Film commissions e turismo cinematográfico: Uma análise da realidade brasileira

Film commissions and film tourism: An analysis of the Brazilian reality

Comisiones fílmicas y turismo cinematográfico: un análisis de la realidad brasileña

Nathália Körössy

Universidade Federal de Pernambuco

E-mail: nathalia.korossy@ufpe.br

João Victor Vasconcelos

Universidade de Brasília

E-mail: joaovesantos@ufpe.br

Mariana Cavalcanti Falcão

Universidade Federal de Pernambuco

E-mail: mariana.falcao@ufpe.br

DOI: 10.26807/rp.v27i116.2013

Resumo

Um melhor aproveitamento dos benefícios proporcionados pelo turismo cinematográfico depende de planejamento de longo prazo envolvendo as organizações de gestão de destino e as film commissions, organizações criadas para atração e apoio de produções audiovisuais. Este estudo focou nestas últimas, com objetivo de apresentar um panorama abrangente das film commissions brasileiras de atuação municipal e suas relações com o turismo cinematográfico.

Para tanto, buscou-se analisar a estrutura institucional dessas organizações, além de ações de fomento ao turismo cinematográfico e sinergias com os atores do turismo. A pesquisa assumiu um caráter exploratório-descritivo, com abordagem quantitativa no tratamento dos dados, por meio da estatística descritiva. O universo consistiu nas film commissions brasileiras com atuação municipal, o qual totalizava dezesseis entidades em 2022. A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de uma survey, obtendo-se um retorno de dez comissões.

Os achados da pesquisa mostram que as film commissions possuem natureza pública, com equipes enxutas e baixos orçamentos. Verificou-se que elas concentram seus esforços mais no apoio às produções audiovisuais e menos em ações específicas de turismo cinematográfico. Orçamentos restritos e equipes pequenas foram considerados fatores limitantes à consecução da sua missão principal e ainda mais limitantes às ações de turismo cinematográfico

Palavras – Chaves: film commissions; turismo cinematográfico; sinergias; film commissions brasileiras; organizações de gestão de destino.

Abstract

Better use of the benefits provided by film tourism depends on long-term planning involving destination management organizations and film commissions, organizations created to attract and support audiovisual productions. This study focused on the latter, with the objective of presenting a comprehensive overview of Brazilian film commissions of municipal action and their relationship with film tourism.

Therefore, we sought to analyze the institutional structure of these organizations, as well as actions to promote film tourism and synergies with tourism actors. The research assumed an exploratory-descriptive character, with a quantitative approach in the treatment of data, through descriptive statistics. The universe consisted of Brazilian film commissions with municipal operations, which totaled sixteen entities in 2022. Data collection was carried out through the application of a survey, obtaining a return of ten commissions.

Research findings show that film commissions are public in nature, with a lean staff and low budgets. It was found that they focus their efforts more on supporting audiovisual productions and less on specific film tourism actions. Restricted budgets and small teams were considered limiting factors to the achievement of its main mission and even more limiting to film tourism actions.

Keywords: film commissions; film tourism; synergies; Brazilian film commissions; destination management organizations.

Resumen

Un mejor uso de los beneficios que brinda el turismo cinematográfico depende de una planificación a largo plazo que involucre a las organizaciones de gestión de destinos y comisiones fílmicas, organizaciones creadas para atraer y apoyar las producciones audiovisuales. Este estudio se centró en este último, con el objetivo de presentar un panorama completo de las comisiones fílmicas brasileñas de acción municipal y su relación con el turismo cinematográfico.

Por lo tanto, buscamos analizar la estructura institucional de estas organizaciones, así como las acciones para promover el turismo cinematográfico y las sinergias con los actores del turismo. La investigación asumió un carácter exploratorio-descriptivo, con enfoque cuantitativo en el tratamiento de los datos, a través de la estadística descriptiva. El universo estuvo constituido por las comisiones fílmicas brasileñas con actuación municipal, que sumaron dieciséis entidades en 2022. La recolección de datos se realizó mediante la aplicación de una encuesta, obteniendo un retorno de diez comisiones.

Los resultados de la investigación muestran que las comisiones son de naturaleza pública, con poco personal y presupuestos bajos. Se constató que centran más sus esfuerzos en apoyar las producciones audiovisuales y menos en acciones específicas de turismo cinematográfico. Los presupuestos restringidos y los equipos pequeños se consideraron factores limitantes para el logro de su misión principal y más aún para las acciones de turismo cinematográfico.

Palabras clave: comisiones fílmicas; turismo cinematográfico; sinergias; comisiones fílmicas brasileñas; organizaciones de gestión de destinos.

Introdução

Vivencia-se atualmente uma competição entre cidades para atração de fluxos de pessoas, investimentos e novas atividades econômicas. Neste contexto, a atração de produções audiovisuais (tais como filmes, séries televisivas, novelas, videoclipes, etc.) passa a ser adotada pelos atores institucionais como um meio não só para dinamização da economia local, mas também como uma ferramenta para divulgar a imagem do destino turístico. Ao difundir a imagem de destinos turísticos, o audiovisual tem a capacidade de influenciar a decisão de viagem do turista por um determinado local (Beeton, 2006; Di Cesare & La Salandra, 2015).

Quando a motivação do turista está relacionada à visitação de locais relacionados a produções audiovisuais, surge o turismo cinematográfico (Riley & Van Doren, 1992; Beeton, 2006; Busby & Klug, 2001; Macionis, 2004). Diante de benefícios econômicos diretos e indiretos gerados pelo aumento do fluxo destes turistas, países como Reino Unido, Estados Unidos, Espanha, Nova Zelândia, Irlanda do Norte e Austrália são alguns exemplos de destinos que passaram a investir em ações de desenvolvimento do turismo cinematográfico (Azcue, 2014; Beeton, 2005; Beeton & Cavicchi, 2015; Bolan & Davidson, 2005; David Martin, 2014; O’Connor et al.; 2008; Tran, 2015).

Embora a literatura mostre exemplos de destinos nos quais o turismo cinematográfico seja resultado espontâneo do sucesso de uma produção audiovisual, é consenso que o melhor aproveitamento dos benefícios proporcionados decorre de um planejamento de longo prazo envolvendo os atores institucionais dos setores turístico e audiovisual (Irimias, 2015; Di Cesare & La Salandra, 2015; Connell, 2012; Hudson, 2011; UNWTO & Netflix, 2021). Logo, diante deste contexto, destaca-se o papel da film commission.

Film commission é uma organização criada, no âmbito público ou privado, com a finalidade de promover o território para atração e apoio de produções audiovisuais. Ela pode ter abrangência diversa, podendo atuar tanto no cenário nacional, quanto regional, estadual ou municipal. No Brasil, não há dados oficiais que mostrem o número exato de organizações desta natureza, mas, a partir de uma pesquisa direta realizada em 2022, estima-se a existência de quinze film commissions de atuação municipal em funcionamento e quatro de abrangência estadual. Das municipais, observa-se que cinco foram criadas a partir de 2021, o que mostra uma tendência de crescimento no país.

Essa tendência de crescimento não vem acompanhada da ampliação de estudos científicos sobre a temática. Na verdade, os estudos sobre turismo cinematográfico e sua relação com film commissions ainda são poucos, tanto sobre a realidade nacional quanto a internacional. Além disso, constata-se que a produção científica sobre film commission é relativamente recente, para este estudo não foram encontrados artigos científicos anteriores a 2010.

Sobre o contexto internacional, pode-se mencionar as iniciativas de Hudson & Tung (2010), Benetti & Malpica (2013), Nicósia (2015), Figueira et al. (2015), Sarabia & Sánchez (2019), Malpica et al. (2019), Malpica & Rangel (2019), Malpica (2014, 2015, 2020), Santos & Körössy (2021) e Körössy & Santos (2022) para entender a atuação de film commissions, seja a partir de perspectivas teóricas, seja por meio de estudos de caso. Sobre a realidade brasileira, foram encontrados os artigos de Silveira (2017), Fonseca et al. (2019), Campos et al. (2020), Paes et al. (2022) e Melo et al. (2021) que abordaram especificamente a film commission como foco do estudo a partir de casos empíricos.

Contudo, esses estudos não abordam o contexto brasileiro de forma geral, não fornecem uma abordagem mais ampla para compreender a situação atual das film commissions no Brasil, tampouco a sua relação com o desenvolvimento do turismo cinematográfico. Constata-se, portanto, um gap teórico e empírico sobre a relação entre turismo cinematográfico e film commission, principalmente quando se trata da realidade brasileira.

Face ao exposto, este artigo visa justamente contribuir para a compreensão teórico-empírica desta temática, tendo como foco as film commissions brasileiras de atuação municipal. Como objetivo principal, buscou-se apresentar um panorama geral das film commissions nacionais e suas relações com o turismo cinematográfico. Para tanto, foi necessário caracterizar a estrutura institucional e o funcionamento dessas organizações, além de identificar ações de fomento ao turismo cinematográfico e sinergias com os atores institucionais do turismo. Trata-se de uma aproximação pioneira à realidade nacional, de forma mais abrangente e aprofundada.

Turismo cinematográfico

EO turismo cinematográfico abrange atividades turísticas relacionadas as produções audiovisuais, principalmente filmes e séries televisivas. Segundo Beeton (2006), trata-se da visitação a locações onde foram realizadas filmagens para o cinema e televisão, podendo englobar espaços reais (públicos e privados), estúdios de produção e parques temáticos.

Para Gomes (2022), a relação existente entre o turismo e o cinema está intrinsecamente ligada aos blockbusters e ao aumento da demanda turística devido à exposição do território nas telas. Astorino (2019) analisa que se a produção exibir ao menos uma cena voltada a viagens ou, indiretamente, tratar da temática, contribuirá para o debate acerca das atividades turísticas.

Com essa mesma perspectiva, Busby & Klug (2001), Hudson & Ritchie (2006) e Roesch (2009) relacionam o turismo cinematográfico às visitas a um destino turístico em geral ou a atrativos específicos, por terem sido exibidos na tela seja da televisão, cinema ou de novas mídias. Sob a ótica da demanda turística, Macionis (2004) compreende o turismo cinematográfico como uma experiência turística pós-moderna em algum local retratado em produções audiovisuais, configurando-se uma experiência única e personalizada para cada indivíduo, a depender de sua interpretação das imagens retratadas (Macionis, 2004).

As experiências de turismo cinematográfico não abrangem apenas visitas às locações utilizadas nas filmagens, mas também a parques temáticos, casas de celebridades e eventos como estreias de filmes e festivais de cinema (Busby & Klug, 2001; Ozdemir & Adan, 2014 Hudson, 2011; Beeton, 2005; Volo & Irimiás, 2015; Mercatanti, 2015). Essas atividades, segundo Beeton (2006), podem agrupar o turismo cinematográfico em três diferentes categorias: on-location (experiências nas locações onde cenas das produções audiovisuais foram filmadas), off-location (atividades e experiências em atrações construídas especificamente para esse fim, como é o caso dos parques temáticos) e one-off events (eventos relacionados ao mundo audiovisual). É importante observar que o turismo cinematográfico não consiste apenas na principal motivação da viagem. Existem situações nas quais o turista é motivado a visitar um destino por razões distintas, mas que acaba praticando atividades on-location e off-location como produtos secundários da experiência turística principal (Azcue, 2014; Qiao, Choib & Leec, 2016).

Gomes (2022) também analisa que as experiências podem ser divididas a partir dos recursos intrínsecos, abarcando características físicas dos locais – paisagem, clima, patrimônio histórico, entre outros – e os recursos criados, englobando a infraestrutura turística do território – meios de hospedagem, roteiros cinematográficos, festivais, atividades de lazer, consumo e afins.

Diante disso, mensurar o turismo cinematográfico em termos de geração de fluxos de visitantes em um destino torna-se uma tarefa difícil (Busby & Klug, 2001). Além disso, Gomes (2022) aponta que o simples fato das localidades serem utilizadas como cenário para filmes, séries ou novelas não gera um consenso teórico de que haverá benefícios diretos ao setor turístico. O autor salienta que os benefícios indiretos ao turismo são abordados, frequentemente, de maneira superficial pela literatura, mostrando-se muitas vezes como um fenômeno intangível e de difícil concretização (Gomes, 2022).

De todo modo, a literatura também aponta que existe um incremento na visitação turística em virtude de um determinado destino ter sido exibido em alguma produção audiovisual, principalmente em produções de sucesso nacional e internacional (Beeton, 2006; Lade et al., 2020; Hudson & Ritchie, 2006; Hudson, 2011). Esse aumento nos fluxos de visitantes tende a gerar impactos positivos na economia do destino, como ingresso de receitas e incremento no gasto dos visitantes, além de proporcionar uma diminuição dos efeitos negativos da sazonalidade (Beeton, 2006, 2010; Lade et al., 2020; Hudson & Ritchie, 2006).

Com a ampliação do alcance do audiovisual, devido em grande medida à popularização de plataformas de streaming, como Netflix e Amazon Prime Video por exemplo, espera-se um maior crescimento do interesse do público espectador em conhecer os locais exibidos nas produções audiovisuais, o que tende a ampliar a influência do turismo cinematográfico nas dinâmicas locais (UNWTO & Netflix, 2021).

Considerando, portanto, os efeitos positivos do turismo cinematográfico e suas perspectivas futuras de crescimento, diversos estudos defendem um planejamento turístico de longo prazo conduzido pela organização de gestão de destino, envolvendo a participação de agentes públicos e privados dos setores turístico e audiovisual (Tooke & Baker, 1996; Hudson, 2011; Connell, 2012; Di Cesare & La Salandra, 2015; Irimias, 2015; Gomes, 2022). Além disso, UNWTO & Netflix (2021) entendem que a ampliação do impacto do turismo cinematográfico requer a produção de conteúdo audiovisual diverso, de qualidade e acessível.

Nesse sentido, a sinergia entre atores do setor turístico e audiovisual torna-se condição essencial para o desenvolvimento do turismo cinematográfico (Connell, 2012; Hudson & Ritchie, 2006; Hudson, 2011). Para Gomes (2022) é necessário que ocorra um respeito mútuo às singularidades de cada setor e um trabalho consistente de fortalecimento dessa sinergia para que essa articulação seja efetiva.

Dentre os atores do setor audiovisual relacionados ao turismo cinematográfico, destaca-se a film commission, cuja caracterização e atuação serão abordados no tópico a seguir.

Film commission

AA film commission é uma organização, normalmente sem fins lucrativos, criada com o propósito de promover um local para atração de produções audiovisuais, podendo assumir abrangência nacional, regional, estadual ou municipal. De acordo com Malpica (2020), a film commission atua como elo entre o setor audiovisual e o poder público, tendo como missão principal facilitar a gravação de produções audiovisuais nas suas localidades de jurisdição. Suas ações buscam tornar a localidade film friendly (Hudson, 2011), para isso, empregam estratégias decorrentes do marketing territorial (Vives, 2013).

A primeira film commission tem origem nos Estados Unidos em 1940, chamada Mob/Monument Valley Film Commission, e foi criada com o objetivo de articular com os principais serviços municipais às necessidades das indústrias audiovisuais para realização de filmagens na área (Campos et al., 2020). Não há dados precisos sobre a criação de outras film commissions nesta época, mas segundo Nicósia (2015), as mais avançadas surgiram na década de 1980 na Inglaterra, França e Espanha; e de acordo com Silveira e Baptista (2017), o crescimento das film commissions decorre do interesse das instituições públicas e privadas de se inserirem no mercado internacional de produção audiovisual.

Atualmente, de acordo com a Association of Film Commissioners International (AFCI), estima-se a existência de mais de 300 film commissions em cerca de 40 países no mundo. Tais agências podem assumir caráter público, privado ou misto (Nicósia, 2015). A partir de dados levantados por Körössy & Santos (2022) em uma pesquisa com 87 film commissions integrantes da AFCI e da European Film Commissions Network (EUFCN), verificou-se que a maioria dessas entidades configura-se como organizações ou departamentos no âmbito da gestão pública, o que corrobora também com a afirmação de Sarabia & Sanchéz (2019) sobre a vinculação das film commissions à estrutura da administração pública, embora reconheçam a existência de casos de film commissions de natureza privada.

Além do termo film commission, também se encontra o termo film office. Embora em algumas situações esses termos tenham sido empregados como sinônimos, para fins desta pesquisa adota-se a perspectiva de Jorba (2021), para quem existe uma diferença entre film commission e film office: enquanto que film commission é uma entidade de atuação mais ampla, cuja responsabilidade está relacionada com a promoção do território como destino audiovisual, o film office possui atuação mais limitada, possuindo, predominantemente, um contato mais estreito com as instituições locais nas questões logísticas (Jorba, 2021).

Em nível internacional, a principal entidade representativa das film commissions é a AFCI, que funciona como uma rede de apoio para compartilhamento de informações e experiências entre as entidades (Figueira et al., 2015). No Brasil, a Rede Brasileira de Film Commissions (REBRAFIC) é uma entidade associativa que organiza e divulga as informações dos escritórios existentes no país (Silveira & Baptista, 2017). Atualmente apenas as film commissions das cidades de Rio de Janeiro e São Paulo são associadas à REBRAFIC (Paes et al., 2022).

Para Nicósia (2015), as film commissions permitem enxergar o cinema de maneira macro, não apenas como uma atividade cultural, mas como atividade econômica. Nesse sentido, na busca por tornar sua área de jurisdição um destino audiovisual film friendly, atuam na oferta de uma série de serviços e benefícios aos produtores audiovisuais nacionais e internacionais interessados em filmar na localidade (Hudson & Tung, 2010): desde apoio logístico nas fases de pré e produção (pesquisa de locações - location scouting, fornecimento de informações sobre os prestadores de serviços turísticos e audiovisuais locais, obtenção ou intermediação em licenças/autorização para filmagens em locais públicos, etc.) até benefícios econômicos como incentivos fiscais, subsídios, tax rebates e isenção de impostos aos produtores (Cucco, 2013; García, 2011; Nicósia, 2015; Hudson, 2011; Hudson & Tung, 2010). Sobre essa oferta de incentivos econômicos, Nicósia (2015) observa que esta já é uma estratégia utilizada por alguns países, com vistas à geração de vantagem competitiva baseada na redução de custos frente à outras localidades concorrentes.

De modo a captar projetos audiovisuais para suas áreas de abrangência, as film commissions lançam mão de estratégias de marketing direcionadas aos produtores audiovisuais externos (Hudson & Tung, 2010). Conforme apontam Andúgar & Martínez (2019), essas estratégias se apoiam em um discurso persuasivo que busca vender as vantagens competitivas locais, enfatizando a importância de se levar determinada produção a ser filmada naquele destino.

Trata-se, na opinião de Figueira et al. (2015), de um discurso sedutor que busca criar a imagem da localidade como “film friendly”, não sendo exclusivamente associada a uma questão financeira. Nesse sentido, a atuação da film commission se concentra em convencer os públicos-alvo (em sua maioria, produtores audiovisuais externos) de que sua localidade pode ser um cenário para qualquer tipo de locação e produção audiovisual (Hudson & Tung, 2010).

Outro ponto levantado na literatura se refere ao fato de que a atuação da film commission não deve se resumir apenas à captação de produções, mas também deve buscar analisar os conteúdos que serão produzidos, de modo que se possa avaliar como a obra audiovisual apoiada pode impactar a imagem da localidade (Silveira, 2017). Com esta perspectiva, Paes et al. (2022) apresentam o exemplo da film commission de São Paulo, que apoia economicamente produções audiovisuais com o potencial de impacto relacionado à imagem da cidade.

Sinergias entre film commission e turismo cinematográfico

Ao atuar na divulgação da imagem local e na atração de produtores audiovisuais, a film commission torna-se uma potencializadora da atividade turística (Noguero, 2011; Costa, 2016; Silveira & Baptista, 2017), assumindo um papel de forte aliada do setor turístico (Lemmi, 2020), por meio da contribuição à divulgação da imagem turística do destino (Costa, 2016), do apoio a atividades ligadas a este segmento (Körössy & Santos, 2022) e do envolvimento com eventos promocionais relacionados ao turismo e ao audiovisual (Hudson, 2011).

Para Silveira et al. (2017), a film commission desenvolve estratégias de captação de produções audiovisuais também se apoiando na promoção das potencialidades turísticas locais, o que acaba sendo um fator de atração às produções. Nesse sentido, Lemmi (2020) coloca que a film commission, ao se relacionar com os stakeholders públicos e privados da localidade, pode colaborar com a atração de fluxos turísticos ao promover uma imagem mais realista.

Assim, Hudson (2011) aponta para a existência de uma relação de sinergia entre a film commission e o turismo cinematográfico. Para o autor, a parceria entre a film commission e os atores institucionais do turismo (no caso, as organizações de gestão de destino) tende a gerar benefícios para ambos os setores em torno da imagem de destino film friendly (Hudson, 2011). Assim, Andúgar & Martínez (2019), Cavaliere et al., (2015) e Lemmi (2020) acreditam que tanto a atividade turística como o setor audiovisual acabam se beneficiando das ações da film commission, muito embora Andúgar & Martínez (2019) reconheçam que em algumas situações esse benefício possa incidir mais em um setor do que no outro.

Körössy & Santos (2022) afirmam que, de forma geral, as film commissions reconhecem seu papel no desenvolvimento do turismo cinematográfico. As autoras também apontam que muitas delas já atuam no desenvolvimento de produtos turísticos associados ao audiovisual, tais como criação de movie maps e roteiros turísticos. Nesse sentido, Beeton & Cavicchi, (2015) apontam que existem algumas film commissions envolvidas com o desenvolvimento do turismo, a exemplo de organizações nacionais de países como Inglaterra, Escócia, Nova Zelândia e Bahamas, mas apontam que tal fato é mais exceção do que regra.

Beeton & Cavicchi, (2015) observam que as film commissions, ao focarem suas atividades em tornar a localidade film friendly (fases de captação e pré-produção), acabam atuando pouco no pós-filmagem e isso compromete seu próprio envolvimento com o turismo. Para as autoras, como o turismo normalmente acontece na fase de pós-lançamento da produção, a film commission deveria atuar também numa perspectiva de longo prazo relacionada às filmagens já realizadas na localidade (Beeton & Cavicchi, 2015).

Segundo assinalam Di Cesare & La Salandra (2015), as film commissions raramente atuam em parceria direta com os atores do turismo, agindo muitas vezes de forma independente. Além disso, Beeton & Cavicchi (2015) argumentam que os benefícios mútuos da sinergia entre film commission e organizações de gestão de destino são lentos de serem enxergados, principalmente porque esses atores do turismo e do audiovisual costumam adotar estratégias de curto prazo.

Metodologia

Com o propósito de traçar um panorama geral da situação atual das film commissions brasileiras de abrangência municipal e de compreender as sinergias existentes entre estas entidades e o turismo cinematográfico, esta pesquisa assumiu um caráter exploratório-descritivo, com abordagem quantitativa no tratamento dos dados empíricos. A natureza exploratório-descritiva se justifica pela baixa ocorrência de estudos científicos mais aprofundados sobre a temática e pela ausência de dados oficiais sobre a realidade brasileira.

A primeira etapa da pesquisa consistiu em uma revisão da literatura com o propósito de caracterizar a film commission e de entender seu papel no desenvolvimento do turismo cinematográfico. A partir dessa revisão, foi possível definir o estado da arte sobre as sinergias existentes entre tais categorias, o que norteou a execução da pesquisa empírica sobre a realidade brasileira.

Em seguida, buscou-se delimitar o universo e a amostra da pesquisa empírica. O universo consistiu no conjunto de film commissions brasileiras com atuação na esfera municipal. Para fazer o levantamento dessas organizações, foi consultada a página web da REBRAFIC. No entanto, os dados constantes na página estavam desatualizados, por isso, o mecanismo de busca por meio do google foi utilizado o que resultou no universo de 16 film commissions de atuação municipal representantes das seguintes cidades: Curitiba, São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Prado, Garibaldi, Santos, Balneário Camboriú, Brasília, Bento Gonçalves, Belo Horizonte, Florianópolis, Búzios, Petrópolis, Gramado e Fortaleza.

Considerando a abordagem quantitativa da pesquisa, optou-se pela aplicação de uma survey on-line disponibilizada no Google Forms e composta por 25 questões, organizadas em seis seções – caracterização institucional, incentivos fiscais e financeiros, captação de produções audiovisuais, redes e cooperação, prospecção e estudos e turismo cinematográfico. No período de novembro de 2020 a janeiro de 2021 e, posteriormente, de maio a junho de 2022, a survey foi enviada por e-mail aos gestores das film commissions.

Após período de comunicação com as entidades o processo de coleta obteve um retorno de 10 film commissions, sendo elas: Bento Film Commission; Rio Film Commission; Brasília Film Commission; São Paulo Film Commission (SPFilm); Garibaldi Film Commission; Balneário Camboriú Film Commission (BC FILME); Belo Horizonte Film Commission; Búzios Film Commission, Petrópolis Film Commission; e Gramado Film Commission.

Aos dados coletados, foi conferida uma abordagem quantitativa, com tratamento estatístico descritivo básico.

Resultados e discussão

Sobre a caracterização das film commissions participantes desta pesquisa, elaborou-se o quadro 1 contendo nome, escopo territorial e enquadramento jurídico. Por escopo territorial entende-se a abrangência de atuação destas entidades, no caso desta pesquisa, todas apresentam atuação municipal. Por enquadramento jurídico buscou-se entender a natureza da organização, se privada, pública ou outra.

A partir dos dados coletados sobre enquadramento jurídico, observa-se que é unânime a natureza pública das comissões investigadas. No tocante à caracterização institucional, buscou-se identificar alguns aspectos relacionados ao ano de início das atividades enquanto film commissions, a quantidade de pessoas alocadas para trabalhar, atividades que realizam, recursos destinados, quantidade e principais produções audiovisuais atendidas, assim como os incentivos que elas oferecem para a cadeia produtiva do audiovisual.

Quadro 1. Caracterização institucional das film commissions participantes da pesquisa

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Resultados e discussão

oO intervalo entre 2010 e 2022 contempla o tempo de início das film commissions pesquisadas. As equipes de trabalho foram consideradas pequenas, com variação de 1 a 12 pessoas, o que se alinha à média das equipes de film commissions estrangeiras (Körössy & Santos, 2022).

Já em relação ao total de recursos recebidos pelas film commissions, com exceção de uma que recebeu cerca de R$ 12.143.000,00 (doze milhões cento e quarenta e três mil reais) ao longo de sua existência, todas as outras entidades respondentes: ou não souberam informar ou nunca receberam recursos. Esse dado pode revelar uma dificuldade das film commissions em executar ações de marketing territorial mais custosas para captação de filmagens, o que pode inclusive comprometer a consecução de sua missão.

Esse dado coaduna com Hudson & Tung (2010) ao afirmarem que, por mais que exista uma compreensão da film commission como ferramenta fundamental para o desenvolvimento do turismo cinematográfico, há pouco investimento econômico, o que torna o seu orçamento permanentemente limitado. Ademais, convém lembrar Marsh (2016) quando ressalta que no Brasil, apesar do grande interesse por parte de produtores internacionais para filmar no país, as film commissions ainda não dispõem de estrutura mais robusta para atender às demandas estrangeiras.

Outro dado importante é sobre a quantidade de produções audiovisuais atendidas. Destacam-se a São Paulo e a Rio film commission, sendo a primeira com 5.075 produções e a segunda com mais de 1.000 produções atendidas. Ao observar as principais produções atendidas, percebe-se que são longas e curtas metragens, bem como documentários e campanhas promocionais e institucionais.

Sobre as principais atividades e serviços oferecidos pelas film commissions foram mencionadas como as mais realizadas: (1) fornecimento de informação sobre aspectos logísticos e legais da localidade e (2) obtenção de permissão com entidades da administração pública, 80% das film commissions afirmaram desenvolver tais atividades. Além destas, o (3) registro de produtores e fornecedores locais; e a (4) disposição de banco de dados de prestadores de serviços audiovisuais locais são atividades desenvolvidas por 70% das respondentes da pesquisa. Já 60% das entidades afirmaram realizar (5) serviços de busca de locação. Por fim, a (6) gestão de autorização de imagens foi mencionada por 50% das film commissions pesquisadas.

Nesse sentido, observa-se que as film commissions analisadas se assemelham às internacionais relatadas na literatura (Hudson & Tung, 2010; Nicósia, 2015; Sarabia & Sánchez, 2019) no que concerne à execução da função principal: munir as equipes de filmagens com a disposição de serviços técnicos, encontrados principalmente nos guias de produção. Tal função é considerada por Beeton & Cavicchi (2015) um diferencial competitivo no processo decisório dos produtores audiovisuais, quais sejam: infraestrutura, logística e profissionais experientes envolvidos nas comissões.

Com relação às atividades menos comuns reveladas pela pesquisa, quatro film commissions (40%), mencionaram que realizam atividades relacionadas à: (7) segurança e sinalização para filmagens em espaços públicos e (8) acompanhamento de produtores nas localidades durante a fase de produção. Uma comissão (10%) afirmou que, além de todas as atividades supracitadas, também fornece (9) autorização para filmagens em locais públicos.

Considerando que a atuação de uma film commission deve acontecer também no processo de captação de produções audiovisuais, isso pode ser feito tanto em âmbito nacional quanto internacional. Assim, foi perguntado quais os públicos-alvo prioritários para a atração de filmagens; no gráfico 01 observa-se as respostas obtidas.

Gráfico 1. Mercados prioritários para captação de produções audiovisuais

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

As entidades pesquisadas afirmaram que o mercado nacional é seu público alvo prioritário. Já Hollywood e França foram mencionados duas vezes e China e Bollywood, uma vez pelos respondentes.Ainda sobre a captação de produções audiovisuais, tem-se filmes, séries, documentários e vídeos publicitários considerados como as produções de maior interesse para serem captadas, e programas de viagens também foram mencionados por três comissões.

Quando questionadas sobre quais as ações de marketing utilizadas pelas film commissions para captação de produções, a participação em feiras e eventos da área foi a mais mencionada. Ações relacionadas a relações públicas e marketing digital também foram relatadas como estratégias de marketing utilizadas por duas comissões analisadas. Nesse contexto, Hudson (2011) enfatiza que o uso de plataformas digitais além de minimizar custos, proporciona uma expansão internacional, especialmente devido à quebra de barreiras linguísticas.

Outra questão importante para caracterização de uma film commission é a sua atuação e cooperação em rede. Nesse sentido, 06 entidades entrevistadas anunciaram que realizam parcerias com entidades públicas da cultura, enquanto 05 afirmaram estabelecer realações e organizações do turismo. Além disso, três film commissions afirmaram realizar ações em parceria com entidades públicas de desenvolvimento econômico e uma film commission afirmou que também realiza ações em parceria com entidades públicas de marketing territorial.

Considerando as possibilidades de rede e de atores envolvidos na dinâmica das produções audiovisuais enfatizadas por Figueira et al. (2015), observa-se que as film commissions analisadas precisam avançar no diálogo com outros atores públicos da localidade de modo a ampliar as oportunidades geradas pelo trabalho em cooperação.

Quando questionadas se eram integrantes de alguma rede ou associação vinculadas à produção audiovisual, 05 comissões pesquisadas responderam que sim, 01 não soube responder e 04 afirmaram que não faziam parte de nenhuma rede ou associação. As redes e associações mencionadas pelas comissões foram: REBRAFIC - Rede Brasileira de Film Commissions; Rede Gaúcha de Film Commission (ainda em fase de implantação); AFCI - Association of Film Commissioners International; e LAFCN - Latin American Film Commission Network, sendo a REBRAFIC uma rede nacional e a LAFCN e AFCI redes internacionais.

Esse achado difere bastante da realidade de film commissions estrangeiras. Segundo Körössy & Santos (2022), 89% das comissões internacionais por elas analisadas afirmaram fazer parte de alguma associação do setor audiovisual, sendo a AFCI a mais citada.

No que tange à prospecção e estudos realizados pelas film commisions que servem para retroalimentar seus planos e ações, buscou-se verificar se as comissões realizam estudos tanto de impacto econômico, como de mercado e de satisfação das produtoras atendidas. Como resultado, percebeu-se que apenas uma film commission afirmou desenvolver estudos relacionados à satisfação dos produtores com os serviços oferecidos e estudos relacionados aos impactos econômicos locais das produções atendidas.

Mais uma vez, essa realidade ainda se distancia da situação de film commissions estrangeiras, conforme verificado por Körössy & Santos, (2022). Quanto aos estudos de mercado para facilitar a prospecção de novas produções, quatro respondentes mencionaram realizar.

Por fim, as films commissions responderam questões relacionadas ao turismo cinematográfico. A intenção era entender como os respondentes avaliavam a importância e se conduziam ações focadas nesta área. Sobre a importância do desenvolvimento do turismo cinematográfico para o local, todas assinalaram como muito importante ou importante, conforme ilustrado no gráfico 2.

Gráfico 2. Importância do desenvolvimento do turismo cinematográfico

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Quando questionadas sobre a importância de parcerias com o órgão oficial de turismo da localidade (ou seja, a organização de gestão de destino - OGD) para o desenvolvimento do turismo cinematográfico, 09 respondentes entenderam que essa ação é muito importante, enquanto 01 considera importante.

A partir disso, buscou-se identificar se as film commissions desenvolvem ações voltadas para o turismo cinematográfico: 01 não soube responder, 04 afirmaram que não realizam ações focadas no desenvolvimento do turismo cinematográfico e 05 afirmaram que desenvolvem, como ilustrado no gráfico 3.

Gráfico 3. Ações relacionadas ao desenvolvimento do turismo cinematográfico

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

A fim de entender quais ações são realizadas pelas film commissions em consonância com o desenvolvimento do turismo cinematográfico, foi solicitado que elas assinalassem as principais ações que desenvolvem. Logo, cinco comissões afirmaram que desenvolvem ações voltadas para atividades de marketing de destinos relacionadas ao turismo cinematográfico. Destas cinco, três afirmaram que realizam também atividades de marketing após as filmagens ou lançamento dos filmes; duas pontuaram que realizam trilhas temáticas de filmes, sinalização relacionada a filme em cenários e site dedicado aos locais onde foram gravadas produções audiovisuais; uma pontuou que produz mapas temáticos de filmes; e uma também realiza exposição de memorabília de filmes. Ações voltadas para vendas de souvenirs de memorabília originadas de produções não foram mencionadas como ações desenvolvidas pelas film commissions participantes da pesquisa.

A limitação na diversidade das ações relacionadas ao turismo cinematográfico pode estar relacionada à ausência de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento deste segmento, no âmbito da gestão turística da localidade. Além disso, conforme apontam Campos et al. (2020), a prática dessas ações só seria possível a partir da sensibilização das autoridades locais sobre a função tática das comissões juntamente com a consolidação de políticas audiovisuais em nível de Estado, de modo que a atuação da film commission não fique restrita nem a mandatos políticos, nem a orçamentos e estruturas organizacionais restritas. No entanto, os achados da pesquisa revelam que as film commissions municipais ainda carecem de uma estrutura organizacional e um orçamento mais robustos para consecução de sua missão principal que é a captação e apoio de produções audiovisuais, o que também tende a limitar sua atuação no desenvolvimento do turismo cinematográfico.

Conclusões

A partir dos achados e discussões desta pesquisa pode-se afirmar que o desenvolvimento do turismo cinematográfico em um destino turístico está fortemente atrelado ao fomento do setor audiovisual local e à atração de produções audiovisuais externas. Isso porque não basta a OGD implementar ações de estruturação deste segmento, sem que haja um conjunto de produções audiovisuais (ou até mesmo uma única obra de sucesso) que possam despertar o interesse de visitação dos espectadores e que possam se constituir na base para o desenvolvimento de produtos turísticos associados a tais produções.

Com esta perspectiva, a atuação dos atores institucionais do audiovisual torna-se condição sine qua non a qualquer tentativa de desenvolvimento do turismo cinematográfico enquanto uma estratégia de longo prazo coordenada pela OGD. Dentre estes atores, destaca-se a film commission, foco do presente estudo.

Este estudo buscou apresentar um panorama geral das film commissions brasileiras e suas relações com o turismo cinematográfico. Para tal, foram mapeadas as comissões no Brasil que atuam na esfera municipal, tendo-se investigado uma amostra de dez organizações.

Buscou-se, primeiramente, caracterizar sua estrutura institucional e funcionamento, tendo-se verificado que as film commissions de abrangência municipal são organizações de natureza pública pequenas, com equipes enxutas e orçamentos limitados. Além disso, possuem uma atuação limitada no que concerne à elaboração de estudos prospectivos e pesquisas de satisfação das produções atendidas. Em seguida, a pesquisa focou na relação da film commission com o turismo cinematográfico.

Estudos científicos afirmam que a missão da film commission em apoiar e captar novas produções audiovisuais a tornam uma importante aliada da OGD. Para ampliar as relações de sinergia entre ambas, as film commissions também poderiam atuar mais incisivamente no desenvolvimento do turismo cinematográfico. Contudo, os achados desta pesquisa mostram que as film commissions brasileiras concentram seus esforços mais no apoio às produções audiovisuais externas por meio do oferecimento de serviços gratuitos, e menos em ações específicas de turismo cinematográfico.

Apesar de reconhecerem a importância do turismo cinematográfico para a localidade, somente metade das organizações investigadas afirma executar algum tipo de ação de desenvolvimento deste segmento. Além disso, essas poucas ações já postas em marcha são pontuais e não estão integradas aos esforços da OGD local, não fazendo parte de uma estratégia mais ampla e de longo prazo da gestão do destino, que seria o modelo ideal para o turismo cinematográfico, tal como preconizado na literatura. A situação brasileira se alinha ao entendimento de Di Cesare & La Salandra (2015) quando afirmam que as film commissions raramente atuam em parceria direta com os atores do turismo, agindo muitas vezes de forma independente.

Uma explicação para isso se deve à própria configuração dessas organizações (de tamanho reduzido) e à sua posição na agenda pública – normalmente com pouca ou nenhuma centralidade nas políticas de turismo e de audiovisual. Orçamentos restritos e equipes pequenas, características estas que refletem quase a totalidade das film commissions investigadas, podem ser considerados fatores limitantes à consecução da sua missão principal, como é o caso das ações de turismo cinematográfico.

Outro dado revelado pela pesquisa mostra que no Brasil a participação em redes ou associações ainda é limitada. No caso de sinergias com associações da área da cultura e do turismo, apenas metade afirmou ter algum tipo de participação. Quando se trata de uma atuação conjunta com alguma entidade pública de marketing territorial, apenas uma comissão afirmou atuar. Desse modo, percebe-se que a baixa integração com atores de outras esferas e áreas pode limitar ainda mais sua capacidade de atuação.

Apesar da literatura técnica e científica mostrar a importância da film commission no desenvolvimento do audiovisual e, consequentemente, do turismo, esse reconhecimento pelos atores públicos ainda não existe plenamente no Brasil. A ausência de uma film commission nacional, as dificuldades orçamentárias, as equipes reduzidas, a carência de estudos prospectivos da área, o baixo grau de adesão a redes e associações são apenas alguns indicadores que revelam essa realidade. Para que a film commission possa atuar de forma estratégica e cumprir plenamente sua missão, é preciso que haja uma política de incentivos no âmbito nacional não apenas para criação e fortalecimento de organizações desta natureza, mas também para ampliar o impacto positivo do setor audiovisual no país. Ao ter um melhor aparato e apoio governamental, é que se pode pensar em um espectro de atuação mais amplo, englobando também ações relacionadas ao turismo cinematográfico.

Por fim, cabe ressaltar que a atuação da film commission no turismo cinematográfico não pode prescindir de um trabalho conjunto com a OGD da localidade. O desenvolvimento do turismo cinematográfico depende de uma política pública de turismo mais ampla, de longo prazo e com a participação dos diversos atores públicos e privados do turismo e do audiovisual norteados por um objetivo em comum e com compartilhamento das responsabilidades. A criação de um grupo de trabalho ou de uma comissão multissetorial poderia ser um caminho para se começar a discutir, no âmbito da gestão pública, uma estratégia para este segmento.

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