Seriado e Aceleração: Compressão do espaço e

tempo na Hipermodernidade

Series and Acceleration: Compression of Space and Time in Hypermodernity

Series y Aceleración: Compresión de espacio y tiempo en la Hipermodernidad

Patricio Dugnani

E-mail: patricio.dugnani@gmail.com

DOI: 10.26807/rp.v27i116.2002

Resumo

Nesse artigo pretende-se refletir sobre a relação entre os filmes seriados e a aceleração na Hipermodernidade. Toma-se como ponto de partida que a sensação de aceleração, resultado da compressão do tempo, e sentida pela percepção do sujeito na Hipermodernidade, acaba sendo refletida na quantidade de eventos que ocorrem em um único episódio de um seriado. Para desenvolver essa ideia, será realizada uma pesquisa exploratória e teórica e um levantamento bibliográfico em fontes secundárias.

Palavras – Chaves: Seriados. Aceleração. Hipermodernidade. Tempo.

Abstract

This article intends to reflect on the relationship between serial films and acceleration in Hypermodernity. It is taken as a starting point that the sensation of acceleration, a result of the compression of time, and felt by the subject’s perception in Hypermodernity, ends up being reflected in the amount of events that occur in a single episode of a series. To develop this idea, an exploratory and theoretical research and a bibliographic survey of secondary sources will be carried out.

Keywords: Series. Acceleration. Hypermodernity. Time

Resumen

Este artículo se propone reflexionar sobre la relación entre el serial cinematográfico y la aceleración en la Hipermodernidad. Se toma como punto de partida que la sensación de aceleración, resultado de la compresión del tiempo, y sentida por la percepción del sujeto en la Hipermodernidad, termina reflejándose en la cantidad de eventos que ocurren en un solo episodio de una serie. Para desarrollar esta idea se realizará una investigación exploratoria y y teórica y un levantamiento bibliográfico de fuentes secundarias.

Palabras clave: Series. Aceleración. Hipermodernidad. Hora.

Introdução

Ao assistir o seriado Atypical, escrito por Robia Hashid, e disponibilizado pela Netflix desde 2017, deixei-me, por um momento, cair na frivolidade de refletir sobre o enredo do filme, e a pergunta que me veio à cabeça foi: como o personagem principal, Sam Gardner (interpretado pelo ator Keir Gilchrist), um rapaz de 18 anos, espectro autista, poderia aguentar tantas mudanças em tão pouco tempo? Refleti sobre isso, pois é conhecido pelo senso comum, tendo em vista que não sou um especialista na área, que o autista apresenta, muitas vezes como sintoma, uma dificuldade em se adaptar a mudanças de rotina.

O que me preocupou naquele instante, em que, de certa forma, confundi o tempo real com o tempo da ficção, foi que ocorriam muitas mudanças, muitos acontecimentos dramáticos num mesmo episódio. Por causa dessa percepção, passei a me preocupar, de maneira inocente com o personagem. Além disso, me demonstrei bastante envolvido com os dramas da vida de Sam. Pensei por um instante, já imerso no episódio, que, tendo em vista a intolerância às alterações na rotina que esse grupo apresenta, como é que o Sam não perdia totalmente o controle?

Depois disso, retornando à realidade, pude lembrar que aquele seriado é somente ficção, não realidade. O tempo do seriado, não coincide com o tempo da vida real, além disso, assim como esse trecho de meu texto, não tem a função de representar fielmente ou tecnicamente todas as características de uma pessoa no espectro autista. Essa introdução é para refletir sobre a questão do tempo.

Contudo, depois dessa epifania, não pensei mais sobre o seriado Atypical, nem sobre o autismo, pois não pertencem ao meu campo de pesquisa, nem é diretamente o problema central dessa reflexão. No entanto, passei a pensar na questão do tempo, e a sensação de aceleração que o sujeito contemporâneo tem sentido.

Primeiramente, nessa argumentação pretende-se refletir sobre a relação entre os filmes seriados e a aceleração na Hipermodernidade. Depois, concordando com Hartmut Rosa e seu livro Aceleração (2019), o momento contemporâneo será denominado como Hipermodernidade. Embora tenha nos últimos artigos chamado o momento contemporâneo de Pós-modernidade, tenho refletido sobre o prefixo pós, e cheguei à conclusão que o conceito de Hipermodernidade parece mais adequado.

Esse conceito é mais adequado, pois Rosa (2019), entende que Hipermodernidade não é sinônimo de Pós-modernidade, mas uma condição posterior, ou seja, para esse artigo, devido a sensação de aceleração, a Pós-modernidade já acabou (se é que existiu), e foi substituída pela Hipermodernidade.

Tomando esse primeiro objetivo, para poder desenvolver essa argumentação, será observado, também, como o imaginário da Hipermodernidade está representado nos episódios dos seriados. Essa representação que será analisada, não está relacionada propriamente ao tema, mas sim à quantidade de eventos que acabam ocorrendo (de forma encenada e fictícia) em um único episódio de 40 minutos de qualquer seriado.

A vida dos personagens desses filmes é tão dinâmica que, além de prender nossa atenção, também nos deixa exaustos. Nos episódios dos seriados estão comprimidos uma quantidade de eventos que passaríamos muito tempo para participar.

Desses questionamentos já surgiu uma resposta hipotética: A compressão do espaço e do tempo, sentida pela percepção do sujeito na Hipermodernidade, está representada pela quantidade de eventos que ocorrem em um episódio de 40 minutos de um seriado. Ou seja, a aceleração sentida pelo sujeito da Hipermodernidade, se reflete esteticamente no formato dos episódios dos seriados. Sobre essas hipóteses que se pretende refletir.

Resumindo, com essas reflexões pretende-se, nesse artigo, refletir sobre a relação entre essa atenção que os seriados ganharam no momento contemporâneo, e o gosto desenvolvido pelo sujeito da Hipermodernidade, tendo como ideia, que a sensação de compressão do espaço tempo e a sensação de aceleração acabam por afetar a estética da produção cinematográfica, principalmente nos seriados.

Para desenvolver esses objetivos será realizada uma pesquisa exploratória e teórica, através de um levantamento bibliográfico de fontes secundárias. Como principais fontes para essa pesquisa destacam-se os estudos de Arlindo Machado (2000) sobre a produção televisiva e, principalmente, os seriados. Além desse autor, para compreender a questão da aceleração, da compressão do espaço/ tempo e da Hipermodernidade, recorri a autores como Hartmut Rosa (2019), David Harvey (1996), Gilles Lipovetsky (2007) e Nicolau Sevcenko (2004).

Da Hipermodernidade, Aceleração e Compressão do tempo

Autores como Harvey (1996), Rosa (2019) e Sevcenko (2004) concordam em uma questão, desde a Modernidade a relação do humano com o tempo tem sofrido um aumento de velocidade, uma aceleração. Essa aceleração não quer dizer que o tempo físico, ou a medida do tempo teriam mudado, mas que a relação do humano com a percepção do tempo que mudou.

Para Rosa (2019) essa sensação de compressão do tempo, essa percepção que esse tempo tem sofrido um aumento de velocidade tem provocado o que o autor chama de aceleração. Segundo Rosa (2019, p. 140-141) essa aceleração tem sido causada por três tipos de compressão criando assim três tipos de aceleração: a aceleração tecnológica, a aceleração das mudanças sociais, e a aceleração do ritmo de vida.

A aceleração tecnológica é promovida por uma sensação de compressão do espaço/ tempo que atinge a percepção humana pelo uso das novas tecnologias, bem como por sua rápida evolução técnica. Além disso, para esse artigo, outro fator que acaba por promover essa aceleração tecnológica é a “obsolescência programada” (Bauman, 2008) que afetam as tecnologias, principalmente no mundo da comunicação digital.

A obsolescência programada seria para Zygmunt Bauman (2008) estaria ligada à produção de bens de consumo (muito comum em aparelhos com tecnologia digital) que ao serem fabricados, já apresenta uma espécie de programação onde seu sistema deverá ter um certo período de uso, pois após um certo tempo, as atualizações já não serão eficazes para manter o funcionamento pleno do aparelho. Essa visão de Bauman (2008) e Rosa (2019), é confirmada por Nicolau Sevcenko em seu livro A Corrida para o Século XXI (2004).

A aceleração das inovações tecnológicas se dá agora numa escala multiplicativa, uma autêntica reação em cadeia, de modo que em intervalos de tempo o conjunto do aparato tecnológico vigente passa por saltos qualitativos em que a ampliação, a condensação e a miniaturização de seus potenciais reconfiguram completamente o universo de possibilidades e expectativas, tornando-se cada vez mais imprevisível, irresistível e incompreensível (Sevcenko, 2004, p. 16).

Essa aceleração das mudanças na área da tecnologia, bem como a sensação da passagem mais rápida do tempo, que atinge a percepção humana, quando se utiliza, principalmente, dos meios de comunicação do universo digital (computadores e smartphones) é o que Rosa (2019) denomina como aceleração tecnológica.

O segundo tipo de aceleração descrita por Rosa (2019) é a das mudanças sociais. Na aceleração das mudanças sociais, Rosa (2019) afirma que ocorre uma compressão do presente. Essa compressão do presente, para esse artigo, está relacionada à primeira aceleração, a tecnológica, principalmente quando aproximamos esse fenômeno à Teoria dos Meios de Marshall Mcluhan (2016).

A aceleração tecnológica altera a sensação do tempo presente, pois acelera as mudanças sociais. Isso pode ser observado, quando se leva em consideração a concepção dos meios de comunicação como responsáveis por transformações sociais. Segundo Mcluhan (2016) os meios não são apenas transmissores de informação, mas são também extensões da própria percepção humana.

[...] que os nossos sentidos humanos, de que os meios são extensões, também se constituem em tributos fixos sobre as nossas energias pessoais e que também configuram a consciência e experiência de cada um de nós […] (Mcluhan, 2016, p. 37)

Para ele os meios são capazes de estender os sentidos humanos, possibilitando uma ampliação na percepção dos acontecimentos do mundo. As câmeras ampliam a visão, os aparelhos sonoros ampliam a audição, e assim por diante.

Os meios de comunicação não são apenas meios responsáveis pela transmissão das informações, mas, para McLuhan (1996), são extensões do humano. Mas o que significa isso? Significa que os meios de comunicação como extensões do humano fazem com que os sentidos humanos sejam ampliados e, com eles, a percepção humana do mundo. (Dugnani, 2018, p.05)

Logo, com os meios de comunicação, o ser humano é capaz de acessar mais informações, o que acelera as mudanças na sua consciência e em seu comportamento. Isso ocorre, pois para Mcluhan (2016) os meios são informação pura. Ou seja, independente das informações que o meio transmite, a sua existência e o seu uso causam mudanças na sociedade. Justifico essa visão, quando se elege o conceito de informação, apoiado na visão de Teixeira Coelho (2012), como sendo um conteúdo que altera comportamento e consciência do ser humano. Sendo assim, se informação altera comportamento e consciência, para Mcluhan (2016) os meios são informação pura, pois também são capazes de produzir mudanças na sociedade.

A simples invenção e uso dos meios alteram o comportamento humano, assim como as informações contidas nas mensagens. Por isso, mais do que meios transmissores de mensagens, como dito anteriormente, os meios de comunicação estendem a percepção humana, promovem mudanças nos seres humanos, então pode-se considerar que os meios de comunicação são informações puras, por isso que McLuhan (1996) afirma que o meio é a mensagem. (Dugnani, 2018, p.06)

Por isso, afirmo, baseado nessa argumentação, que a aceleração tecnológica, acaba por influenciar as outras acelerações descritas por Rosa (2019): a aceleração das mudanças sociais, e do ritmo de vida. Sendo assim, a aceleração das mudanças sociais, influenciada pela aceleração tecnológica, principalmente dos meios de comunicação, apresenta uma compressão do presente.

Com a compressão do presente a experiência da vida é reduzida “a uma série de presentes puros e não relacionados ao tempo” (1996, p. 56), como afirma Harvey. Essa valorização do presente é um efeito comum do momento contemporâneo, para a Pós-modernidade para Harvey (1996), e para a Hipermodernidade nesse artigo. Essa atenção ao presente, tem muita relação com o colapso na representação de um futuro. Como as mudanças sociais se tornam mais rápidas a projeção de um futuro se torna cada vez mais difícil. Afinal, devido ao aumento de informação que o humano recebe, por causa da extensão da percepção produzida pela aceleração da evolução tecnológica dos meios de comunicação, as mudanças sociais tornam-se cada vez mais rápidas, e essa instabilidade afeta a capacidade do ser humano de criar um projeto de um futuro, pois ele parece cada vez mais incerto.

Desintegração das perspectivas de tempo cotidiano, tempo bibliográfico e tempo histórico. Isso levaria à perda da capacidade de integração da própria vida de forma narrativa em um passado provedor de referencias e um futuro provedor de sentido, e da capacidade de se obter, assim, uma orientação duradora, ao menos de médio prazo, para ações futuras. (Rosa, 2019, p. 37)

O futuro é incerto, segundo Harvey, pois “a volatilidade torna extremamente difícil qualquer planejamento de longo prazo” (Harvey, 1996, p. 259). Sem uma perspectiva de futuro, resta ao ser humano da Hipermodernidade, viver intensamente esses diversos “presentes puros” (Harvey, 1996, p. 56) e buscar no passado uma razão, uma certeza. Essa certeza que ele encontra no passado, muitas vezes sequer foi vivida.

O sujeito da Hipermodernidade sofre de uma nostalgia constante, uma saudade daquilo que ele não viveu, mas parece tão certo. Essa busca de uma certeza no passado, se dá pois o presente se caracteriza por uma multiplicidade de instantes que escoam muito rapidamente, e o futuro se apresenta como incerto. Essa equação é o que caracteriza o momento contemporâneo, seja pós-moderno, ou hipermoderno, como uma era das incertezas. Logo, o passado parece ser a única opção para que a sociedade se reencontre com as certezas. Essa nostalgia do passado Bauman (2017) denomina como retrotopia, ou seja, uma utopia do passado.

Harvey observa também esse fenômeno de rejeição da ideia de progresso, e um tratamento especial do passado no momento contemporâneo, como um desgaste da noção de “memória histórica” (1996, p. 58), pois resgata suas concepções num presente, criando um abandono da noção de continuidade.

Essa ruptura da ordem temporal de coisas também origina um peculiar tratamento do passado. Rejeitando a ideia de progresso, o pós-modernismo abandona todo sentido de continuidade e memória histórica, enquanto desenvolve uma incrível capacidade de pilhar a história e absorver tudo o que nela classifica como aspecto do presente. (Harvey, 1996, p. 58)

Esses rompimentos temporais, juntamente com a aceleração tecnológica tem produzido a aceleração das mudanças sociais, e provocado essa mudança da percepção do tempo para o humano da hipermodernidade, onde o futuro é incerto, o presente instantâneo, múltiplo, e o passado se tornando uma fonte de referências, de certezas perfeitas e duradoras, uma utopia. Ou melhor, uma retrotopia (Bauman, 2017).

Por fim, o terceiro tipo de aceleração descrita por Rosa (2019) é a aceleração do ritmo de vida. Essa aceleração promove uma compressão das experiências e uma perda da sensibilidade das vivências do cotidiano. Um embotamento das sensações.

A aceleração do ritmo de vida, mediante ao que se discutiu até o momento, começa a se revelar como uma consequência da aceleração tecnológica, e da aceleração das mudanças sociais. Afinal com a tecnologia se desenvolvendo, principalmente a dos meios de comunicação, como dito anteriormente, o número de informações aumenta, produzindo mudanças sociais mais aceleradas. Logo, com isso, o número de experiências vividas pelo humano da hipermodernidade se multiplica exponencialmente, criando a aceleração do ritmo de vida, e, consequente, desenvolvendo uma compressão das experiências vividas. Ou seja, em um mesmo espaço de tempo, o humano da Hipermodernidade acaba tendo um número de experiências muito mais elevado do que outros no passado. Além disso, com a valorização do presente, devido a falta de possibilidade de projetar um futuro mais estável, faz com que o sujeito da Hipermodernidade busque avidamente viver muitas experiências num curto período de tempo. Esse processo é potencializado pelos meios de comunicação, principalmente os da era digital, pois eles são capazes de estender cada vez mais a percepção humana, fazendo com que ele tenha a possibilidade de viver um número cada vez maior de experiências, em períodos de tempo cada vez mais curtos. Essa aceleração do ritmo das experiências é que se traduz num ritmo cada vez mais acelerado de vida, o que promove o embotamento dos sentidos.

Quanto mais experiências se tem, mais se quer ter, produzindo esse esgotamento dos sentidos. Produzindo uma insensibilidade crônica e acelerada, pois a cada experiência vivida, o que se espera é uma nova, de preferência mais intensa. Esse apetite por novas experiências se reflete, também, no consumo, o que para Lipovetsky (2007) se traduz num apetite voraz do consumidor na Hipermodernidade, pois esse embotamento das vivências vai criando um processo de insensibilidade, onde o sujeito ao consumir as experiências, não é capaz de sentir-se satisfeito, por isso acaba sempre numa busca em saciar seu apetite, o qual é insaciável.

Logo, o consumo de experiências na Hipermodernidade não é capaz de satisfazer o humano, apenas gera, no máximo, uma felicidade quase instantânea, a qual Lipovetsky (2007) denominou como sendo uma felicidade paradoxal, título do livro onde o autor discute essa questão.

A aceleração do ritmo de vida e a compressão das experiências, por fim, complementam a tríade dos tipos de aceleração, demonstrando como a relação entre os meios de comunicação, a evolução tecnológica produzem efeitos de transformação na sociedade, como a própria mudança da relação entre o espaço e tempo, o que caracteriza a mudança na percepção desses fenômenos, que agora se revelam ao humano da Hipermodernidade de forma cada vez mais acelerada.

Essa sensação de aceleração vai contaminando várias dimensões da sociedade, invadindo o imaginário estético, como nos seriados de TV, como outras áreas do âmbito político, social e cultural.

Dos Seriados

Os seriados para TV já existem a muito tempo, inclusive, nos jornais antigos, já era costume lançar livros por capítulos semanais (Machado, 2000). Contudo elas ganharam um fôlego especial na Hipermodernidade, como se pode verificar na quantidade de novos produtos que a TV à cabo, e as plataformas de streaming tem lançado constantemente.

Devido as acelerações classificadas por Rosa (2019), principalmente a aceleração do ritmo de vida, com a consecutiva compressão das experiências, esse apetite pela novidade acabou por contagiar o consumidor de produtos de entretenimento. Esse aumento da oferta de seriados, reflete muito bem a perda de sensibilidade do humano da Hipermodernidade, pois ele parece cada vez mais ansioso pelas novas experiências, inclusive no consumo de seriados.

Por causa desse apetite insaciável do consumidor da Hipermodernidade é que os seriados têm ganhado tanto espaço na programação televisiva, pois a estrutura do seriado, combina com ideia da produção industrial. A qual se caracteriza pela produção em larga escala de produtos seriados. O sujeito da Hipermodernidade e os seriados parecem ter entrado em sintonia, criando uma relação que possibilita, não saciar o apetite voraz por experiências, mas pelo menos mantê-lo controlado.

Por essas questões que a estrutura do seriado se encaixa tão bem com a dinâmica da programação televisiva, ambos funcionam bem em um sistema de produção industrial: seriado, flexível (apresenta a possibilidade de ser adequado conforme o público e as taxas de audiência) e passível de ser feito em larga escala. O seriado, também, promove a participação do espectador no preenchimento de espaços em sua trama, característica valorizada e esperada em meios de comunicação como a TV e, mais contemporaneamente, pelos meios digitais e a Internet, com suas redes sociais. (Dugnani, 2017, p. 125)

A produção dos seriados se caracteriza, como não poderia deixar de ser, por sua serialização, como afirma Machado (2000), ou seja, confirmando a afirmação anterior, como uma relação que se caracteriza por sua adequação ao sistema industrial de produção, o qual contaminou os meios de comunicação de massa, como a TV, e está afetando a produção dos meios digitais na atualidade.

Há várias explicações sobre as razões que levaram a televisão a adotar a serialização como a principal forma de estruturação de seus produtos audiovisuais. Para muitos, a televisão, muito mais do que os meios anteriores, funciona segundo um modelo industrial e adota como estratégia produtiva as mesmas prerrogativas da produção em série que já vigoravam em outras esferas industriais, sobretudo na indústria automobilística (Machado, 2000, p. 85-86).

Como se trata de um produto seriado, principalmente os contemporâneos, tendem a se estruturar da seguinte forma:

1) Cada episódio apresenta uma história que, na maioria das vezes, acaba sendo concluída no próprio episódio.

2) No entanto, os episódios costumam a ser costurados entre eles por uma trama maior, a qual tende a ser solucionada apenas nos episódios finais do próprio seriado.

As estruturas fractais das séries seguem uma forma comum, onde as histórias são apresentadas em episódios, onde cada episódio pode apresentar uma aventura independente, mas com personagens fixos, ou, o que ocorre mais frequentemente na contemporaneidade, episódios com histórias às vezes independentes, mas ligadas a uma trama maior, que envolve um desenrolar mais lento, por uma temporada, ou por todas. (Dugnani, 2017, p. 124)

Para Machado (2000), esse tipo de estrutura muito comum aos seriados de TV é denominado como teleológica. Essa estrutura se caracteriza pela multiplicidade de tramas que se desenrolam no desenvolvimento da narrativa do seriado.

No primeiro caso, temos uma única narrativa (ou várias narrativas entrelaçadas e paralelas) que se sucede(m) mais ou menos linearmente ao longo de todos os capítulos. [...] Esse tipo de construção se diz teleológico, pois ele se resume fundamentalmente num (ou mais) conflito(s) básico(s), que estabelece logo de início um desequilíbrio estrutural, e toda evolução posterior dos acontecimentos consiste num empenho em restabelecer o equilíbrio perdido, objetivo que, em geral, só se atinge nos capítulos finais. (Machado, 2000, p. 84)

Nessa estrutura do sériado, busca-se a multiplicação de experiências, pois o espectador tem em um produto, múltiplas histórias que se desenrolam à sua frente, e ele se sente motivado a participar da solução das diversas tramas. Esse processo produz mais envolvimento no espectador, fazendo com que ele se sinta motivado a participar da solução do problema, bem como produz a ampliação da audiência, motivada também pelo intenso interesse que as redes sociais e a Internet promovem ao criar debates sobre fatos sobre a narrativa, personagens e atores do seriado.

Participação, interação, mobilidade: esses ingredientes dos meios de comunicação digital acabaram por fazer proliferar a produção e transmissão das séries, assim como a multiplicação da sua audiência. Com isso, para dar conta dessa nova relação entre o público e as séries, os produtores tiveram que utilizar de estratégias que aumentassem o envolvimento do espectador, fazendo com que ele participasse mais ativamente das tramas, e que se torna-se um verdadeiro coadjuvante da disseminação e do sucesso dessas criações televisivas. (Dugnani, 2017, p. 128)

Por causa dessas características é que o produto seriado, tem ganhado muita atenção na produção televisa da Hipermodernidade. Entendido essas questões, torna-se necessário, para encaminhar o debate para o seu fim, verificar a questão da compressão do tempo na representação dos seriados de TV na Hipermodernidade.

Seriados, Aceleração e Hipermodernidade

A relação entre os seriados, a aceleração e a Hipermodernidade concentram-se na questão discutida por Rosa (2019): a compressão. Como demonstrado anteriormente, Rosa (2019) descreve três tipos de aceleração e seus subsequentes tipos de compressão: a aceleração tecnológica e a compressão do espaço/ tempo, a aceleração das mudanças sociais e a compressão do presente, e a aceleração do ritmo de vida e a compressão das experiências.

1)Aceleração tecnológica

Compressão espaço/ tempo

2)Aceleração das mudanças sociais

Compressão do presente

3) Aceleração do ritmo de vida

Compressão das experiências

Essas acelerações e compressões a que o humano da Hipermodernidade está exposto, atingem todo o modo de vida da sociedade, seja no âmbito técnico, cultural, racional, ou no estético. Nessa última dimensão, a estética, percebemos a influência dessa condição humana acelerada, na estrutura dos seriados, na representação do tempo e dos acontecimentos em sua narrativa, e no movimento industrial de sua produção.

Toda essa indústria se especializa na aceleração do tempo de giro por meio da produção e venda de imagens. [...] É ela que organiza as manias e modas, e, assim fazendo, produz a própria efemeridade que sempre foi fundamental para a experiência da modernidade. Ela se torna um meio social de produção do sentido de horizontes temporais em colapso de que ela mesma, por sua vez, se alimenta tão avidamente. (Harvey, 1996, P. 261)

Existe uma indústria de produção de entretenimento, de espetáculo e de imagem, a qual já foi delatada por autores da Escola de Frankfurt como Theodor Adorno e Max Horkheimer (2000), mas também existe na Hipermodernidade, um desgaste dessas mercadorias culturais, inclusive da imagem. Esse desgaste da imagem, apresentada por Norval Baitello, em seu livro A Era da Iconofagia (2004), pode ser ampliada para o desgaste de todo produto que sofre um excesso de exposição e reprodução. Esse excesso de exposição e reprodução, com o tempo, acaba criando uma expressão cada vez mais efêmera. Além disso produz uma invisibilidade prematura no objeto visível.

Assim como toda visibilidade carrega consigo a invisibilidade correspondente, também a inflação e a exacerbação das imagens agrega um desvalor à própria imagem, enfraquecendo sua força apelativa e tornando os olhares cada vez mais indiferentes, progressivamente cegos, pela incapacidade da visão crepuscular e pela univocidade saturadora das imagens iluminadas e iluminadoras. (Baitello, 2005, 85)

Com essa efemeridade do produto imagético dos meios de comunicação, cira-se um círculo vicioso, descrito por Baitello (2005) com o seguinte funcionamento:

1) Quanto mais a imagem é exposta.

2) Maior a invisibilidade que ela vai ganhando.

3) O que obriga os criadores de imagem a produzir fenômenos visuais cada vez mais poderosos, para vencer o embotamento dos sentidos do receptor, causado por esse círculo vicioso.

Essa equação pode ser expandida para qualquer produto da indústria cultural (inclusive os seriados de TV), não se limitando, somente, a imagem. Vivemos uma época de superexposição, o que faz com que a invisibilidade cresça, na mesma proporção que sua invisibilidade. Nesse sentido, um produto cultural precisa se tornar a todo momento cada vez mais admirável, por isso ele precisa, como mercadoria a ser consumida, ultrapassar a todo momento o limite se sua visibilidade, buscando a superexposição, adiando, assim, sua invisibilidade, fim último de toda mercadoria.

Nesse ciclo vicioso, e para vencer o embotamento da percepção dos receptores, causado pela superexposição dos produtos, os criadores e administradores de imagem, ou de mercadorias culturais, se vêm obrigados a manter essa superexposição, até que o produto desapareça em sua invisibilidade. Nesse sentido, as estratégias de exposição de um produto cultural, cada vez se tornam mais radicais, espetaculares e exageradas.

Dessa forma, a tendência desse movimento é criar produtos culturais cada vez mais efêmeros, mas extremamente espetaculares e, ao mesmo tempo, deformados pela busca excessiva daquela expressão que possa vencer a saturação da percepção do receptor da Hipermodernidade.

Tendo em vista essa reflexão, e entendendo os seriados de TV, como sendo um desses produtos culturais e visuais da Hipermodernidade, é que se pode entender uma série de compressões que elas sofrem em sua estrutura e narrativa.

Um dos primeiros sintomas dessa compressão na estrutura dos seriados de TV, são as temporadas mais curtas e a aceleração na produção na quantidade de novos seriados aos receptores, principalmente nas plataformas de streaming como a Netflix, ou a Prime. Essas plataformas precisam cada vez mais de produtos novos e que causem mais impacto, para vencer a sensibilidade embotada de seus clientes receptores. Esse é um dos resultados do ciclo de invisibilidade da imagem, e consequentemente, dos produtos culturais que Baitello (2005) descreveu em seu livro. Para produzir mais seriados, essas plataformas se tornam produtoras de conteúdo, e lançam cada vez mais seriados novos, com menos episódios em sua temporada. Esse é um tipo de aceleração de produção de conteúdo, o qual demonstra que, para se manter sua visibilidade, essas plataformas têm buscado de maneira quantitativa, criar produtos cada vez mais admiráveis, mesmo correndo o risco de incentivar a sua invisibilidade pelo embotamento dos sentidos do receptor. A exacerbação das imagens e dos produtos visuais, concordando com Baitello (2005), acaba por ampliar sua desvalorização, fazendo com que se tornem invisíveis, cada vez mais precocemente. “A cultura das imagens (...) abre as portas para uma crise da visibilidade, dificultando aqui não apenas a percepção das facetas sombrias, mas até mesmo, por saturação, aquelas regiões iluminadas (Baitello, 2005, p.85).

Outro sintoma da aceleração nos seriados de TV é a compressão do tempo, em diversos “presentes puros” (Harvey, 1996, p. 56), onde o ritmo veloz de acontecimentos em cada episódio, subverte a percepção da ordem temporal dos espectadores, criando uma sensação de vida acelerada, onde muitos fatos devam ocorrer num espaço de tempo cada vez menor. Dessa forma o humano adaptado a uma representação de uma presentificação acelerada da imagem, acaba por tomar como sua responsabilidade, a manutenção desse ritmo, obrigando-se a viver num constante processo de adaptação, flexibilidade e dinamismo eterno.

A produção e venda dessas imagens de permanência e de poder requerem uma sofisticação considerável, porque é preciso conservar a continuidade e a estabilidade da imagem enquanto se acentuam a adaptabilidade, a flexibilidade e o dinamismo do objeto, material ou humano, da imagem. (Harvey, 1996, p. 260)

Ou seja, a dinâmica da imagem, acaba por devorar o humano Hipermoderno, o que Baitello (2005) chamaria de iconofagia. A imagem devorando o humano. Sendo assim, a compressão da vida humana, denunciada por Rosa (2019), causada pelos processos de aceleração da sociedade, pode ser percebida na organização da representação da vida nos seriados de TV, as quais se tornam sintomas e agentes dessa contaminação por mais velocidade da sociedade hipermoderna.

Considerações finais

A vida parece passar mais rápida. Essa é uma afirmação muito comum para quem vive na Hipermodernidade. Essa sensação de aceleração foi muito estudada por autores como Rosa (2019) e Harvey (1996) e Sevcenko (2004), como vimos no texto e acabou alterando nossa percepção de tempo. Essa mudança muito veloz na percepção do tempo tem levado o humano a sentir a compressão do tempo, como afirma Rosa (2019) através dos avanços tecnológicos, das transformações sociais muito rápidas e no ritmo acelerado de vida.

Esse fenômeno afeta várias dimensões de nossa vida, inclusive na representação estética dos seriados de TV, como apresentamos nesse artigo.

Temporadas mais curtas, produção industrial dos seriados, compressão do número de eventos que ocorrem em um só episódios são alguns dos sintomas desse processo de aceleração. Essas estruturas são além de sintomas da Hipermodernidade, também algumas causas que ajudam a alimentar esse ciclo de consumo da imagem, pois quanto mais eventos produzidos pelos meios de comunicação, maior o efeito de embotamento dos sentidos, saturação de experiências para o ser humano. Essa saturação de experiências acaba por provocar uma necessidade de ampliação dos efeitos da expressão televisiva, o que cria um efeito cíclico, onde para fugir da invisibilidade, criam-se produtos cada vez mais espetaculares e admirados, o que aumenta a saturação da percepção humana.

Essa saturação dos sentidos pode levar o humano hipermoderno para um processo de perda de sensibilidade constante, fazendo com que a visibilidade seja cada vez menos perene e a invisibilidade mais eficiente. Corremos o risco, com as superexposições, de nos tornarmos insensíveis às pequenas expressões e, com um apetite voraz, buscar cada vez mais experiências novas, e mais invasivas. Dessa maneira, é preciso repensar o processo de aceleração da sociedade hipermoderna, e buscar novas soluções para mantermos a visibilidade preservada.

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Representação do tempo.

Talha de urna da Igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil.

(Foto do autor)