre as queimadas na Amazônia em relação ao total de publicações feitas em agosto e setembro de 2019. 

Gráfico 2 - Porcentagem de publicações sobre o tema, por ator e período de tempo

https://lh4.googleusercontent.com/k96cGoIFuERm-MnQeIUDiSGzzzS6xli-_Ar86XaYHgN-P9Ln1hx8FDziTg-3UZ19lZgfVXSmtRxgjiU2IG9f7G9qnPfF9JRE5Gsiz5gkBiClIc3d9G3SdLzbhFqMd5cFaksrCtyc

Fonte: elaboração própria

Podemos observar que os atores políticos que mais dedicaram espaço para o tema foram o MBL (27,7% das publicações no período) e o Planalto (23,9%). Embora as páginas de Jair Bolsonaro e do Planalto tenham abordado o tema no primeiro período, nota-se um aumento significativo das publicações de todos os atores na segunda quinzena de agosto, ainda que o problema já estivesse ocorrendo há, no mínimo, três semanas, como podemos verificar a seguir.

Figura 1 - Linha do tempo dos principais acontecimentos

https://lh4.googleusercontent.com/3Mu_hK71NNja9AWupJQ_wKvm-OxqSWVeNKkSol80vmoIe_LtOVatEpD4Xz-W39eIJYSQZ5v33XSeHpNeoZq4iMWHcicfVCWWi_LBD6Gu5RRK4xhf0_aH31APSNMK5RQYVQBRG-9l

Fonte: elaboração própria

O tema passou a ocupar espaço nas páginas analisadas, sobretudo, no dia 22 de agosto, após a hashtag #PrayForAmazonas ocupar os trending topics mundiais no Twitter, com exceção do Planalto, que faz apenas uma postagem no dia 24 e passa a abordar as queimadas na Amazônia com ênfase no dia 26, após a Cúpula do G7. A partir desses episódios o tema ocupou com intensidade as conversações na esfera pública, tornando-se necessário disputar as interpretações sobre o tema pela opinião pública.

Uma publicação do MBL (21/08) mostra que existia uma cobrança de posicionamento por parte do público: “QUESTÃO AMAZÔNIA: o que não te contaram sobre o céu escuro em São Paulo! A pedido de muitos em nossas redes sociais, esta é a posição do MBL sobre a questão ambiental e os incêndios na Amazônia”.

Destacamos que o problema já existia e era conhecido pelos atores envolvidos e, notadamente, pelo governo federal, desde o início do mês de agosto (no mínimo), o que nos leva a questionar sobre o uso de possíveis estratégias de direcionamento da visibilidade no período anterior ou resistência em pautar o tema. Essa concentração de período indica que os atores políticos tiveram uma postura reativa no debate público sobre o tema no Facebook.

A concentração de publicações no período também pode explicar o baixo uso da Condição 1 - questionamento acerca da concretude do problema, já que nesse momento do desenrolar da controvérsia uma diversidade de atores, entre eles celebridades, comunidade científica, políticos do Brasil e de outros países, movimentos sociais, imprensa internacional, já tomavam o aumento do número de queimadas na região como fato. Nesse ponto, seria pouco eficaz disputar a existência ou não do problema, criando um cenário profícuo para que os atores políticos aqui selecionados passassem a questionar, sobretudo, a legitimidade de outros atores para se envolver na controvérsia.

Uma análise dos períodos anteriores pode apresentar um resultado diferente sobre as condições de desmobilização acionadas pelos atores selecionados. Da mesma forma, a ausência dessa condição de desmobilização nas páginas do Facebook não significa que ela não foi acionada, pelos mesmos atores, em outros âmbitos de comunicação.

Em setembro os números diminuíram e o tema apareceu com alguma evidência na página do Planalto que, com a aproximação da Cúpula do Clima, passou a acionar as Condições 1 e 2, voltadas para colocar em dúvida a concretude do problema e sua relação com o interesse público.

4.1.1 Disputa acerca da concretude do problema - Condição 1

A primeira condição de desmobilização está relacionada às disputas acerca da concretude do problema, promovendo dúvidas sobre temas já estabelecidos e verificados, como o aumento do número de queimadas na Amazônia. Os perfis selecionados defenderam que o problema sempre existiu, fazendo referência aos governos de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), ambos anteriores ao governo Bolsonaro; alegaram que as informações sobre o aumento das queimadas eram falsas, como em reportagem publicada pelo Planalto na qual o ministro da Defesa afirma que não há uma situação fora de controle; e apresentaram dados que buscavam deslegitimar o problema, como o presidente Jair Bolsonaro fez ao alegar que a área de queimadas teve um decréscimo entre janeiro e agosto. Após o período mais ativo da controvérsia, a página do Planalto passou a apresentar o governo como ambientalista, como se essa postura sempre tivesse amparado suas ações, mesmo antes do problema.

A forma como os atores políticos se propuseram a disputar a concretude do problema foi, na maioria das vezes, produzindo incertezas, não só questionando dados divulgados pela mídia ou por cientistas, mas também apresentando versões alternativas dos fatos, como dados descontextualizados ou fabricados que contradiziam os oficiais. Logo, essa condição de desmobilização se apresentou como uma maneira de confundir a opinião pública em relação a existência e proporção do problema.

4.1.2 Contestação sobre o caráter público do problema - Condição 2

Assumindo que o aumento das queimadas na Amazônia de fato existia, outras condições de desmobilização passaram a ser acionadas, como a contestação sobre o caráter público do problema. De forma geral, as publicações que utilizaram essa estratégia defendiam que não há real interesse, por parte dos atores mobilizados, na questão ambiental ou na preservação da Amazônia, mas sim em obter vantagens, sejam elas políticas ou econômicas.

É o caso de postagens que sugeriam uma possível interferência externa, sustentada na ideia de que atores não identificados estariam interessados em internacionalizar a Amazônia, a ponto de invadir as fronteiras do Brasil e roubar recursos naturais, ferindo a soberania nacional. Um exemplo é a postagem do presidente Jair Bolsonaro, que afirma: “Países estão interessados em nossas riquezas e biodiversidade. A Amazônia não pode ser entregue aqueles que destruíram suas florestas e agora querem se apoderar da nossa”. 

Outras vezes, esse interesse era atribuído a um ator específico, como o presidente francês Macron, que assumiu protagonismo levando a discussão para a Cúpula do G7 como um possível impeditivo para manter o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, o que poderia pressionar o governo brasileiro a agir contra o aumento dos desmatamentos e das queimadas. Uma postagem do MBL afirmou que “Macron quer invadir a Amazônia!”.

Diferentes interesses foram atribuídos ao presidente francês, como a intenção de beneficiar agricultores franceses às custas dos brasileiros, a de internacionalizar ou invadir a Amazônia, e a de utilizar esse episódio para se promover politicamente. Postagem do presidente Jair Bolsonaro afirmou: “Lamento que o presidente Macron busque instrumentalizar uma questão interna do Brasil e de outros países amazônicos para ganhos políticos pessoais”. Nesse sentido, as páginas selecionadas consideravam que os atores internacionais que pressionavam o governo brasileiro eram pautados por interesses privados.

Outro ator político citado foram as ONGs, que estariam interessadas em conseguir dinheiro público para se subsidiar. As publicações indicam que essas organizações recebiam verbas públicas e questionavam seu trabalho. O MBL publicou um link com o título “‘É estranho ver 300 ONGs na Amazônia e nenhuma no Nordeste’, diz embaixador na França”. Eduardo Bolsonaro, por sua vez, declarou que “Os ‘incêndios em massa’ só acabariam se as ONGs e a extrema imprensa voltassem a receber o que estavam acostumadas a receber…”. 

Outro apelo feito nesse sentido recorria a ideia de que “a Amazônia é nossa” e este é um problema de interesse público dos brasileiros, ou seja, não deveria ser objeto de discussão internacional porque diz respeito apenas ao Brasil. Uma publicação do MBL traz a fala de Ricardo Sales, afirmando: “Isso de patrimônio da humanidade é uma bobagem”. As postagens questionavam mobilizações realizadas pela sociedade civil em outros países, como se não tivessem legitimidade para agir em defesa da preservação de um território brasileiro. Dessa forma, buscavam posicionar o debate em uma esfera que é pública, mas restrita.

4.1.3 Questionamento sobre possibilidades de atuação para solução do problema - Condição 3

Esta condição de desmobilização estaria relacionada, a princípio, ao não reconhecimento do potencial de resolução do problema já que, se ele não pode ser solucionado, não há necessidade de mobilização. No entanto, encontramos argumentos que admitiram a existência do problema e a possibilidade de ação para solucioná-lo, mas sustentavam a ideia de que todas as ações necessárias já tinham sido adotadas. Sobretudo nas páginas do Planalto e de Jair Bolsonaro, essa condição apareceu na roupagem de divulgação de ações do governo para conter ou sanar as queimadas na Amazônia, descrevendo ações como envio de frotas do exército para conter o fogo ou o acolhimento da oferta de ajuda de outros países, notadamente, os alinhados ao governo, como Israel.

As publicações também afirmavam que o governo fazia “todo o possível” e tratava com seriedade a questão, buscando desvincular a impressão de que o governo negligenciava o episódio, construída pela preocupação internacional ou por declarações anteriores que negavam a existência do problema e sua urgência. Nesse sentido, a divulgação das ações do governo são entendidas na condição de desmobilização porque indicam uma mudança de postura, agora comprometida com a questão ambiental, que não demanda mobilização da sociedade.

Da mesma forma, consideramos que publicações que demonstravam apoio, e não ajuda com recursos, de outros países ao governo brasileiro faziam oposição às críticas feitas por países como Alemanha e França, que haviam assumido um papel de destaque nas discussões internacionais, bem como aos questionamentos levantados pela imprensa internacional. Mensagens de governantes alinhados ao governo Bolsonaro, como o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ou o então Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, indicavam sua confiança no trabalho desenvolvido no combate às queimadas, diluindo a impressão de que o mundo se preocupava com a gestão do problema pelo governo, promovendo uma legitimação do governo por atores externos. 

Ainda nesta categoria, identificamos o argumento do MBL de que a solução proposta por determinados atores não resolve o problema. A página questionou a eficiência de ir a manifestações em favor da Amazônia e ridicularizou algumas formas de ativismo na Internet, como em “Giulia Costa pratica yoga para protestar contra incêndios na Amazônia e acaba virando chacota” ou “Na ‘vibe ambientalista’, Anitta posta vídeo de calcinha para chamar atenção à Amazônia”.

4.1.4 Disputa sobre o embasamento do problema em valores morais mais amplos - Condição 4

A última condição de desmobilização considerou a relação do problema com valores morais mais amplos. Nenhum dos atores selecionados para a análise questionou a importância de se proteger o meio ambiente. Como não é possível questionar o problema em si, essa condição de desmobilização aparece, sobretudo, na tentativa de desmoralizar ou questionar a moralidade de atores que são críticos ao governo. Por exemplo, quando a Venezuela oferece ajuda ao Brasil, o MBL defende que um país com um salário mínimo tão baixo não tem moral para adentrar nos assuntos de outro país.

Portanto, diferente de questionar se os atores estão de fato preocupados com uma questão de interesse público, as publicações, nesta condição, questionavam o caráter dos próprios atores, determinando se estes podiam, ou não, falar sobre as queimadas na Amazônia. Sugeriam má conduta dos atores envolvidos ao questionar a honestidade de Macron ou ao expor o uso de informação falsa (como postagens que supostamente exibiam fotos de queimadas de outros anos para tratar do episódio), a fim de minar sua credibilidade. Alguns argumentos do MBL indicavam que nos governos do PT também existiam queimadas, que militantes da esquerda costumam “queimar pneus em manifestações” e que muitas pessoas “fumam maconha de procedência duvidosa” e, por isso, não têm legitimidade para questionar sobre uma questão ambiental, tal qual a das queimadas. Ou seja, recorre a uma desqualificação do ator e, consequentemente, de sua participação na controvérsia.

Além disso, argumentavam que alguns atores sociais envolvidos no debate não buscavam vantagens políticas ou econômicas, mas tentavam deliberadamente causar danos ao país. Como quando publicaram que Macron não queria beneficiar os agricultores franceses, mas sim prejudicar o agronegócio brasileiro, ou como o presidente Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro ao dizerem que países usaram as notícias de incêndios para tentar prejudicar a imagem do Brasil.

5 Conclusões

De forma geral, entendemos que as diferentes condições de desmobilização foram acionadas para desqualificar a participação de atores que se opunham ao governo na controvérsia, seja por meio do questionamento de seus valores, por seus possíveis interesses ocultos, por supostamente não se embasarem em dados que representam a realidade. Essa disputa envolveu, também, o movimento oposto, de demonstrar apoio internacional e ações do governo voltadas para a solução do problema, em uma disputa por legitimação que recorreu à desinformação como estratégia para produzir incertezas.

Considerando que a formação e movimentação de públicos depende da identificação de um problema que afeta uma coletividade, as informações que contradiziam os dados oficiais de órgãos de fiscalização do governo, como o INPE, amplamente divulgados por empresas e profissionais do jornalismo, além de colocarem em dúvida a existência do aumento das queimadas, buscavam desconstruir a credibilidade desses interlocutores e, no limite, das instituições. Quando o aumento das queimadas passou a ser percebido pela opinião pública como um fato, o foco da desinformação mudou para os atores que se engajam em interações de contestação com o governo federal, por meio de especulações e suspeitas sem embasamento em fontes de informação confiáveis.

Nesse sentido, a desinformação não se limita ao questionamento sobre a concretude do problema, mas contribui para as demais condições de desmobilização ao confundir sobre as possibilidades de solução do problema, a necessidade de engajamento em torno da questão e aos supostos interesses dos atores envolvidos, direta ou indiretamente, na controvérsia, o que pode levar a uma crise de confiança e minar os processos de mobilização em torno do episódio.

Com relação a aplicação das condições de desmobilização como categoria analítica, nos pareceu fazer sentido inserir a divulgação das ações do governo como a totalidade do que poderia ser feito na Condição 3 - questionamento sobre as possibilidades de atuação para solução do problema, diferente do que foi realizado no artigo que embasa esta pesquisa (Silva, 2019), que considerou argumentos como este uma forma de contestar a concretude do problema. Embora não recorra a ideia de que o problema não é passível de solução, esse apelo não refuta a existência do problema. Pelo contrário, assume que ele existe e indica que não é preciso que outros atores ajam sobre ele, vinculando esses argumentos à possibilidade de resolução do problema mais do que à disputa sobre sua concretude. Esperamos que essa leitura possa contribuir para o desenvolvimento deste aporte analítico na compreensão dos processos de comunicação pública.

Por fim, indicamos um desdobramento futuro importante: a análise dos comentários feitos nas postagens pode subsidiar inferências sobre como as condições de desmobilização circulam em outros âmbitos comunicacionais, de visibilidade restrita e com dinâmicas interacionais distintas, como grupos de Whatsapp.

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