A comunicação em Paulo Freire e a alfabetização midiática: relações possíveis como contribuições epistemológicas

Communication in Paulo Freire and media literacy:

possible relationships as epistemological contributions

La comunicación en Paulo Freire y la alfabetización mediática:

posibles relaciones como aportes epistemológicos

Roseane Andrelo

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

E-mail: roseane.andrelo@unesp.br

ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4390-4037

DOI: 10.26807/rp.v27i116.2018

Resumo

O objetivo deste artigo é contribuir para a criação de bases epistemológicas que interliguem conceitos de Paulo Freire à alfabetização midiática. De forma específica, busca tecer relações entre as ideias de comunicação como diálogo, leitura de mundo como precedente à palavra e objeto como mediador da comunicação e as noções de representação, audiência, linguagem e produção que compõem a base conceitual de media literacy, doravante chamada de alfabetização midiática. Como metodologia, foram utilizadas pesquisa bibliográfica e observação de práticas docentes, com a posterior triangulação de dados.

Palavras – Chaves: Paulo Freire; alfabetização midiática; comunicação como diálogo; representação.

Abstract

The aim of this article is to contribute to the creation of epistemological bases that link Paulo Freire’s concepts to media literacy. Specifically, it seeks to weave relationships between the ideas of communication as dialogue, reading the world as a precedent to the word and object as a mediator of communication and the notions of representation, audience, language and production that make up the conceptual basis of media literacy, hereinafter called of media literacy. As a methodology, bibliographic research and observation of teaching practices were used, with subsequent data triangulation.

Keywords: Paulo Freire; media literacy; communication as dialogue; representation.

Resumen: El propósito de este artículo es contribuir a la creación de bases epistemológicas que vinculan conceptos de Paulo Freire con la alfabetización mediática. Desde una mirada específica, se busca plantear relaciones entre las ideas de comunicación como diálogo, leyendo el mundo como precedente de la palabra y el objeto como mediador de la comunicación y las nociones de representación, audiência, lenguaje y producción que constituyen el fundamento conceptual de media literacy, en adelante denominada de alfabetización mediática. En la trayectoria metodológica de esta investigación se utilizó la investigación bibliográfica y observación de prácticas del profesorado con la posterior triangulación de datos.

Palabras clave: Paulo Freire; alfabetización mediática; comunicación como diálogo; representación. 

Introdução

O centenário de Paulo Freire, comemorado em 2021, tem sido uma importante oportunidade para colocar em lugar privilegiado na agenda pública conceitos e reflexões debatidos e vividos pelo autor. De forma geral, o que percebe-se é que as ideias freireanas não apenas permanecem atuais, como demonstram-se necessárias, décadas depois de terem sido escritas e reescritas a partir de vivências, seja no interior do nordeste brasileiro ou mesmo em diversos outros países latino americanos (Lima, 2011). Afinal, o ponto de partida dos textos de Paulo Freire foi a situação brasileira caracterizada pela injustiça social e a necessidade de transformação (Peruzzo, 2017).

Embora o cenário brasileiro tenha sofrido mudanças significativas dos pontos de vista político, econômico, social e cultural, sabe-se que aumentou o número de pessoas que vivem na extrema pobreza (G1, 2021), bem como foi ampliada a desigualdade social (Bertão, 2021). Soma-se a isso o contexto de desinformação que, em época de pandemia, oprime ainda mais, pois na “ânsia por informações, [as pessoas] confiam em todo tipo de notícia que encontram, sem certificar a veracidade da informação, e isso pode agravar a situação, levando ao desespero e ao caos” (Ferreira, Lima & Souza, 2021, p. 41).

Para se livrar da opressão, portanto, há a necessidade de refletir e interagir com o mundo, por meio da práxis. “Atuando, transforma; transformando, cria uma realidade que, por sua vez, ‘envolvendo-o’, condiciona sua forma de atuar. Não há, por isto mesmo, possibilidade de dicotomizar o homem do mundo, pois que não existe um sem o outro” (Freire, 1983, p. 17). Mundo este que também é mediado pela mídia que, enquanto importante sistema de informação, representação e expressão, exerce o papel de mediadora entre o público e o que acontece na sociedade, entretanto suas mensagens não refletem a realidade, elas a representam, fato que invalida sua comparação a uma “janela transparente”, pela qual se vê o mundo (Traquina, 2012). Traça-se, assim, o objeto deste artigo: a necessidade de relacionar perspectivas freireanas à alfabetização midiática.

A proposta é contribuir para a criação de bases epistemológicas que interliguem conceitos de Paulo Freire às mídias, mais especificamente à alfabetização midiática. Busca-se tecer relações entre as ideias de comunicação como diálogo, leitura de mundo como precedente à palavra e objeto como mediador da comunicação e as noções de representação, público ou audiência, linguagem e instituições ou produção que compõem a base conceitual da media literacy (Buckingham, 2003), doravante chamada de alfabetização midiática.

Como percurso metodológico optou-se pela pesquisa bibliográfica em obras do autor (Freire, 1983, 1987, 2001), de pesquisadores que se debruçaram à leitura da relação que faz com a comunicação (Lima, 2011; Peruzzo, 2017) e de autores que pesquisam sobre alfabetização midiática (Buckingham, 2003; Bévort & Belloni, ٢٠٠٩; Wilson, 2013) e pela observação de práticas docentes pautadas na alfabetização midiática. A partir dos resultados e por meio da triangulação buscou-se desenhar as inter-relações possíveis entre os conceitos freireanos ligados à comunicação com a alfabetização midiática.

Para tanto, optou-se por alguns recortes, ainda que recortar uma trajetória tão complexa signifique assumir riscos. Contudo, eles parecem pertinentes e serão justificados. O primeiro recorte diz respeito às contribuições de Freire à área da Comunicação, na qual impactam e, mais do que isso, inspiram ações de comunicação alternativa, popular, comunitária e várias outras práticas que se pautam não em uma comunicação transmissiva e sim na perspectiva de estabelecer um verdadeiro diálogo.

O segundo recorte baseia-se em uma tentativa de relacionar os conceitos à prática, como de propostas que serão sintetizadas a partir de experiências vividas e vistas pela autora do artigo e também por olhares direcionados à Base Nacional Comum Curricular, sobretudo com o indicativo de incorporação da comunicação e das tecnologias de informação e comunicação na prática docente. A escolha de mencionar experiências docentes ancora-se em uma das principais lições deixadas por Paulo Freire - o compromisso com a vida real.

Comunicação como diálogo e alfabetização midiática

Explicitar a escolha de refletir sobre a alfabetização midiática e as ideias de Freire a partir da Comunicação não significa deixar a educação de lado. Ao contrário, pode-se entender que, para Paulo Freire, comunicação e educação caminham juntas, chegando a ser sinônimos. “A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de saber, mas encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados” (Freire, 1983, p. 46). Se não é transferência de conteúdo, também não se caracteriza pela dualidade “quem sabe-quem não sabe”, ao contrário, o conhecimento insere-se nas relações homem-mundo (Freire, 1983). A comunicação, portanto, tem papel essencial neste processo.

Aqui, cabem esclarecimentos sobre o que se entende por comunicação. Primeiro: comunicação não é vista como dispositivos tecnológicos ou mesmo como instituições de mídia, ainda que possa ocorrer por meio deles, ponto este que leva à necessidade de trazer ao debate um arcabouço teórico sobre a relação entre comunicação e mídias. Comunicação também não é vista como um meio de transmitir informação, seguindo a lógica linear de alguém (emissor) que fala/escreve para outro alguém (receptor) que apenas recebe a mensagem. A transmissão por sua vez, tratada no livro Extensão ou Comunicação? (1983), a partir do contexto marcado pelo difusionismo (do agrônomo para o agricultor), não é algo neutro, mas uma invasão cultural, mecanicista, o que nega o necessário processo de ação e reflexão.

Ainda pode-se negar a comunicação como algo inato ou mesmo concedido, uma vez que comunicação, como relação social e política, é um direito humano que está intrinsicamente ligado ao compromisso político de mudança, com ênfase na perspectiva dos oprimidos. Sendo que parte considerável da comunicação se dá por meio de dispositivos tecnológicos ou mesmo pelas instituições midiáticas (ao pautarem a agenda pública, por exemplo), ela precisa ser garantida e aprendida de forma crítica, o que justifica a necessidade da alfabetização midiática.

Esclarecidas as negativas, parte-se ao que é comunicação para Paulo Freire: de forma simples e direta, pode ser compreendida como sinônimo de diálogo. Eis aqui uma das grandes contribuições que ele dá para a área. Outros autores já haviam trazido reflexões importantes sobre diálogo, sobretudo na perspectiva conhecida como EU-TU, tendo Martin Buber como um dos autores de referência, que em linhas gerais, parte da aceitação e da confirmação ontológica dos polos envolvidos na relação. “Na relação EU-TU ocorre uma atitude em relação ao outro, a alteridade, em uma posição de abertura e disposição para com o outro” (Soares, Moreira & Bentes, 2019). Há o encontro e a relação com o outro, ponto essencial para refletir sobre aspectos dialógicos. A diferença é que Freire considera, no âmbito do diálogo, as relações de poder. Freire não trata diálogo com enfoque no face a face, mas por um ponto de vista social e político.

Tem-se, portanto, a dimensão política trazida por Freire, ou seja, o diálogo como ato de conhecer que deve acontecer no plano social, num compromisso com a justiça social e baseado na igualdade entre as pessoas. Lima (2011) lembra que, para Freire, conhecer é um ato de engajamento e que a comunicação/diálogo requer coparticipação e reciprocidade. Ainda, é um processo compartilhado por sujeitos iguais numa relação de igualdade. Mais do que conhecer os mesmos códigos e compartilhar símbolos, cada um deve, primeiro, se reconhecer como sujeito participante do diálogo e, então, reconhecer o seu interlocutor como sujeito.

O reconhecimento da presença do outro no processo comunicativo é essencial na relação dialógica. Freire aponta que o sujeito não pensa sozinho, pois há sempre a participação de outro sujeito, uma coparticipação, o que se dá pela comunicação. “Não há um “penso”, mas um “pensamos”. É o “pensamos” que estabelece o “penso” e não o contrário” (Freire, 1983, p. 45). Acrescenta-se o objeto, não como o ponto final do pensamento, mas como o mediador da comunicação. Assim, não se comunica determinado conteúdo de uma pessoa a outra, afinal, o objeto do pensamento é um “significado significante mediador dos sujeitos” (Freire, 1983, p. 45) e não um mero comunicado.

“Neste, a comunicação se verifica entre sujeitos sôbre algo que os mediatiza e que se ‘oferece’ a êles como um fato cognoscível. Este algo, que mediatiza os sujeitos interlocutores, pode ser tanto um fato concreto (a semeadura e suas técnicas, por exemplo), como um teorema matemático. Em ambos os casos, a comunicação verdadeira não nos parece estar na exclusiva transferência ou transmissão do conhecimento de um sujeito a outro, mas em sua co-participação no ato de compreender a significação do significado. Esta é uma comunicação que se faz criticamente.” (Freire, 1983, p. 47)

Ao trazer a comunicação midiática, especificamente na capacidade de pautar a agenda pública e, a partir dela, as interações individuais, e, ao considerar a alfabetização midiática, no sentido de leitura crítica da mídia, traz-se ao debate não apenas o conteúdo do que foi divulgado e que, portanto, está sendo comunicado pelos sujeitos, mas também a forma como tal fato foi trazido à tona. Teve mais ou menos destaque; foi acrescido de opiniões mais ou menos plurais por meio da escolha de fontes; o cenário do qual o fato fez parte foi ou não contextualizado. A reflexão sobre aspectos como estes, possíveis a partir da alfabetização midiática, contribui para a compreensão da significação do significado.

Peruzzo (2017) aponta que a formação da consciência crítica é um dos pressupostos de Freire para a comunicação libertadora, o que permitiria que as pessoas fossem protagonistas da cultura e da história. Porém, a intervenção na sociedade requer dos sujeitos uma formação que vá além do processo educativo que ensina a ler e escrever palavras, é preciso também fazer a leitura do mundo. Em meio às relações entre sujeitos, está o contexto e ele deve ser fortemente considerado no processo comunicativo e educativo.

“[...] compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na descodificação pura da palavra escrita ou na linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na ´inteligência do mundo´. [...] A leitura do mundo precede a leitura da palavra. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto” (Freire, 2001, p. 11).

Os conceitos trabalhados – a comunicação como diálogo, o objeto do pensamento como mediador da comunicação e a leitura de mundo como precedente à palavra - sustentam a reflexão pretendida pelo presente artigo: qual o papel, então, das instituições midiáticas, na educação libertadora defendida por Paulo Freire?

Embora as mídias não ocupem papel central nas obras do autor, ele forneceu pistas importantes em sua trajetória. Lima (2011) traz dois estratos relevantes neste sentido. O primeiro, em entrevista retratada na obra Sobre a Educação, quando ao ser questionado sobre o porquê não discutir os meios de comunicação, Freire disse que a TV não pode ser compreendida em si, por não ser um instrumento puramente técnico, mas com um uso político. O segundo, em Pedagogia da Autonomia, ao falar da necessidade de “desocultar verdades escondidas” na mídia, aponta que a comunicação de massa é processo impossível de ser neutro, uma vez que configura-se como a comunicação de algo, feita de certa maneira, na defesa ou contrária a algum ideal ou alguém, ainda que nem sempre de forma explícita.

Tem-se, portanto, algumas relações possíveis entre o pensamento de Freire e as mídias, aqui consideradas não como dispositivos pessoais, mas como instituições com forte poder político, financeiro e simbólico. Paulo Freire acredita que a educação pode ajudar na formação da consciência crítica, de modo que as pessoas possam se tornar protagonistas. Contudo, para que a intervenção na sociedade ocorra, ele propõe uma formação ampla: um processo educativo que ultrapasse o ler e o escrever palavras e inclua a leitura do mundo.

Considera-se, assim, que: a mídia faz a mediação entre a realidade e o que conhecemos dela; não o faz de modo transparente, mas por meio de ênfases, escolhas e até silêncios sobre determinados temas; que o conteúdo difundido, sobretudo informativo e de entretenimento, pauta o debate público; que anúncios publicitários impactam o consumo; que conglomerados de mídia limitam a pluralidade de ideias; que os algoritmos interferem em diversos aspectos do no nosso cotidiano; e que comentários feitos em mídias sociais se confundem com informação jornalística. Assim, ler o mundo significa, também, ser alfabetizado para mídia, o que deve estar inserido na prática docente.

Há, portanto, uma demanda para a educação formal, que é a leitura crítica da mídia, mas também o uso criativo das mídias em geral. Pensar sobre isso é reconhecer que as escolhas feitas no âmbito escolar e no âmbito midiático não são aleatórias. “Como se sabe, o conteúdo da educação varia de uma sociedade a outra segundo interesses de diversos segmentos sociais, interesses esses que se projetam em valores, aspirações, objetivos” (Libâneo, 2001, p. 56). Mas não se trata apenas da escolha dos conteúdos, mas da abordagem e das vozes presentes no processo educativo. Freire (2001) lembra que a educação não é uma prática autônoma ou neutra.

“A educação reproduz a ideologia dominante, é certo, mas não faz apenas isto. (...) As contradições que caracterizam a sociedade como está sendo penetram a intimidade das instituições pedagógicas em que a educação sistemática se está dando e alteram o seu papel ou o seu esforço reprodutor da ideologia dominante”. (Freire, 2001, p. 24)

Ao permitir que as mídias entrem na escola formalmente, não como um meio para estudar determinado conteúdo escolar, mas como “conteúdo gerador” em si, é possível levar outras vozes para a sala de aula, compreender seu conteúdo como mediador de comunicações cotidianas e, acima de tudo, contribuir para a leitura crítica do mundo, para além das palavras.

A alfabetização midiática - também chamada de educação às mídias, mídia-educação ou media literacy (Bévort & Belloni, 2009) - pode ser definida como “formação para a compreensão crítica das mídias, mas também se reconhece o papel potencial das mídias na promoção da expressão criativa e da participação dos cidadãos, pondo em evidência as potencialidades democráticas dos dispositivos técnicos de mídia” (Bévort & Belloni, 2009, p. 1087).

Ainda no que tange à terminologia, Livingstone (2011) aponta que o conceito de literacidade não pode ser reduzido à noção de habilidade, como “saber fazer”. Um ponto importante refere-se à necessidade de mobilizar as aptidões individuais (habilidades) a práticas sociais, na solução de situações-problema. Resulta-se em uma conjunção de fatores: as pessoas, o contexto em que se inserem e, consequentemente, as demais pessoas com quem se relaciona e as situações a serem resolvidas, ou seja, nas quais a literacia se dará.

No Brasil, comumente literacia é traduzida como letramento ou alfabetização. Alfabetização, por sua vez, pode ser compreendida como o domínio da tecnologia de escrita, seja pelo sistema alfabético ou ortográfico, sendo que por letramento entende-se a leitura e escrita na relação com o contexto do sujeito (Soares cit. por Lúcio & Maciel, 2008), o que ganha complexidade ao considerar as constantes mudanças sociais e tecnológicas e a necessidade de que os aprendizados continuem ao longo da vida.

“Trabalhar a alfabetização na perspectiva do letramento é, portanto, uma opção política. (...) O ato de ensinar a ler e escrever, mais do que possibilitar o simples domínio de uma tecnologia, cria condições para a inserção do sujeito em práticas sociais de consumo e produção de conhecimento e em diferentes instâncias sociais e políticas”. (Lúcio & Maciel, 2008, p. 16)

A Unesco corrobora com a discussão ao atualizar a visão que tem da mídia, considerando a convergência entre rádio, televisão, jornal, livros, internet, arquivos digitais e bibliotecas. “As mídias e outros provedores de informação, como bibliotecas, arquivos e internet, são amplamente reconhecidos como ferramentas essenciais para auxiliar os cidadãos a tomarem decisões bem informadas” (Wilson, 2013, p. 16). Acrescenta que contribuem para que as sociedades aprendam sobre elas mesmas, construindo um sentido de comunidade.

Ao articular a alfabetização midiática à alfabetização informacional, criando um único conceito – AMI (Alfabetização Midiática e Informacional) -, evidencia a importância do acesso à informação e do uso ético da mesma, assim como a capacidade de entender as funções da mídia, avaliar como são desempenhadas, considerando também a possibilidade de autoexpressão. “O uso que a Unesco faz da expressão AMI busca harmonizar as diferentes noções à luz de plataformas convergentes de utilização” (Wilson, 2013, p. 19).

Bévort e Belloni (2009) apontam a importância da alfabetização midiática nas mais diversas instâncias: para lidar com a onipresença das mídias na vida social, para lutar contra as desigualdades de acesso às diferentes mídias e para a formação de competência crítica para uso das informações disponibilizadas pela mídia, considerando as forças político-econômicas que as estruturam.

É possível relacionar, portanto, a alfabetização midiática à comunicação como um direito, no sentido de garantir a liberdade de opinião e de expressão. Ao colocar a mídia em lugar de destaque nos processos educativos, seja por meio da educação formal ou não-formal, tem-se a possibilidade de trazer significativos avanços à democracia.

“Um importante pré-requisito para o empoderamento dos cidadãos é o esforço concentrado para aprimorar a alfabetização midiática e informacional – habilidades que auxiliar no fortalecimento das capacidades críticas e de comunicação que permitem aos indivíduos utilizar as mídias e as comunicações tanto como ferramentas, quanto como uma maneira de articular processos de desenvolvimento e mudança social, aprimorando a rotina cotidiana e empoderando as pessoas para que influenciem suas próprias vidas.” (Wilson, 2013, p. 40)

Relacionando as ideias postas à perspectiva freireana de diálogo, de leitura de mundo e do objeto como mediador da comunicação, o presente artigo assume o olhar de mídia defendido pela Unesco (de convergência), assim como trabalha com a perspectiva da alfabetização midiática visando a formação para compreender as funções e práticas das instituições de mídia, bem como no uso delas para se expressar. Considera ainda as práticas sociais às quais o processo de consumo, produção e compartilhamento de informação estão articulados e o contexto em que atores sociais estão inseridos.

Há assim uma demanda que emerge do uso social das mídias, mas também que chega à educação formal por meio de textos oficiais, como a Base Nacional Comum Curricular (2018), documento com função normativa que define o conjunto de aprendizagens essenciais que alunos devem desenvolver durante a educação básica, sobretudo com o indicativo de incorporação da comunicação e das tecnologias de informação e comunicação na prática docente. De acordo com o Ministério da Educação (Base Nacional Comum Curricular MEC, s.d), a incorporação das TDICs (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação) tem como proposta ajudar docentes no uso de metodologias de ensino ativas, contribuindo para promover aprendizagens significativas, mas também visando a alfabetização digital e contribuindo para a inclusão digital.

A inclusão do tema, conforme a BNCC (2018), “contempla o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas ao uso crítico e responsável das tecnologias digitais tanto de forma transversal”1, assim como prevê o ensino das TDICs de forma mais específica, com o desenvolvimento de competências relacionadas ao próprio uso das tecnologias, recursos e linguagens digitais. O documento baseia-se na competência geral 5, sobre o desenvolvimento de competências de compreensão, uso e criação de TDICs em diversas práticas sociais.

“Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.” (Ministério da Educação, 2018)

A BNCC trata, portanto, a mídia a partir de um olhar mais amplo da tecnologia, a partir do conceito de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, abordando sua compreensão e seu uso de forma crítica, reflexiva e ética, seja para informar, buscar informação ou para se comunicar. De forma mais específica, na competência geral 4, traz a questão da linguagem verbal, corporal, visual, sonora e digital, para compartilhar informação e sentimentos, em diferentes contextos, visando entendimento mútuo. Para tanto, apoia-se na análise linguística e semiótica (Ministério da Educação, 2018).

Como demonstrado até aqui, não faltam justificativas para promover a alfabetização em mídias, mas por meio de quais conceitos inseri-las no processo educativo? Buscou-se nos conceitos-chave de Buckingham (2003) bases para a reflexão e a prática: produção, linguagem, representação e audiência (Quadro 1), por entender que trazem aspectos mais específicos à alfabetização midiática do que os previstos na BNCC. “Estes conceitos providenciam uma estrutura teórica que pode ser aplicada para toda a gama de mídia contemporânea e, na verdade, para a mídia ‘mais velha’, também” (Buckingham, 2003, p. 53).

Quadro 1 – Conceitos-chave de alfabetização midiática

Conceito

Proposta

Audiência

Investigar o papel da audiência na formatação de uma mensagem e refletir sobre o poder de persuasão do texto, o poder do receptor e o modo como audiências diferentes se apropriam do mesmo conteúdo de modo diferente.

Linguagem

Compreender que é a linguagem que produz significado, e não uma suposta expressão por si só e, consequentemente, que até mesmo a notícia não é transparente em relação à realidade, mas sim uma recriação de um fato, mediada por forças de caráter técnico, político e simbólico.

Produção

Compreender que as notícias produzidas pelos jornais todos os dias são feitas conforme as normas de um processo institucionalizado aparentemente objetivo mas que, no fundo, sustenta pressupostos ideológico.

Representação

Avaliar em que medida a formação de uma identidade pessoal se relaciona com as representações mais comuns nos meios de comunicação e em que medida podemos afirmar que determinadas representações são as verdadeiras ou apenas são tidas como verdadeiras, porque são predominantes na mídia

Fonte: Adaptado de Buckingham (2003)

Em uma perspectiva global, embora haja diferenças nos diversos programas mundiais, existem alguns princípios que baseiam as ações de alfabetização midiática. Um deles é o da representação, ou seja, entende-se que os meios de comunicação não refletem a realidade, mas a representam.

Assim, é necessário possibilitar que os alunos entendam como a realidade é representada, de forma que eles próprios emitam um julgamento. Isso significa que a alfabetização midiática é, a priori, uma formação e não deve impor valores específicos. Deste, surge um outro princípio, da necessidade de desenvolver o senso crítico e a autonomia, gerando a capacidade e a vontade de prosseguir com a reflexão por toda a vida. Esses princípios ancoram-se na noção de atualidade, servindo-se dela para análises históricas e políticas de forma mais profunda do que comumente é divulgado pela imprensa. Por esses princípios, percebe-se duas noções essenciais nos trabalhos de educação às mídias: a leitura crítica dos meios de comunicação e a inserção da atualidade na escola (Andrelo, 2008).

À luz dos conceitos-chave de alfabetização midiática e dos conceitos de Freire, serão descritas e analisadas experiências vistas e vivenciadas pela autora do trabalho (Quadros 2, 3, 4 e 5) em sua atuação docente e de pesquisadora aos longo das duas últimas décadas, todas elas em instituições públicas, como forma de contribuir para a análise proposta.

Os exemplos citados referem-se a diferentes realidades: do ensino fundamental, passando pelo ensino médio e chegando a uma universidade. Da mesma forma, ora pertenciam a uma disciplina específica, a várias que trabalhavam em conjunto ou a projetos extras. Também, do ponto de vista da mídia e do formato – Youtube, jornal impresso, rádio escolar, jornalismo, charges. Sobre os conceitos, vários foram mobilizados, como a representação (seja da América Latina ou da estética jovem), da produção (escolha do que é noticiado e a ênfase dada a determinados assuntos), audiência (como “atingir” receptores de programa radiofônico e como sou “atingido” por anúncios sobre estética) e linguagem (na charge, no áudio ou na imagem publicitária).

Quadro 2 – Experiência escolar de alfabetização midiática com jornal impresso - ensino fundamental anos iniciais

A professora, com alunos em fase de alfabetização, deixa vários jornais impressos de diferentes empresas jornalísticas em sala de aula, com o objetivo de que os alunos aprendam que há diferentes fontes de informação. Em uma das atividades, ela pede que as crianças recortem as letras dos títulos da primeira página de um dos jornais, com isso, trabalha coordenação motora e a diferença de vogais de consoantes. Com os recortes feitos, pede que eles analisem as letras. Além de dizerem quais são, percebem a tipologia e o corpo (tamanho) de cada uma. Então, a professora insere as reflexões: por que uma letra é maior que a outra? O que ela estava noticiando? Por que uma notícia merece mais destaque que a outra?

Fonte: produzido pela autora

Quadro 3 – Experiência escolar de alfabetização midiática com rádio - ensino fundamental anos iniciais

A sala de aula era composta por alunos com 7 e 8 anos de idade, já alfabetizados. Uma vez por semana, eles tinham a atividade de produzir um radiojornal. Um dia antes, em reunião, escolhiam os assuntos que julgavam mais importantes para os ouvintes, uma vez que a transmissão envolvia a comunidade. Os alunos, então, faziam a pesquisa dos temas, escreviam o texto no formato da linguagem oral, sempre tendo em mente a expectativa da audiência, liam o material “ao vivo” e, ao final, se reuniam com a professora para analisar o processo e o resultado.

Fonte: produzido pela autora

Quadro 4 – Experiência escolar de alfabetização midiática sobre estética corporal - ensino médio

A atividade foi desenvolvida durante algumas semanas com alunos do ensino médio, fora de disciplina específica, mas como um projeto extra, e tinha como objetivo gerar o consumo crítico de materiais sobre estética corporal veiculados por youtubers. Em um primeiro momento, por meio de questionário e de roda de conversa, buscou-se compreender qual o consumo de mídia do grupo e o valor atribuído ao tema estética. Posteriormente, eles foram convidados a analisar peças publicitárias com a temática. Ao final, à luz das discussões, produziram material sobre estética voltado ao Youtube.

Fonte: produzido pela autora

Quadro 5 – Experiência escolar de alfabetização midiática com charges - ensino superior

A atividade foi trabalhada em diferentes disciplinas, uma de cada um dos quatro anos de um curso universitário da área de Comunicação Social. O objetivo era, além de promover a leitura crítica de charges e da representação da América Latina na mídia, discutir sobre a inserção da alfabetização midiática no ensino superior. Primeiro, os alunos responderam um questionário para verificar o conhecimento que tinham sobre a América Latina. Posteriormente, analisaram charges sobre o assunto a partir de metodologia baseada em aspectos conotativos e denotativos. Na sequência, precisavam criar conteúdo para um charge e, então, fazer um debate com toda a sala.

Fonte: produzido pela autora

As experiências aqui sintetizadas trazem diversos pontos de tensão ao relacionar a mídia ao ambiente escolar. O primeiro deles é compreender como transformar determinada narrativa midiática em conteúdo escolar, fugindo do senso comum e abordando todos os conceitos-chave de Buckingham. O exemplo da charge é emblemático (Quadro 5). Primeiro, percebeu-se que, em geral, os alunos e docentes tinham conhecimento limitado sobre a América Latina. Segundo, ao serem convidados a propor conteúdo para uma charge, verificou-se que estereótipos foram reproduzidos: amor ao futebol, não cumprimento de horário e humor foram os elementos que mais apareceram.

Ao final da atividade, percebeu-se que a proposta gerou reflexões extremamente ricas sobre a cobertura da mídia brasileira no que tange a aspectos da América Latina e também ao papel da charge como formadora de opinião para além da diversão. Um ponto levantado pelas docentes envolvidas foi o desafio de trazer o debate à luz das disciplinas envolvidas, no caso Marketing, Políticas e Sistemas de Informação, Comunicação Comunitária e Gestão de Eventos (Andrelo et al., 2016), permitindo que a educação midiática seja abordada de forma transversal.

Outro desafio está em avaliar o resultado das ações de alfabetização midiática, considerando aspectos ligados à cultura dos alunos. É o caso da atividade sobre a forma como youtubers veiculam conteúdos ligados à estética corporal (Quadro 4). Em um primeiro momento, um questionário verificou que os alunos de fato consumiam esse tipo de conteúdo. Posteriormente, uma série de ações propunha a reflexão a respeito do material.

Os debates foram importantes, com ampla participação dos adolescentes envolvidos. Porém, no terceiro momento, ao serem convidados a produzir conteúdo voltado à temática, a maior parte da sala se negou a fazer. A primeira leitura foi que havia desânimo com a atividade ou com os proponentes, o que não condizia com a participação em momentos anteriores. A partir de novos diálogos verificou-se que a negativa devia-se à insegurança e à baixa autoestima em produzir conteúdo. Os alunos se viam como consumidores, mas entendiam que não tinham repertório para serem produtores (Oliveira, 2019).

A atividade com rádio escolar (Quadro 3) traz uma experiência de dialogicidade em vários aspectos. Ao acompanhar o trabalho dos alunos, verificou-se que eles tinham grande autonomia para “colocar a rádio no ar”. As próprias crianças definiam as pautas, realizavam o texto, faziam entrevista e operavam a mesa de som. A professora ficava em outro ambiente, na audiência do programa. Ao final, todos se reuniam para uma auto-avaliação e uma avaliação do grupo como um todo, da locução feita às pautas escolhidas. Ao acompanhar o processo, verificou-se um olhar crítico bastante satisfatório em relação à faixa etária dos envolvidos, que faziam a leitura crítica da produção midiática realizada por eles próprios (Andrelo, 2008).

A experiência relatada no Quadro 2 chama a atenção pela criatividade utilizada pela docente, ao propor a leitura crítica de uma capa de jornal junto a crianças ainda em processo de alfabetização. Ao recortar os títulos, eles eram convidados a refletir sobre o fato que estava retratado e porque merecida – ou não – determinado destaque. Eis uma proposta de leitura de mundo que antecede a leitura das palavras (Andrelo, 2008).

Diversas são as possibilidades de trabalhar com alfabetização midiática, sempre considerando o consumo de mídia dos alunos, os valores por eles atribuídos e a possibilidade de reflexão e diálogo a partir do material analisado. É preciso considerar que alfabetizar em mídia não significa criar técnicos mirins em tecnologia ou produtores de conteúdo. A perspectiva é formar o cidadão que consome e produz conteúdo midiático.

Tecendo relações

Pode-se considerar que o crescente, embora desigual, acesso às TICs e à internet, que permitiram à parte da população galgar espaço como emissores de conteúdo midiático, o que não diminuiu o papel central das instituições de mídia, caracterizadas como verdadeiros conglomerados, somado à discussão sobre o cenário da desinformação, que no senso comum foi batizado de fake news, colocou a comunicação e a informação no cerne da agenda pública. Não que o assunto não tivesse importância, mas seu debate ficava em círculos restritos: defensores da regulamentação da mídia, comumente alocados em universidades, e críticos que consideram tal ato como censura, normalmente articulistas que representavam donos de empresas de comunicação.

Com maior ou menor grau de informação, usuários de mídias sociais também passaram a debater a comunicação midiática: a que consomem, da chamada “grande mídia”, e a que recebem, reproduzem e criam, por meio de aplicativos; o espaço dado a manifestações políticas; as palavras usadas para designar quem ocupa cargos públicos; os assuntos tirados de contexto e mesmo as mentiras (ou fake news) disseminadas; quem tem direito à voz; para onde vai a verba pública destinada a propagandas entre outros assuntos permeiam muitos grupos de whatsapp e muitas mídias sociais.

Com isso, a comunicação, mais do que um aspecto cotidiano de quem domina o mesmo código, passou a ser a mensagem. Não só um meio, mas um conteúdo. Se ganhou seu espaço merecido, a percepção é que ainda falta formação das pessoas para que o debate aconteça de forma adequada: com respeito aos interlocutores, com ética na transmissão de informação e com conhecimento sobre aspectos, por exemplo, que envolvem dispositivos e empresas midiáticas.

Entre as características que precisam ser conhecidas, estão a centralidade que ocupam; a radiodifusão como serviço público; o endereçamento das mensagens e publicidades a um público específico; as representações criadas; a forma como a linguagem (verbal e não-verbal) constrói as mensagens e a publicidade; o papel dos algoritmos na forma como determinado conteúdo aparece nos espaços digitais pessoais; o valor das informações sobre a vida de cada um para as empresas e as formas usadas para captá-las; como a publicidade contribui para os desejos de cada um e, consequentemente, do consumo, entre outros aspectos.

Este é um pouco do contexto no qual ancoramos nosso debate. Ou seja, resgata-se a proposta de contribuir para a criação de bases epistemológicas que interliguem conceitos de Paulo Freire às mídias, mais especificamente à alfabetização midiática.

Considerando-se a leitura do mundo, como uma práxis que vai além da leitura das palavras, compreende-se que muitas das informações sobre o contexto advém das instituições midiáticas, com as escolhas feitas do que é dito – e do não dito -; do destaque dado; das fontes escolhidas para opinar sobre os fatos e mesmo das palavras/imagens/sons escolhidos para compor as narrativas. Não há neutralidade, já apontava Freire e já comprovaram os diversos estudos em comunicação, o que não torna óbvia a leitura crítica de tudo que nos chega por meio do jornalismo. Da mesma forma, podemos acrescentar anúncios publicitários, que financiam os meios de comunicação. A figura constante de mulheres com determinado padrão estético para vender de tudo – de bebida a relógio -, ajuda a criar representações do feminino, já bastante naturalizadas. Eis, apenas, alguns exemplos.

Ler criticamente a mídia perpassa, portanto, por uma formação que vai além do conhecimento do código da língua portuguesa, no caso do Brasil. Compreender mecanismos de produção de conteúdos diversos, com os devidos modelos de negócio e a realidade regulatória, permite compreender o lugar de fala do emissor. Entender que a linguagem (verbal ou não-verbal) não é aleatória e que ajuda a construir sentido é parte do repertório do bom leitor. Vislumbrar o papel de cada um de nós como audiência, como público visado, contribui para perceber as estratégias comunicativas do interlocutor, enquanto instância midiática. Por fim, cabe desvendar os sentidos construídos por determinado conteúdo midiático, entendendo que não são a realidade, mas a representação dela.

Por meio de tais conhecimentos, podemos ler o mundo que nos cerca e que nos chega também pela mídia. Podemos, com base em informação correta, tomar decisões e, com ética, nos expressarmos, incluindo pelo debate sobre o que é comunicado. Como resultado, temos uma comunicação dialógica e não meramente transmissiva. Eis o que demanda a realidade – visto contexto brevemente trazido no início do tópico – e postulado para a educação formal – considerando o previsto na BNCC. Ao desenvolver este olhar, desde criança, as pessoas não apenas lerão o mundo de forma crítica, mas também poderão transformá-lo por meio de práticas conscientes (Freire, 2001).

Considerando que a mídia pauta o debate público e muitos dos diálogos em pequenos grupos, não só pela ideia simplista de um mero conteúdo, mas pela forma e pelos valores a eles atribuídos, tem-se, portanto, o objeto não como ponto final, mas como mediador da comunicação. Acrescenta-se a coparticipação dos sujeitos no processo comunicativo, no qual as pessoas criam conhecimento juntas, humanizando o mundo e não meramente transmitindo-o (Lima, 2011).

Para que isto aconteça de fato, contudo, a interação, deve estar fundada no diálogo. Como visto, na defesa de Freire, não como um simples ato de falar-ouvir, mas pautado, primeiro, no reconhecimento de si próprio no processo comunicativo e no reconhecimento do interlocutor, ainda que permeado por relações de poder que, espera-se, também sejam reconhecidas. Ao trazer à formação em mídias, tem-se a clareza sobre o papel da comunicação como um ato social e político, que pode levar ao engajamento de fato e ao compromisso com a justiça. Isso significa pensar a comunicação como um direito humano, conquistado, mantido e, como se pretendeu mostrar neste artigo, aprendido.

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1 TECNOLOGIAS da Informação e Comunicação no contexto escolar: possibilidades. Op.cit., [s.d.].