Atração de produções audiovisuais e desenvolvimento do turismo cinematográfico: uma análise da Rio Film Commission e da São Paulo Film Commission

 

Attraction of audiovisual productions and development of film tourism: an analysis by the Rio Film Commission and the São Paulo Film Commission

Atracción de producciones audiovisuales y desarrollo del turismo cinematográfico: un análisis de la Rio Film Commission y la São Paulo Film Commission

 

e-ISSN: 1605 -4806

VOL 26 N° 115 septiembre - diciembre 2022 Monográfico pp. 40-58

Recibido12-07-2022 Aprobado 14-12-2022

 

Priscila de Melo

Brasil

Universidade do Vale do Itajaí

priscillajp@hotmail.com

Nathália Körössy

Brasil

Universidade Federal de Pernambuco

nathaliakorossy@gmail.com

Rute Gabriela dos Santos Paes

Brasil

Universidade Federal de Pernambuco

rgabriela.sp@gmail.com

Evenly Maria dos Santos

Brasil

Universidade Federal de Pernambuco

evenly.msantos@gmail.com

 


Resumo

A atração de produções audiovisuais para uma localidade é uma forma de divulgar turisticamente o destino e de atrair visitantes por meio da promoção do turismo cinematográfico. Estudos prévios apontam para a necessidade de se criar relações de sinergia entre as OGD e atores públicos e privados dos setores turístico e audiovisual para gerar oportunidades em curto, médio e longo prazo (Polianskaia, Rãdut, & Stanciulescu, 2016). A atuação de um ator institucional em particular torna-se essencial para somar aos esforços da OGD no desenvolvimento do turismo cinematográfico: a film commission. Este artigo se debruça sobre as duas principais film commissions brasileiras – São Paulo Film Commission e Rio Film Commission – com o objetivo de analisar sua atuação na captação de produções audiovisuais e no desenvolvimento do turismo cinematográfico em cooperação com as OGD locais. Por último, faz uma reflexão sobre o modelo organizacional das film commissions a partir das contribuições teóricas de Costa (2008). Como procedimentos metodológicos, realizou pesquisas bibliográfica e documental, além de entrevistas online com gestores das duas film commissions. Aos dados coletados, foi conferida uma abordagem qualitativa por meio da análise categorial de conteúdo. Como principal achado, a partir da análise da atuação das film commissions e das relações endógenas e exógenas por elas cultivadas, concluiu-se que a Rio Film Commission apresenta um modelo organizacional do tipo integrado fechado e a SPFilm alcança o modelo ideal descrito na literatura – integrado aberto. A pesquisa empírica revelou, ainda, que as film commissions não aproveitam o potencial da atuação colaborativa com as OGD, o que corrobora com Hudson (2011) quando afirma que as film commissions tendem a ignorar o turismo cinematográfico, atuando apenas numa perspectiva mais focada de atração de produções audiovisuais, missão principal desse tipo de entidade. Por fim, esta pesquisa concluiu que o turismo cinematográfico depende de um conjunto de estratégias e ações para que esta atividade aconteça não apenas a curto prazo, mas também a médio e longo prazo; além de depender da cooperação com outros atores, sendo um deles as film commissions.

Palavras-chave: turismo cinematográfico; modelo organizacional; Rio film commission; São Paulo fim commission.

Summary

The attraction of audiovisual productions to a location is a way of promoting the destination for tourism and attracting visitors through the promotion of film tourism. Previous studies point to the need to create synergy relationships between OGD and public and private actors in the tourism and audiovisual sectors to generate opportunities in the short, medium and long term (Polianskaia, Rãdut, & Stanciulescu, 2016). The performance of a particular institutional actor becomes essential to add to OGD’s efforts in the development of film tourism: the film commission. This article focuses on the two main Brazilian film commissions – São Paulo Film Commission and Rio Film Commission – with the aim of analyzing their role in capturing audiovisual productions and in the development of film tourism in cooperation with local OGDs. Finally, it reflects on the organizational model of film commissions based on the theoretical contributions of Costa (2008). As methodological procedures, it carried out bibliographic and documentary research, as well as online interviews with managers of the two film commissions. The data collected was given a qualitative approach through categorical content analysis. As the main finding, from the analysis of the performance of film commissions and the endogenous and exogenous relationships cultivated by them, it was concluded that the Rio Film Commission presents an organizational model of the closed integrated type and SPFilm achieves the ideal model described in the literature - integrated open. Empirical research also revealed that film commissions do not take advantage of the potential of collaborative action with OGD, which corroborates Hudson (2011) when he states that film commissions tend to ignore film tourism, acting only from a more focused perspective of attraction of audiovisual productions, the main mission of this type of entity. Finally, this research concluded that film tourism depends on a set of strategies and actions for this activity to take place not only in the short term, but also in the medium and long term; in addition to relying on cooperation with other actors, one of them being film commissions.

Keywords: film tourism; organizational model; Rio Film Commission; Sao Paulo end commission.

Resumen

La atracción de producciones audiovisuales a un lugar es una forma de promocionar el destino para el turismo y atraer visitantes a través de la promoción del turismo cinematográfico. Estudios previos apuntan a la necesidad de crear relaciones de sinergia entre OGD y los actores públicos y privados de los sectores turístico y audiovisual para generar oportunidades a corto, mediano y largo plazo (Polianskaia, Rãdut, & Stanciulescu, 2016). La actuación de un actor institucional en particular se vuelve fundamental para sumar a los esfuerzos de OGD en el desarrollo del turismo cinematográfico: la comisión cinematográfica. Este artículo se centra en las dos principales comisiones cinematográficas brasileñas, São Paulo Film Commission y Rio Film Commission, con el objetivo de analizar su papel en la captación de producciones audiovisuales y en el desarrollo del turismo cinematográfico en cooperación con los OGD locales. Finalmente, reflexiona sobre el modelo organizativo de las comisiones cinematográficas a partir de los aportes teóricos de Costa (2008). Como procedimientos metodológicos, se llevó a cabo una investigación bibliográfica y documental, así como entrevistas en línea a directivos de las dos comisiones fílmicas. A los datos recolectados se les dio un enfoque cualitativo a través del análisis de contenido categórico. Como principal hallazgo, a partir del análisis del desempeño de las comisiones fílmicas y de las relaciones endógenas y exógenas cultivadas por ellas, se concluyó que la Comisión Fílmica de Río presenta un modelo organizativo del tipo integrado cerrado y SPFilm alcanza el modelo ideal descrito en el literatura - abierto integrado. La investigación empírica también reveló que las comisiones cinematográficas no aprovechan el potencial de la acción colaborativa con OGD, lo que corrobora Hudson (2011) cuando afirma que las comisiones cinematográficas tienden a ignorar el turismo cinematográfico, actuando solo desde una perspectiva más enfocada de atracción de producciones audiovisuales. , principal misión de este tipo de entidades. Finalmente, esta investigación concluyó que el turismo cinematográfico depende de un conjunto de estrategias y acciones para que esta actividad se lleve a cabo no solo en el corto plazo, sino también en el mediano y largo plazo; además de contar con la cooperación de otros actores, siendo uno de ellos las comisiones cinematográficas.

Palabras clave: turismo cinematográfico; modelo organizativo; Comisión de Cine de Río; Comisión final de São Paulo.

 

1. Introdução

A atração de produções audiovisuais para uma localidade é uma potencial forma de divulgar turisticamente um destino e de atrair visitantes por meio da promoção do turismo cinematográfico, cuja principal motivação consiste na visitação de locais relacionados a filmes, séries e outros tipos de produção (Busby & Klug, 2001; Macionis, 2004; Di Cesare & La Salandra, 2015). Os benefícios econômicos advindos do aumento dos fluxos de visitantes e da ampliação da oferta turística relacionada ao turismo cinematográfico têm incentivado Organizações de Gestão de Destino (OGD) a atuar no desenvolvimento desse segmento (Hudson, 2011; Connell, 2012).

A matéria-prima do turismo cinematográfico é o conjunto de produções audiovisuais filmadas em uma localidade. Essa filmografia consiste na base para criação de novos produtos e experiências turísticas, como movie maps, roteiros guiados, centros de interpretação, parques temáticos, etc. (Hudson & Ritchie, 2006; Hudson, 2011; Lundberg, Ziakas, & Morgan, 2017. Assim, quanto mais produções audiovisuais forem filmadas em um destino, mais elementos disponíveis para o desenvolvimento do turismo cinematográfico, além de se ampliar a difusão de sua imagem (Hudson & Ritchie, 2006; Hudson, 2011; O’Connor & Kim, 2014; Lundberg et al., 2017).

Estudos prévios apontam para a necessidade de se criar relações de sinergia entre as OGD e atores públicos e privados dos setores turístico e audiovisual para gerar oportunidades em curto, médio e longo prazo (Liou, 2010; Hudson, 2011; Lianza et al., 2011; Polianskaia et al., 2016). A atuação de um ator institucional em particular torna-se essencial para a OGD: a film commission, que é uma organização sem fins lucrativos destinada a trazer benefícios econômicos à sua jurisdição por meio da atração de filmes, séries de TV, documentários, comerciais etc., normalmente sob a autoridade de uma entidade governamental ou escritório administrativo que pode surgir em nível local, regional ou estadual (REBRAFIC, 2019). Em suma, as film commissions são organizações que promovem uma localidade para produções audiovisuais, atraindo equipes de produção e auxiliando-as com serviços logísticos e técnicos antes e durante a realização da produção (Di Cesare & Rech, 2007; Nicosia, 2012; Di Cesare & La Salandra, 2015; Sarabia & Sánchez, 2019).

Segundo a Association of Film Commissions Internacional há mais de 300 film commissions em cerca de 40 países. No Brasil, estima-se a existência de oito film commissions em atividade, das quais duas são associadas à Rede Brasileira de Film Commissions (REBRAFIC): a Rio Film Commission e a São Paulo Film Commission. Apesar da importância do setor audiovisual no Brasil, as film commissions locais ainda não estão presentes em grande número no território nacional. Do ponto de vista acadêmico, constata-se um gap de estudos científicos sobre o tema, capazes de fornecer um panorama geral da situação atual dessas entidades e de sua atuação, seja no apoio e captação de produções audiovisuais, seja no desenvolvimento do turismo cinematográfico em parceria com atores institucionais do turismo.

Face ao exposto, este artigo se debruça sobre as duas principais film commissions brasileiras – São Paulo Film Commission e Rio Film Commission – com o objetivo de analisar sua atuação na captação de produções audiovisuais externas (nacionais e internacionais) e no desenvolvimento do turismo cinematográfico em cooperação com as OGD locais. Por último, faz uma reflexão sobre o modelo organizacional dessas entidades a partir das contribuições teóricas de Costa (2008). Este estudo justifica-se pela necessidade de as pesquisas em turismo cinematográfico avançarem na compreensão do papel e atuação dos atores do audiovisual (Hudson, 2011; Nicosia, 2015), permitindo vislumbrar possibilidades de articulação e cooperação entre os atores do turismo e do audiovisual na gestão do turismo cinematográfico. Espera-se que o presente estudo contribua para preencher a lacuna apresentada, ampliando o conhecimento existente e apontando novos direcionamentos de pesquisas sobre turismo cinematográfico e film commissions.

2. Metodologia

Este estudo tem natureza descritiva e abordagem qualitativa para compreender a atuação de film commissions na atração de produções audiovisuais externas e no desenvolvimento do turismo cinematográfico, bem como refletir sobre como seu modelo organizacional contribui para sua atuação. Este estudo contemplou pesquisas bibliográfica e documental, bem como realização de entrevistas.

Como método de pesquisa, utilizou-se o estudo de caso para verificar as características referentes ao objeto de estudo por meio da investigação empírica (Ventura, 2007), uma vez que o estudo de caso verifica não apenas o fenômeno em si, mas também o contexto ao qual ele se insere (Yin, 2001).

Inicialmente foi realizado um levantamento bibliográfico sobre film commissions para compreender sua importância para a captação de produções audiovisuais externas e consequentemente para o turismo cinematográfico. O levantamento bibliográfico foi realizado por meio da plataforma de busca Periódicos Capes incluindo artigos científicos publicados em periódicos internacionais e nacionais no período de 1990 à 2019.

Em seguida, buscou-se identificar as principais film commissions em atividade no Brasil com base nas informações fornecidas em entrevista com o diretor executivo da Rede Brasileira de Film Commissions (REBRAFIC), realizada em 2020. Assim, foram selecionadas para o estudo de caso as film commissions das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro por serem as duas entidades que possuem a maior captação de produções audiovisuais.

Seguindo as recomendações de Yin (2001), esta pesquisa inicialmente desenvolveu um aprofundamento teórico para então se dedicar à pesquisa empírica. Para compreender o objeto empírico, foram realizadas entrevistas online ou por telefone com os gestores das film commissions investigadas (quadro 1).

Quadro 1: Entrevistas realizadas

Entrevistado

Cargo

Entrevistado 1

Diretor Executivo da REBRAFIC

Entrevistado 2

Gestor da Rio Film Commission

Entrevistado 3

Gestor da São Paulo Film Commission

Entrevistado 4

Gestor da Rio Film Commission

Entrevistado 5

Gestor da São Paulo Film Commission

Fonte: elaboração própria (2021).

Na análise e discussão dos dados foi utilizada a análise de conteúdo do tipo categorial (Bardin, 2016), buscando-se identificar nas falas dos entrevistados as categorias de análise relacionadas às ações de captação de produções audiovisuais, às ações de turismo cinematográfico e as relações endógenas e exógenas que caracterizam o modelo organizacional segundo Costa (2008).

3. Revisão de Literatura

O envolvimento de produções audiovisuais como filmes e séries com os destinos turísticos pode gerar o desejo nos telespectadores em viajar e conhecer as locações que foram utilizadas nas gravações, gerando assim um fenômeno conhecido por turismo cinematográfico (Urso, 2015). Ele surge a partir da relação emocional que o telespectador tem com as produções audiovisuais (Beeton, 2008), criando possibilidades para que esse público se torne um turista de cinema (Kim, 2012). Está relacionado a visitas às locações utilizadas para filmagens, sejam elas locações em ambientes abertos e sets de filmagens (Busby & Klug, 2001; Lin & Huang, 2008; Ozdemir & Adan, 2014), parques temáticos, igrejas, museus, centros históricos, centros de compras (Kim & Nam, 2015), casas de celebridades (Beeton, 2005), assim como a visitas guiadas aos locais retratados na tela (Hudson, 2011; Lundberg et al., 2018) e eventos relacionados (Volo & Irimiás, 2015; Mercatanti, 2015).

O desenvolvimento do turismo cinematográfico pressupõe a gestão coordenada pelos atores institucionais do destino, o planejamento de longo prazo e a participação público-privada (Beeton, 2008; Di Cesare & La Salandra, 2015; Irimias, 2015). Dentre os atores institucionais, além da OGD e demais atores públicos e privados do setor turístico, destaca-se a film commission.

A film commission tem por missão atrair produções audiovisuais nacionais e internacionais (Riley & Van Doren, 1992; Nicosia, 2015; AFCI, 2019), para posteriormente concentrar os benefícios na sua jurisdição a partir da contratação de mão-de-obra local, aluguel de equipamentos e automóveis, utilização de meios de hospedagem, restaurantes e demais bens e serviços que podem ser utilizados pelo setor audiovisual (AFCI, 2019) gerando um retorno econômico, turístico e cultural (Nicosia, 2015). Segundo o Latin American Training Center (LATC, 2015), os papéis de uma film commission são a atração de produções audiovisuais e o apoio logístico-operacional aos projetos filmados ou gravados em uma determinada localidade. Nesse sentido, atuam como promotoras das suas áreas de jurisdição a fim de prospectar projetos audiovisuais em fase de pré-produção, apresentando-os as vantagens das suas locações e serviços locais (AFCI, 2019).

Assim, as film commissions são entidades sem fins lucrativos, de caráter público, privado ou misto, que podem surgir em diferentes escalas – nacional, regional, estadual ou local (AFCI, 2019), sob a responsabilidade de câmaras de comércio, conventions & visitors bureaus ou órgãos públicos da área de cultura, economia e turismo (García, 2011; Nicosia, 2015). Elas surgem da necessidade de ter um elo entre as agências locais e o setor audiovisual, devido ao crescimento das produções audiovisuais em determinadas localidades e da indispensabilidade de coordenar essas produções para que as jurisdições absorvam os benefícios econômicos por elas gerados (Marzal, 2009; García, 2011).

As atividades realizadas pelas film commissions podem ser interpretadas como complexas uma vez que necessitam de um acompanhamento constante para obter resultados positivos para a sua jurisdição (Nicosia, 2015). As film commissions podem oferecer serviços para os produtores, do ponto de vista econômico, a partir da redução de custos, e do ponto de vista artístico, oferecendo locações adequadas (Cucco, 2013), além de aconselhamentos e pesquisas (García, 2011). Elas oferecem informações relevantes, tais como principais fornecedores locais, profissionais para serviços técnicos, serviços gerais, artistas e figurantes, apoio burocrático, relações com as autoridades locais, obtenção de licença e demais serviços que possam auxiliar a execução do projeto audiovisual (Nicosia, 2015). Além desses serviços, há film commissions que oferecem programas de incentivos fiscais ou subsídios, como devolução de dinheiro e isenção de impostos aos produtores (Hudson, 2011).

De modo a atrair novas produções audiovisuais para o seu território de jurisdição, as film commissions empregam diferentes ferramentas de marketing para alcançar seus públicos-alvo. Segundo Hudson e Tung (2010), são seis as principais ferramentas: propaganda, promoção de vendas, promoção conjunta, relações públicas, marketing online e marketing direto (quadro 2).

Quadro 2: Ferramentas de marketing utilizadas pelas film commissions

Propaganda

A maior forma de propaganda utilizada pelas film commissions são os guias de produção. Para muitas film commissions, o design, a produção e a distribuição dos seus guias fazem parte da mais importante estratégia de marketing.

Promoção de

Vendas

Uso de itens para promover os seus serviços: calendários, canetas, camisetas dentre outros, com o nome da film commission.

Promoção conjunta

Algumas film commissions trabalham em conjunto em campanhas publicitárias, se associando a outros setores da indústria. Em 2003, a film commission da Escócia, junto com o Conselho de Turismo, a rede de hotéis Best Western e a companhia aérea British Airways, lançou uma série de eventos promocionais durante uma semana na World Travel Market em Londres.

Relações públicas

Conferências de imprensa, exibições e convenções são algumas das táticas para ganhar publicidade, além de fam trips, viagens oferecidas para produtores conheçam as vantagens do território.

Marketing online

Utilização de web sites, com a disponibilização dos guias de locações, informações de filmes e séries de TV produzidas na localidade e dos serviços disponíveis e incentivos fiscais.

Marketing direto

Incorpora campanhas individuais, como promoções de feiras e festivais de cinema, além de localizar e manter clientes individuais.

Fonte: Adaptado de Hudson & Tung (2010).

Para García (2011), uma das ações promocionais utilizadas pelas film commissions é a distribuição de guias de produção da localidade, contendo informações gerais sobre o setor audiovisual local, imagens do destino (locações) e design inovador como apelo informativo. Além de demonstrar suas características principais, por meio dos portfólios ou guias de produção, as film commissions também fazem uso de novas tecnologias. Assim, a divulgação por meio de portfólio físico vem perdendo mercado para o portfólio digital, diminuindo desta forma os custos gerados para impressão e distribuição e ampliando o alcance e a velocidade da informação (García, 2011; Lobo, López, & González, 2018). Outros produtos online também surgem, como mapas de filmes (movie maps) que divulgam as locações utilizadas para as produções audiovisuais e que servem também como oferta de turismo cinematográfico (Hudson & Tung, 2010).

Quando se trata do turismo cinematográfico, estudos prévios apontam para a necessidade de maior integração dos esforços da film commission e da OGD. Relações de cooperação entre film commissions e OGD podem potencializar as oportunidades para cada setor e ainda favorecem o desenvolvimento do turismo cinematográfico (Hudson, 2009; Nicosia, 2015; LATC, 2016).

Dentre as possibilidades de atuação conjunta, a posta em marcha de iniciativas para atração de produtores de grandes estúdios cinematográficos, a promoção das locações das produções audiovisuais, realização de eventos promocionais e desenvolvimento de aplicativos relacionados ao turismo cinematográfico são alguns exemplos (Hudson, 2009; LATC, 2016). Para Hudson (2011), as OGD e film commissions podem trabalhar juntas em ações de marketing durante as diferentes fases de criação da produção audiovisual: antes da produção, durante a produção, durante o lançamento da produção e após lançamento; e para Olsberg (SPI, 2015) essa parceria pode acontecer na criação de novos produtos turísticos e no compartilhamento de experiências.

Referindo-se aos níveis de articulação de film commissions com OGD e demais atores, Costa (2008) afirma que as film commissions podem assumir quatro diferentes modelos organizacionais em função do nível de suas relações endógenas e exógenas. As relações endógenas se referem àquelas entre as entidades públicas e privadas de interesse da film commission, enquanto que as relações exógenas estão relacionadas ao turismo e mercados externos. As film commissions que possuem baixo nível de intensidade das relações endógenas e exógenas possuem o modelo organizacional do tipo fragmentado fechado. As entidades enquadradas nesta categoria costumam ter dificuldade em manter suas atividades e em atrair produções audiovisuais para sua jurisdição. Já a film commission que possui uma relação de alta intensidade com os atores endógenos e baixa intensidade com os mercados externos é enquadrada na categoria integrado fechado, o que demonstra uma necessidade de ampliar estratégias para alcançar o mercado externo (Costa, 2008).

Há também aquelas que possuem alto nível de intensidade com o mercado externo, porém baixo nível de envolvimento com o setor público e privado da sua jurisdição – fragmentado aberto. Para essa situação, Costa (2008) observa a necessidade de ampliar essa relação, uma vez que as atividades das film commissions demandam um bom relacionamento interno com setores públicos e privados. Por fim, destaca-se o modelo ideal, a film commission integrada aberta, bem estruturada e com níveis altos de intensidade com os setores endógenos e exógenos. A partir dessa estrutura organizada, as film commissions têm a possibilidade de tomar decisões mais precisas e coerentes, uma vez que possuem o apoio de todos os atores envolvidos, construindo desta forma uma relação de confiança e de qualidade para os produtores (Costa, 2008).

4. Resultados e Discussão

As duas film commissions que mais se destacam no cenário nacional são a Rio Film Commission e a São Paulo Film Commission (SPFilm) por terem maior atuação no mercado audiovisual.

A SPFilm é considerada a segunda maior film commission da América Latina, sendo afiliada à Associação Internacional de Film Commissions (AFCI). A SPFilm já atendeu mais de 3.000 produções, dentre elas as séries da plataforma Netflix Sense8, Black Mirror, 3%, Samantha! e Spectros; novelas da rede televisiva Globo, O Tempo Não Para, Órfãos da Terra, Malhação, Os Sete Guardiões, A Dona do Pedaço, Vade Retro; e os longa-metragem Nada a Perder, O Doutrinador, Não Se Aceitam Devoluções e Sequestro Relâmpago. Das produções atendidas pela film commission, cerca de metade enquadra-se na categoria de publicidade. O segundo formato mais atendido são os de curta-metragem, seguido de séries.

A Rio Film Commission atendeu entre 2016 e 2019, mais de 700 produções, como por exemplo as séries Sob Pressão e Ilha de Ferro, novelas Apocalipse e Malhação, além de programas de TV estrangeiros como Secrets d’Histoire e This Morning. O maior público-alvo que a Rio Film Commission procura atingir são os produtores locais, sendo as novelas, séries de TV e longa-metragem as produções mais atendidas.

Caracterização geral das film commissions

A Rio Film Commission é o escritório oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro para apoio à produção de conteúdo audiovisual. Ela é uma coordenadoria da Rio Filme, empresa da Prefeitura do Rio de Janeiro vinculada à Secretaria Municipal de Cultura. Sua criação remonta a uma iniciativa da Rio Filme em 2009, em uma ação conjunta entre as secretarias municipal e estadual de cultura que formou a Filme Rio - Rio Film Commission. Inicialmente, a entidade atendia a todos os municípios do Estado; contudo em 2013 teve suas atividades interrompidas. Em 2016, a Rio Film Commission foi incorporada à estrutura da Rio Filme como coordenadoria e concentra-se na promoção da cidade do Rio de Janeiro para o setor audiovisual. Seus principais objetivos são o atendimento e apoio a produtores nas questões logísticas e a promoção da cidade como destino film friendly para recepcionar as produções audiovisuais (entrevistado 2), tendo como missão:

Nossa missão é transformar o ambiente criativo da cidade do Rio de Janeiro, através da sensibilização e preparo dos entes públicos e privados, de modo a posicionar a cidade como uma região preparada para receber e atrair produções nacionais e internacionais. Os objetivos principais são o atendimento eficiente a produtores para questões logísticas e a promoção da cidade como destino privilegiado para as produções audiovisuais, finalidades que contribuem com o desenvolvimento econômico e a criação de empregos. Os esforços da Rio Film Commission estão focados em tornar o Rio de Janeiro uma região mais “film friendly”, ou seja, preparada para receber e atrair produções nacionais e internacionais. A proposta é garantir que a experiência de filmar e fotografar em locações na cidade do Rio de Janeiro seja agradável e sem contratempos, independentemente do formato do conteúdo (entrevistado 2).

A São Paulo Film Commission (SPFilm) teve sua criação em 2016. Segundo o entrevistado 3, a entidade surgiu de diálogos entre gestão pública e setor audiovisual para atender à necessidade de transformar o principal centro financeiro da América Latina em um polo do audiovisual. Ainda de acordo com o entrevistado 3:

Era muito difícil filmar em São Paulo antes da criação da São Paulo Film Commission. Uma filmagem levava até 30 dias para conseguir uma autorização, além de precisar passar por até 10 guichês diferentes. Essa burocracia não era vantajosa pra cidade, visto que a indústria audiovisual movimenta bilhões anualmente e é comparável a indústria farmacêutica.

A São Paulo Film Commisision é uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura. Trata-se de um departamento ligado à Spcine, empresa de cinema e audiovisual da cidade de São Paulo voltada para desenvolvimento, financiamento e implementação de programas e políticas para setores de cinema, TV, games e novas mídias. A SPFilm tem como missão “tornar São Paulo uma cidade film friendly e atrair cada vez mais filmagens à cidade para promover o turismo, reforçar o imaginário da cidade e fortalecer o setor audiovisual” (entrevistado 3).

Quanto à natureza jurídica e estrutura organizacional, ambas film commissions são iniciativas do poder público municipal e consistem em um departamento de órgão do Executivo municipal da área de cultura. Ambas, portanto, não dispõem de orçamento próprio, estando sujeitas aos orçamentos de seus respectivos órgãos de origem. Enquanto que a estrutura organizacional da Rio Film Commission é mais enxuta contendo equipe com apenas três pessoas (uma agente administrativo responsável pela tramitação de projetos e gestão de dados; uma assistente dedicada ao atendimento às produções; e uma coordenadora), a SPFilm conta com nove pessoas (sendo seis no atendimento, responsáveis pelo contato direto com as produções, análise das solicitações e procedimento de autorização junto aos demais órgãos públicos envolvidos; uma pessoa responsável pela comunicação do departamento com stakeholders, análise dos números do audiovisual na cidade e processos administrativos ligados à prefeitura; uma pessoa na coordenação de atendimento responsável por gerenciar a equipe de atendimento e supervisionar todos os processos de autorizações de filmagens e uma coordenadora responsável por todo o departamento, pela política pública e seu funcionamento junto aos demais órgãos públicos da cidade e planejamento das estratégias de atuação da entidade).

Serviços oferecidos e ações para captação de produções audiovisuais

De acordo com o entrevistado 1, de forma geral as film commissions executam suas atividades com base em quatro vertentes de atuação: atendimento, baseado em um diálogo com o produtor para compreender o que ele deseja e necessita, observando porém, se o que ele quer é possível dentro da realidade da administração pública; atração através das atividades de comunicação para atrair produtores, com bancos de dados das locações com imagens fotográficas e vídeos (Frederico, 2006), redes sociais, website, participação em eventos; incentivo a partir da aproximação entre produtores locais e internacionais e negociação de descontos; e capacitação a partir de qualificação dos técnicos locais e de profissionais que atendam às exigências do mercado nacional e internacional. Assim, o entrevistado 1 menciona que:

Dentre as atividades que as film commissions fazem, são quatro vertentes da atuação: atendimento, conversar com o produtor e entender o que ele quer, se o que ele quer é possível, dentro da realidade da administração pública; atração, atividades de comunicação para atrair produtores por meio de bancos de dados das locações, redes sociais, sites, website; incentivo e capacitação (entrevistado 1)

A partir da fala do entrevistado 1, observa-se a importância das relações endógenas e exógenas do modelo organizacional apresentado por Costa (2008) para as film commissions, no qual a sinergia entre a film commisssion com o setor público e privado (endógenos) fortalece sua atuação na busca por novas relações exógenas (mercado externo) para captação de produções externas:

Film Commission é a instrumentalização que pode ser um departamento. Não precisa necessariamente ter um espaço físico, precisa ter e-mail, site e pessoas para administrarem essa atividade. Para uma film commission existir precisa da vontade do gestor [...] É vontade política. Precisa formalizar, criar os cargos [...] As secretarias alocam pessoas, e essas pessoas vão trabalhar como film commissions com o intuito de atrair, criar planos, peças de comunicação, tentar chamar a atenção do resto do país, meios de contato com produtores de audiovisual, verificar a situação da cidade, nível de parceria, para quando o produtor chegar, encontrar boas condições de filmagem, uma cidade preparada, ter uma boa experiência (entrevistado 1).

Ambas entidades realizam ações nestas vertentes de atuação. Tanto a Rio Film Commission quanto a SPFilm se dedicam não apenas a oferecer serviços gratuitos e apoiar as produções audiovisuais que tenham escolhido filmar em suas cidades, mas também buscam captar novas produções audiovisuais externas (nacionais e internacionais) atuando como entidades de marketing territorial voltadas para o setor audiovisual.

Elas oferecem assistência na busca de locações, serviços de informações sobre aspectos logísticos e legais da localidade, gestão de autorização de imagens, articulação entre produtores e instituições locais públicas e privadas, acompanhamento de produtores na localidade durante a produção e catálogo de locações. Adicionalmente, SPFilm disponibiliza um programa de incentivos fiscais, o Cash rebate, lançado no final de 2019, destinado a produções estrangeiras de longa-metragem, animações, séries e obras publicitárias internacionais através de uma produtora local. Por meio do programa, pode-se restituir à produtora uma porcentagem de 20% a 30% do valor gasto por produções internacionais filmadas parcial ou totalmente na cidade de São Paulo. Para serem contempladas, as produções precisam ter um gasto local mínimo de R$ 2 milhões. Esse programa de incentivos fiscais consiste em importante estratégia de atração de novas produções audiovisuais, dotando a cidade de uma vantagem competitiva baseada em custos em relação a outras cidades concorrentes no mercado audiovisual.

Em relação às ações de captação de produções audiovisuais, a Rio Film Commission e a SPFilm empregam como ferramentas de marketing propaganda e promoção conjunta, relações públicas, marketing digital e marketing direto. Ambas realizam distribuição do guia de produção e catálogo de locações em meio físico e eletrônico. A SPFilm criou um aplicativo para smartphones onde cada locação da cidade é apresentada junto com informações gerais e principais produções que ali foram filmadas. A Rio Film Commission também recorre à publicidade em revistas especializadas da área.

Na área de promoção conjunta, a Rio Film Commission publica anúncios e catálogos com parceiros institucionais e a SPFilm promoveu uma ação conjunta com a Latin America and Caribbean Film Commission Network na ocasião do European Film Market. Quanto às relações públicas, a Rio Film Commission realiza reuniões paralelas em eventos nacionais e internacionais da área, “a fim de estimular os produtores a planejarem suas próximas produções para que sejam filmadas na Cidade do Rio de Janeiro” (entrevistado 2). De igual modo, a SPFilm, segundo o entrevistado 3 participa de eventos da área e ainda possui uma newsletter com suas principais atividade.

No tocante à presença na internet e uso de redes sociais, a Rio Film Commission possui uma página no Facebook seguida por mais de 4 mil e seiscentas pessoas, perfil no Instagram (@rioofficefilmcommission – embora pouco atuante1) e o website oficial, onde cerca de 20% das produções atendidas fazem a solicitação de apoio segundo o entrevistado 4, enquanto que a SPFilm possui página web, perfil atuante no Instagram (@spfilmcommission) e um canal no Telegram disponível para produtoras.

Ações para o desenvolvimento do turismo cinematográfico

No que se refere à atuação no desenvolvimento do turismo cinematográfico de suas respectivas áreas de jurisdição, apenas a SPFilm realiza algumas ações. Segundo o entrevistado 5, a entidade realiza uma ação no perfil da SPCine no Facebook chamada #FilmeSP, a qual expõe as produções audiovisuais que já aconteceram ou ainda estão acontecendo pela cidade, citando as locações públicas onde foram filmadas. Outra ação, a Filmado Aqui, está relacionada com o aplicativo Filme SP, onde constam as locações públicas municipais e a informação referente às produções que já foram filmadas no local.

O entrevistado 3 também menciona as interações em redes sociais quando há lançamentos de produções audiovisuais como forma de gerar visibilidade turística. Na ocasião de Black Mirror (série da Netflix que teve episódio rodado em São Paulo em 2019), a SPFilm lançou enquetes para o público adivinhar a locação de acordo com a cena. Por fim, cita o ranking de locações públicas (lista com os locais que mais receberam filmagens no período) divulgado mensalmente na newsletter enviada a outros órgãos da prefeitura com o intuito de incentivá-los a divulgar esses espaços.

O entrevistado 5 menciona que a SPFilm realiza atividades de marketing de destino relacionadas ao turismo cinematográfico e que desenvolveu roteiros temáticos relacionados aos filmes rodados na cidade.

Quanto à atuação da film commission em sinergia com órgãos públicos da área de turismo, o entrevistado 3 afirma:

Film commissions estão bastante relacionadas aos órgãos de turismo, inclusive há algumas no país que estão diretamente vinculadas a esses órgãos, ou seja, que são parte de uma Secretaria de Turismo. No entanto, é comum também que uma Film Commission faça parte de uma Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Dessa maneira, fica claro que essa política pública traz ganhos culturais, turísticos e econômicos. A São Paulo Film Commission está vinculada à Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo, e é um departamento da Spcine, Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo e estamos constantemente em contato com a Secretaria Municipal de Turismo (...) (entrevistado 3).

Para o entrevistado 3, seria útil estabelecer parcerias para a “participação em eventos locais e internacionais ofertando a cidade como polo audiovisual, mostrando a diversidade de locações que poderiam ser utilizadas como cenário”, ou seja, nas ações relacionadas ao marketing territorial.

Por fim, apesar da Rio Film Commission ainda não desenvolver ações relacionadas ao turismo cinematográfico, o entrevistado 2 acredita que a entidade poderia atuar em parceria com os atores institucionais do turismo na projeção da imagem da cidade, sobretudo em eventos setoriais.

Discussões sobre o modelo organizacional das film commissions de São Paulo e Rio de Janeiro

A análise da atuação das film commissions na consecução de suas respectivas missões e no desenvolvimento do turismo cinematográfico serviu como base de reflexão para identificação do seu modelo organizacional. Segundo Costa (2008), o modelo organizacional ideal de qualquer film commission seria o integrado aberto, no qual a entidade cultiva amplas relações positivas e cooperativas com seus setores endógenos e exógenos. Nesse modelo, a film commission cria um bom relacionamento interno com atores públicos e privados da localidade para oferecer serviços de qualidade aos produtores e consequente bom relacionamento com o mercado externo.

Observou-se que tanto a SPFilm quanto a Rio Film Commission se relaciona com atores públicos e privados do audiovisual local e mesmo nacional, corroborando com o entendimento de Sarabia e Sànchez (2019) sobre a importância da relação entre as film commissions e os atores do setor audiovisual. Para os autores, de um lado as produtoras necessitam de um setor audiovisual local sólido para conseguir rodar suas filmagens, e por outro, os profissionais e empresas locais encontram nas film commissions um instrumento para se promover perante produtores de fora do território gerando novas oportunidades de trabalho. Nesse sentido, a pesquisa empírica identificou ações como elaboração de guias de produção (que envolve a apresentação de contatos da mão de obra especializada, de empresas locais, etc.), catálogos de locações e realização de eventos em parceria com atores locais. Verificou-se também que ambas realizam iniciativas de capacitações, treinamentos e sensibilização com atores locais, incluindo jovens de escolas públicas e comunidade em geral. Ambas também integram a REBRAFIC, o que denota o interesse pela cooperação entre diferentes film commissions brasileiras principalmente relacionadas à troca de experiências e fortalecimento do setor.

Ainda se tratando de relacionamentos endógenos, buscou-se observar o nível de relacionamento que as film commissions cultivam com os atores locais do turismo, sobretudo as OGD. Constatou-se que apenas a SPFilm já vem desenvolvendo ações neste sentido. Apesar do turismo constar na missão da SPFilm, na prática as ações neste sentido ainda são tímidas e não abrangem todo seu potencial. Iniciativas voltadas para desenvolvimento do turismo cinematográfico ainda são escassas no Brasil, desconhecendo-se inclusive informações mais precisas sobre a oferta e a demanda por este segmento. Tal fato pode explicar a baixa integração das film commissions com as OGD simplesmente porque ainda não existe um ambiente favorável ou uma política nacional voltada para fortalecimento desse segmento no país.

Sobre os relacionamentos exógenos, observou-se que para atração e captação de novas produções, as duas entidades aplicam diferentes ferramentas de marketing direcionadas aos mercados externos e prestam diversos serviços às produções captadas. Elas oferecem em suas páginas web guia de filmagens em inglês voltado para produtores internacionais, locações e outras informações. Adicionalmente, a SPFilm executa desde final de 2019 um programa de incentivos fiscais para atração de produções audiovisuais estrangeiras (o Cash rebate), sendo esta a primeira iniciativa do Brasil neste quesito. Segundo o entrevistado 5, o programa Cash rebate torna “a cidade ainda mais competitiva internacionalmente”.

No caso do Rio de Janeiro, a ausência de incentivos fiscais acaba diminuindo sua competitividade na atração de produções internacionais, como pode ser constatado na ocasião das filmagens da produção hollywoodiana Fast Five - Velozes e Furiosos 5: Operação Rio (direção de Justin Lin, 2011). Apesar do roteiro do filme ter como cenário a cidade do Rio de Janeiro, a ausência de incentivos fiscais levou a produção a rodar a maior parte das cenas em Porto Rico (EUA), em virtude do programa de incentivos fiscais na ordem de 40% (Manoel, 2010). Assim, fica claro que para ser competitivo no mercado externo e no cultivo das relações exógenas, não basta a localidade possuir locações adequadas e desejadas por produtores do setor audiovisual, mas oferecer incentivos fiscais para atrair os produtores do setor audiovisual, sobretudo no atual momento de destaque das produções de VOD como Netflix e Amazon.

Incentivos fiscais vêm sendo ampliados em outros países, como Reino Unido, Colômbia e Nova Zelândia, onde há políticas nacionais de fortalecimento do setor audiovisual e de atração de produções estrangeiras (AFCI, 2019). Quando os esforços são em nível nacional, as film commissions locais têm mais facilidade para desempenhar sua missão de forma competitiva. Na contramão desses países, nos últimos anos o Brasil vem experimentando um decréscimo de investimentos públicos no setor audiovisual, o que prejudica a atuação local de entidades do setor. Ademais, como as film commissions investigadas neste artigo integram o organograma do executivo municipal, com suas estruturas institucionais atreladas a órgãos da área de cultura, elas não possuem dotação orçamentária própria, sendo dependentes do pressuposto de seus órgãos de origem. Sendo assim, seu pleno funcionamento e desenvolvimento de suas atividades ficam dependentes do investimento público e à mercê das trocas de gestão a cada quatro anos, o que pode prejudicar tanto as suas relações endógenas quanto exógenas.

Face ao exposto, depreende-se que as duas film commissions analisadas possuem relações de alta intensidade com os setores endógenos, muito embora ainda existam barreiras burocráticas que ampliam o tempo de espera de liberação de possíveis locações de gravação. Este problema está sendo trabalhado pela SPFilm com a recente criação de um sistema unificado para agilização de pedidos e autorizações de filmagens. Além disso, apesar de elas apresentarem bom relacionamento endógeno, a pesquisa constatou um baixo nível de relação endógena com as OGD locais para consecução de suas respectivas missões e posta em marcha de ações para desenvolvimento do turismo cinematográfico.

Já as relações exógenas são de baixa intensidade na atuação da Rio Film Commission e de alta intensidade na SPFilm. Considerando, portanto, as relações endógenas e exógenas identificadas ao longo deste estudo, conclui-se que a Rio Film Commission apresenta um modelo do tipo integrado fechado e a SPFilm alcança o modelo ideal – integrado aberto.

5. Conclusão

O desenvolvimento do turismo cinematográfico pressupõe inicialmente a ampliação do número de produções audiovisuais filmadas no destino que no futuro serão a base para a criação de produtos e experiências turísticas. Por sua vez, uma localidade que pretenda se tornar polo de atração de produções audiovisuais nacionais e internacionais deve possuir um ecossistema audiovisual competitivo, capaz de atender às necessidades das produtoras como oferta de equipamentos, operadores, etc., fatores econômicos e criativos (Sarabia & Sánchez, 2019). A oferta essencial de uma localidade film friendly também é composta por equipamentos e serviços turísticos como hospedagem, gastronomia, entretenimento, transportes, etc.

A atuação da film commission no cumprimento de sua missão perpassa a necessidade de se relacionar com atores públicos e privados (relações endógenas e exógenas), devendo envolver os atores da cadeia produtiva do audiovisual e também do setor turístico (Hudson, 2011; Nicosia, 2015). Os atores do turismo passam a compor a rede de relacionamentos da film commission não apenas em virtude da missão de desenvolver o turismo cinematográfico, mas também porque os equipamentos e serviços turísticos são essenciais a qualquer localidade que pretenda ser competitiva na atração de produções audiovisuais.

Considerando, portanto, que tornar um destino film friendly é a missão principal de qualquer film commission e que a oferta turística é importante componente da oferta de um destino audiovisual, pode-se afirmar que film commission e organizações de gestão de destino possuem pontos de interesse em comum, devendo possuir estreita relação de cooperação. O foco deste estudo foi a film commission, buscando-se compreender sua atuação na atração de produções audiovisuais e no desenvolvimento do turismo cinematográfico, bem como suas relações endógenas e exógenas para consecução de sua missão.

Verificou-se que as duas film commissions investigadas foram criadas na última década para tornar suas localidades mais competitivas no setor audiovisual e desde então vêm desenvolvendo ações de captação de novas produções audiovisuais como divulgação por meio de catálogos/portifólios, participação em eventos da área, publicidade em revistas especializadas, utilização das mídias, entre outras. Quanto a incentivos fiscais, apenas a SPFilm lançou recentemente sua política municipal de captação de produções audiovisuais estrangeiras por meio do cash rebate, ampliando sua competitividade no mercado internacional.

A pesquisa empírica revelou, ainda, que as film commissions não aproveitam o potencial da atuação colaborativa com as OGD, o que corrobora com Hudson (2011) quando afirma que as film commissions tendem a ignorar o turismo cinematográfico, atuando apenas numa perspectiva mais focada de atração de produções audiovisuais.

Quanto ao modelo organizacional, concluiu-se que a Rio Film Commission apresenta um modelo do tipo integrado fechado e a SPFilm é do tipo integrado aberto, considerado por Costa (2008) o modelo ideal. Segundo Costa (2008), a situação ideal seria uma ampla relação positiva com os setores endógenos e exógenos e assim ter uma film commission integrada aberta, com um bom relacionamento interno com setores públicos e privados para oferecer serviços de qualidade para os produtores e bom relacionamento com o mercado externo. Esse achado da pesquisa chama a atenção para a necessidade de se ampliar as relações das film commissions com o mercado externo, incluindo atores públicos e privados do turismo. A ampliação dessas relações requer não apenas a criação/ampliação de políticas de incentivos fiscais que possam atrair produtores transnacionais, mas principalmente uma maior centralidade do setor audiovisual na agenda pública nacional, estadual e municipal. Por serem órgãos públicos (Marzal, 2009), ou seja, entidades vinculadas a uma administração pública ou entidades independentes associadas à administração local e configuradas como organizações sem fins lucrativos (García, 2011), algumas vantagens competitivas oferecidas pelas film commissions dependem das políticas de intervenção para apoiar o setor audiovisual (Palmi, Caputo, & Turco, 2016). Além disso, a ausência ou ineficiência de políticas de desenvolvimento econômico e turístico pode prejudicar as ações realizadas pelas film commissions (Palmi, Caputo, & Turco, 2016).

Uma film commission local deveria atuar não apenas na divulgação das vantagens competitivas da localidade e no apoio logístico a realização das produções audiovisuais, mas também como uma articuladora dos diversos stakeholders para consecução de sua missão. Especificamente quando se trata do turismo, as film commissions deveriam enxergar as OGD como importantes atores da sua rede de relacionamentos por três razões: 1) para ampliar o potencial de atratividade da localidade como destino de audiovisual, por meio do desenvolvimento da oferta turística do destino essencial à captação de novas produções audiovisuais; 2) para desenvolver atividades de turismo cinematográfico que reforcem a vocação audiovisual da localidade; 3) para potencializar as estratégias de marketing territorial.

Por fim, esta pesquisa conclui que o turismo cinematográfico depende de um conjunto de estratégias e ações para que esta atividade aconteça não apenas a curto prazo, mas também a médio e longo prazo; além de depender da sinergia com outros atores, sendo um deles as film commissions. O modelo organizacional das film commissions pode impactar diretamente nas ações adotadas para a captação de produções audiovisuais transnacionais, sendo necessário ampliar a rede de relacionamentos das mesmas com os setores endógenos (atores públicos e privados locais) e exógenos (mercado externo) integrados a uma política de captação de produções audiovisuais que torne a localidade competitiva.

Referências

AFCI. (2019). Association Film Commissioners International. Disponivel em: https://afci.org/about-afci/#about-us. Acesso em: 13 maio 2020.

Bardin, L. (2016). Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70.

Beeton, S. (2005). Film - induced tourism. Channel View Publications.

Beeton, S. (2008). Location, Location, Location: film corporations’ Social Responsibilities. Journal of Travel & Tourism Marketing, 24(2-3), 107-114. https://doi.org/10.1080/10548400802092551 

Busby, G., & Klug, J. (2001). Movie-induced tourism: The challenge of measurement and other issues. Journal of Vacation Marketing , 7(4), 316-332. https://doi.org/10.1177/135676670100700403

Connell, J. (2012). Film tourism e Evolution, progress and prospects. Tourism Management, 33(5), 1007-1029. https://doi.org/10.1016/j.tourman.2012.02.008

Costa, N. (2008). La città ospitale: come avviare un sistema turístico locale di sucesso. Bruno Mondadori.

Cucco, M. La comparsa delle prime Film Commission (2013). In: CUCCO, M.; RICHERI, G. II Mercato delle location cinematografiche. Venezia: Marsilio, 43-58.

Di Cesare, F., & La Salandra, A. (2015). Film induced, steps for a real exploitation in Europe. Almatourism, Journal of Tourism, Culture and Territorial development, 6(4), 1-17. https://doi.org/10.6092/issn.2036-5195/4949

Di Cesare, F.; Rech, G. (2007). Le produzi cinematografiche il turismo, il territorio. Carocci, Roma.

Frederico, D. (2006). Tela Viva. Acesso em 26 de maio de 2020, disponível em https://issuu.com/telaviva/docs/pdf164_issuu?layout=http%25253A%25252F%25252Fskin.issuu.com%25252Fv%25252Flight%25252Flayout.xml&showFlipBtn=true

García, D. R. (2011). Nuevas estrategias comunicativas de ámbito local. El caso de las Film Commissions u oficinas de atracción de rodajes. La Publicidad de las Instituciones locales .

Hudson, S. (2011). “Working together to leverage film tourism: collaboration between the film and tourism industries”. Worldwide Hospitality and Tourism Themes , 3(2), 165-172. https://doi.org/10.1108/17554211111123023 

Hudson, S., & Ritchie, J. R. B. (2006). Film tourism and destination marketing: the case of Captain Corelli’s Mandolin. Journal of Vacation Marketing , 12(3), 256-268. https://doi.org/10.1177/1356766706064619

Hudson, S., & Ritchie, J. R. B. (2006). Promoting destinations via film tourism: an empirical identification of supporting marketing initiatives. Journal of Travel Research, 44(4), 387-396. https://doi.org: doi:10.1177/0047287506286720 

Hudson, S., & Tung, V. W. S. (2010). “Lights, camera, action.!” Marketing film locations to Hollywood. Marketing Intelligence & Planning, 28(2), 188-205. http://hdl.handle.net/1880/47849

Irimias, A. (2015). Business Tourism aspects of film tourism: the case of Budapest. Almatourism Journal of tourism, culture and territorial development, 6(4), 35-46. https://doi.org/10.6092/issn.2036-5195/4952

Kim, S. (2012). The relationships of on site film tourism experiences, satisfaction, and behavioral intentions: the case of Asian audience’s responses to a Korean historial TV drama. Journal of Travel & Tourism Marketing, 29(5), 472-484. https://doi.org/10.1080/10548408.2012.691399

Kim, S., & Nam, C. (2015). Hallyu Revisited: Challenges and Opportunities for the South Korean Tourism. Asia Pacific Journal of Tourism Research, 21(5), 524-540. https://doi.org/10.1080/10941665.2015.1068189

LATC. (2016). Latin American Training Center. Guía para Film Commissions en Latinoamérica: orientación básica para la implantación y operación de uma comisión fílmica. Rio de Janeiro: Latin American Training Center.

Lianza, M. T., Sarasua, C., Diez, G., & Jorge, E. (2011). Assessing film heritage as a city promotion tool. The 12th International Symposium on Virtual Reality, Archaeologyand Cultural Heritage VAST, 169-176. https://doi.org/10.2312/VAST/VAST11/169-176

Lin, Y., & Huang, J. (2008). Analyzing the use of TV miniseries for Korea tourism marketing. Journal of travel & tourism marketing, 24(2-3), 223-227. https://doi.org/10.1080/10548400802092858

Liou, D. Y. (2010). Beyond Tokyo Rainbow bridge: destination images portrayed in Japanese drama affect Taiwanese tourists perception. Journal of Vacation Marketing, 16(1), 5-15. https://doi.org/10.1177/1356766709356137

Lobo, M. A., López, E. C., & González, G. M. (2018). Manual de planificación de medios. (6, Ed.) Madrid: ESIC

Lundberg, C., Ziakas, V., & Morgan, N. (2017). Conceptualising on-screen tourism destination development. Tourist Studies, 18(1), 83-104. https://doi.org/10.1177/1468797617708511

Macionis, N. (2004). Understanding the Film-Induced Tourist. International Tourism and Media Conference , 86-97.

Manoel, A. (2010). Veja. Acesso em 27 de maio de 2020, disponível em https://veja.abril.com.br/entretenimento/velozes-e-furiosos-5-comprova-o-rio-de-janeiro-esta-longe-de-ser-a-hollywood-brasileira/

Marzal, E. O. (2009). Del turismo y el cine al turismo cinematográfico. HER&MUS, 2, 18- 25.

Mercatanti, L. (2015). The seal on the seventh art: Bergman and the Faro Island. Almatourism Special, 4, 93-101. https://doi.org/10.6092/issn.2036-5195/4955

Nicosia, E. (2012). Cineturismo e territorio: un percorso attraverso i luoghi cinematografici. Almatourism – Journal of Tourism, Culture and Territorial Development, 3(5), 134-136. https://doi.org/10.6092/issn.2036-5195/3134

Nicosia, E. (2015). The Marche Fil Commission: a Toll for Promoting Territorial Development and Regional Tourism. Almatourism – Journal of Tourism, Culture and Territorial Development, 6(4), 161-179. https://doi.org/ 10.6092/issn.2036-5195/4959

Olsberg, SPI. (2015). Maximising Screen Tourism in Barcelona. London.

Ozdemir, G., & Adan, O. (2014). Film tourism triangulation of destinations. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 148, 625-633. https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.07.090 

Palmi, P., Caputo, F., & Turco, M. (2016). Changing Movie! Film Commissions as drivers for creative film industries: the Apulia Case. ENCAT Journal of Cultural Management & Policy, 6(1), 56-72. ISSN 2224-2554.

Polianskaia, A., Rãdut, C., & Stanciulescu, G. C. (2016). Film Tourism responses to the tourist’s expectations new challenges. SEA - Practical Application of Science, 4(1), 149-156.

Rebrafic, Rede Brasileira de Film Commissions. (2019). Acesso em 10 de Setembro de 2019, disponível em REBRAFIC: http://www.rebrafic.net/pt-br/

Riley, R. W., & Van Doren, C. S. (1992). Movies as tourism promotion: a “pull” in a “push” location. Tourism Management , 267-274.

Sarabia, I., & Sánchez, J. (2019). La figura de la Film Commission en la puesta en valor de los recursos audiovisuales técnicos y profesionales de un territorio en España. Tourism & Heritage Journal, 1, 113-132. https://doi.org/ 10.1344/THJ.2019.1.7

Urso, G. (2015). Salento atmosphere and the role of movies. Almatourism – Journal of Tourism, Culture and Territorial Development, 6(4), 229-240. https://doi.org/ 10.6092/issn.2036-5195/4963

Ventura, M. M. O Estudo de caso como modalidade de pesquisa. Pedagogia Médica, p. 383-386, 2007.

Volo, S., & Irimiás, A. (2015). Film tourism and post-release marketing initiatives: a longitudinal case study. Journal of Travel & Tourism Marketing, 33(8), 1071-1087. https://doi.org/10.1080/10548408.2015.1094000 

Yin, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.


1 Em maio de 2021 foi feita uma busca no perfil @rioofficefilmcommission e se verificou que a última postagem data de setembro de 2019.