O jornalismo nas TVs Legislativas brasileiras:

avaliação de qualidade com foco na gestão editorial

Journalism in Brazilian Legislative TV:

Quality Evaluation with a Focus on Editorial comitManagement

El periodismo en las TVs legislativas brasileñas:

evaluación de calidad con enfoque en la gestión editorial

Ana Rachel Gonçalves Pereira

Técnica judiciária do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe

E-mail: thiagoerachel@yahoo.com.br

ORCID: https://orcid.org/0009-0005-5505-713X

Josenildo Luiz Guerra

Univesidade Federal de Sergipe (UFS), Departamento de Comunicação Social (DCOS),

Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH).

E-mail: jguerra@academico.ufs.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5242-863X

DOI: 10.26807/rp.v27i117.2062

Resumo

Desde que foram lançados, em 1995, os canais legislativos tornaram-se uma via de comunicação entre o parlamento e os cidadãos para gerar maior transparência às ações parlamentares. A maioria possui equipes que produzem o jornalismo legislativo, para divulgar suas atividades (Freitas, 2020). Não há, contudo, legislação que estabeleça para elas padrões editoriais de realização da atividade jornalística. Por isso, o presente trabalho realizou uma avaliação experimental de qualidade, com base em dez indicadores, para mensurar o grau de adesão a boas práticas de gestão editorial em jornalismo de 16 emissoras legislativas. O resultado, um ranking das emissoras com seus respectivos níveis de desempenho, apontou um estágio ainda incipiente de adesão a boas práticas de gestão editorial, à exceção da emissora melhor avaliada, que atingiu o estágio de instrumentos parcialmente consolidados.

Palavras – Chaves: Jornalismo, TV legislativa, qualidade, accountability, transparência.

Abstract

Since their launch in 1995, the legislative channels became a way of communication between parliament and citizens, to provide wider transparency to legislative actions. The majority holds a team that produces legislative journalism, focused on the broadcast of the parliamentary-political activity held in these houses (Freitas, 2020).

Despite its expansion, there isn’t legislation that establishes its editorial standards of the performance of journalistic labor. Due to the relevance achieved to widen the transparency of the Legislative Branch, this work conducted a quality experimental evaluation, from ten indicators, to measure the adherence degree to the good practices of editorial management in journalism of 16 Brazilian legislative networks. The result, a ranking of TV networks with their respective levels of performance, pointing out an underdeveloped stage of adherence to good practices of editorial management, except the TV network better assessed, which reached the stage of instruments partially consolidated.

Key words: Journalism, Legislative TV, Quality, Accountability, Transparency

Resumen

Desde su lanzamiento en 1995, los canales legislativos se han convertido en una vía de comunicación entre el parlamento y los ciudadanos, para dotar de mayor transparencia a la actuación parlamentaria. Actualmente, todas las emisoras legislativas del país transmiten en vivo sus plenos. La mayoría también cuenta con equipos que producen periodismo legislativo, enfocado en divulgar la actividad político-parlamentaria llevada a cabo en estas instituciones (Freitas, 2020). A pesar de su expansión, especialmente a partir de 2012 con la creación de la Red Legislativa de TV Digital, no existe legislación que establezca estándares editoriales para la realización de la actividad periodística en estas emisoras. Dada la importancia que han alcanzado para aumentar la transparencia del Poder Legislativo, este trabajo realizó una evaluación de calidad experimental para medir el grado de adhesión a las buenas prácticas de gestión editorial en el periodismo por parte de 16 emisoras legislativas brasileñas. Se analizaron diez indicadores y tres subindicadores que evaluaron la existencia, el contenido y la accesibilidad de los instrumentos de gestión editorial. Como resultado, se proporcionó un ranking de las emisoras con sus respectivos niveles de desempeño, que señaló un estadio aún incipiente de adhesión a buenas prácticas de gestión editorial, con la excepción de la emisora mejor evaluada, que alcanzó un estadio de instrumentos parcialmente consolidados.

Palabras clave: Periodismo, TV legislativa, calidad, rendición de cuentas, transparencia.

A primeira TV legislativa brasileira surge em 30 novembro de 1995, mesmo ano da promulgação da Lei do Cabo (Brasil, 1995), como TV do Legislativo (TVL), a TV Assembleia de Minas Gerais (ALMG, 2020). Dois meses depois, a TV Senado entra em operação, em 5 de fevereiro de 1996, e a TV Câmara, um pouco mais tarde, em 20 de janeiro de 1999, ambas emissoras do Congresso Nacional, o parlamento federal brasileiro. A partir de então, diversos canais são criados pelas casas legislativas estaduais e municipais em todo o país.

Essa expansão se consolida ainda mais a partir de 2012, com a criação da Rede Legislativa de TV Digital (Câmara dos Deputados, 2012), que uniu esforços da Câmara dos Deputados, assembleias estaduais e câmaras municipais para dar maior transparência às atividades legislativas em todas as esferas. A rede representou um marco porque os sinais dessas TV’s passaram a ser transmitidos não apenas via cabo, mas também em canal aberto, quando se inicia o caminho para a universalização de seu acesso.

Passados mais de 25 anos, contudo, desde a criação da primeira TV legislativa, não há no ordenamento jurídico brasileiro uma normatização que possa ser aplicada especificamente a elas, de modo a direcionar e exigir um padrão mínimo de desempenho. Como não há também para o conjunto das emissoras públicas e comerciais.

Formalmente, para além dos princípios gerais elencados na Constituição Federal, relativos à administração pública e à comunicação social, o único documento legal aplicado é a Lei do Cabo, que fundamenta a própria existência dessas emissoras. Nada, porém, relativo à regulamentação de suas práticas como emissora pública de comunicação nem ao tipo de jornalismo que praticam, aqui denominado de “jornalismo legislativo”, conforme definição de Freitas (2020).

Em face da proeminência que conquistaram e da ausência de instrumentos reguladores que monitorem suas práticas, esse trabalho objetiva produzir um diagnóstico inicial sobre a concepção e a gestão editorial em jornalismo em um grupo de 16 emissoras legislativas. O problema a ser investigado é: qual o grau de maturidade e consolidação de boas práticas de gestão editorial em jornalismo apresentado por essas emissoras? A hipótese da investigação é que, dado 1) a ausência dos instrumentos de controle e 2) a falta de uma cultura profissional e organizacional em jornalismo que valorize tais práticas, há um baixo grau de adesão e consolidação de tais práticas nessas emissoras.

Para produzir esse diagnóstico, a pesquisa utilizou um método experimental de avaliação de qualidade desenvolvido no Programa de Pesquisa em Qualidade, Inovação e Tecnologia Aplicada ao Jornalismo (Qualijor), vinculado ao Laboratório de Estudos em Jornalismo (Lejor) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Nesse sentido, além do diagnóstico pretendido, o presente trabalho busca testar o método de avaliação e o sistema informatizado que o implementa, o Q-Avalia (Guerra, 2017), a fim de gerar um acúmulo de experiência para o instrumento e torná-lo mais consistente para aplicações periódicas, capazes de gerar, por exemplo, séries históricas de acompanhamento sobre a evolução ou não das práticas por meio do método monitoradas.

Embora a definição de qualidade jornalística seja ainda um tema de difícil delimitação e consensos, a abordagem empregada neste levantamento considera três dimensões do processo de avaliação (Guerra, 2010): 1) a gestão editorial: a concepção estratégica, as condições e as diretrizes que orientam a produção; 2) o processo: a implementação dos princípios que norteiam a gestão editorial nas etapas de tratamento da informação, da pauta até sua veiculação; e 3) os produtos: o resultado do processo, que é o efetivamente disponibilizado para a audiência e a sociedade.

Dada a complexidade e especificidade de cada uma das dimensões, que requer recursos e métodos próprios, foi necessário delimitar a avaliação à dimensão gestão editorial. Nesse sentido, a pesquisa vai avaliar em que medida as emissoras detalham os compromissos, as diretrizes e os instrumentos de gestão disponíveis para atingir seus objetivos declarados.

A gestão editorial é o primeiro passo para uma política de qualidade que essas emissoras possam vir a ter, pois através dela são firmados compromissos públicos que tanto orientam a própria equipe quanto a sociedade acerca dos parâmetros que a regem e pelos quais cada emissora pode ser cobrada. Sem a existência desses parâmetros, não há clareza nem precisão acerca do papel que se espera delas.

1 – TV’s legislativas e jornalismo legislativo

Desde que foram lançados, os canais legislativos tornaram-se uma via de comunicação entre o parlamento e os cidadãos, a fim de proporcionar maior transparência às ações parlamentares, conforme estabelece o princípio da publicidade presente no Art. 37 da Constituição Federal (Brasil, 1988). Não se pode ignorar, contudo, o processo histórico de influências patrimonialistas sobre os meios de comunicação no Brasil, e as emissoras legislativas não escapam à desconfiança em relação à atuação e à blindagem de interesses políticos nelas encastelados.

Porém, é inegável que a partir da veiculação televisiva dos trabalhos parlamentares, uma transformação no modus operandi do parlamento é percebida. A transparência das atividades legislativas, por exemplo, ensejou mudanças na própria atuação parlamentar. Freitas (2004) constatou que houve aumento do número de pronunciamentos, da presença física e da efetiva participação dos senadores nos trabalhos da casa legislativa. Em 1995, um ano antes de implantação da TV Senado, os senadores apresentaram 652 proposições e fizeram 2.515 pronunciamentos. Já em 2003, foram 1.464 proposições apresentadas e 4.214 pronunciamentos, ou seja, houve um crescimento de 124,5% e 67,5%, respectivamente em cada tipo de manifestação (Freitas, 2004, p. 89 e 91).

As TVs legislativas ganharam espaço principalmente ao transmitir informações ao vivo. Consolidaram-se como fontes primárias de informação, numa relação direta com o telespectador, o cidadão. São reconhecidas como espaço legítimo e necessário de transparência em relação à atuação dos parlamentares (Melo, 2014; Barros, Bernardes & Lemos, 2008; Freitas, 2020). É nesse contexto que o jornalismo vai se inserir nessas emissoras, que passam a adotar o modelo extensivo em sua programação, baseado na oferta diversificada de conteúdo, em contraponto ao modelo reprodutivo, que se limita à reprodução dos trabalhos legislativos (Gonçalves, 2011).

No caso da Câmara do Deputados, que desde 1961 já possuía um serviço de radiodifusão responsável pelo programa Voz do Brasil, a criação de veículos jornalísticos se baseou no “diagnóstico de que é dever da instituição complementar a atuação da imprensa na publicização das atividades parlamentares, buscando compensar deficiências percebidas na mídia privada, se entendida como instrumento da comunicação pública” (Barros et al, 2008, p.12-13).

Além disso, em um contexto de crise de credibilidade enfrentada pelas instituições públicas, incluindo o parlamento (Latinobarômetro, 2018), as casas legislativas passam a adotar uma postura mais ativa no processo de transparência de seus atos, a fim de melhorar sua imagem. A implantação e o fortalecimento do jornalismo nas TVs legislativas tornam-se indispensáveis nesse processo porque ao “contrário da mídia privada, que seleciona os temas legislativos de acordo com critérios de noticiabilidade e valores-notícia que privilegiam o inusitado, o pitoresco ou o denuncismo”, a notícia na cobertura dos veículos legislativos aborda “os temas relacionados a matérias legislativas de caráter institucional, ou seja, que transcendem a esfera da atuação parlamentar individual e das iniciativas partidárias isoladas” (Barros et al, 2008, p.16-17).

Tal abordagem resultou no modelo de prática jornalística que Freitas (2020) define como jornalismo legislativo:

Especialização do jornalismo profissional, de caráter público, e exercido em veículos de comunicação mantidos por casas legislativas, com a finalidade constitucional de divulgar a atividade político-parlamentar, no sentido de intensificar a interlocução entre representantes e representados (Freitas, 2020, p 18).

Para o autor, o jornalismo praticado nas casas legislativas obedece a um ritmo próprio, que muitas vezes não segue a lógica do jornalismo factual, mas sim do processo legislativo e, consequentemente, do interesse público. Ele deixa claro, contudo, que esse conceito e sua relevância ainda não estão consolidados, mas já modifica, de forma gradativa, o tipo de relação profissional anteriormente encontrada nessas casas, que era a do profissional contratado para função de assessoria de imprensa.

Para ele, os valores-notícia desse ramo autônomo do jornalismo político derivam dos princípios constitucionais do Art. 37 da Constituição Federal de 1988, estabelecido para toda a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A rotina é norteada por princípios como “fornecer diretamente ao cidadão informações isentas, claras e objetivas, de caráter plural e respeitando a diversidade social, econômica e cultural da sociedade” (Freitas, 2020, p.87).

Nessa mesma direção, Barros, Bernardes e Lemos (2008) apontam critérios de noticiabilidade específicos do jornalismo das casas legislativas que complementam os parâmetros empregados pela imprensa comercial, como matérias legislativas de caráter institucional:

as deliberações da Mesa Diretora, das comissões permanentes, os pronunciamentos de líderes, os debates em Plenário e nas comissões técnicas, a exemplo de votação de projetos de leis, seminários e audiências públicas. Assim, enquanto a mídia privada informa apenas o resultado de algumas votações avaliadas como de grande impacto social, e concentra a cobertura do Parlamento nas disputas por maioria, os veículos institucionais transmitem informação a respeito de todo o processo de tramitação de um projeto de lei, por exemplo, desde a sua apresentação pelo parlamentar, passando pelas alterações realizadas por meio de emendas e substitutivos em cada uma das comissões onde a matéria é analisada, até a aprovação definitiva ou rejeição. (Barros et al, 2008, p.16-17).

Barreto (2019) também vai ressaltar a intermediação qualificada entre o parlamento e a sociedade feita por profissionais, a partir do ritmo próprio do legislativo.

“O que se vê é justamente resistência e permanência dos ritos, normas e ritmos do Parlamento, que não se adequam aos padrões estéticos e narrativos costumeiros da televisão comercial. É como se, através de uma “parlamentarização da mídia”, as emissoras procurassem apresentar os telespectadores a este universo, em que as discussões políticas e a tramitação de projetos não se “encaixam” em matérias de dois minutos, com um lado contra e outro a favor” (Barreto, 2019, p. 40).

Por fim, o conceito de jornalismo legislativo apresenta-se como o mais próximo e apropriado ao jornalismo exercido pelas casas legislativas. Opera com foco editorial no registro dos fatos relevantes no contexto do processo político legislativo e tem o compromisso com a pluralidade inerente a tais casas, cuja composição visa expressar a diversidade política da sociedade brasileira.

Ainda assim, é preciso registrar a dupla natureza das mídias legislativas: a descrita pelo jornalismo legislativo, mas também a de ser porta-voz da instituição, uma vez que estão vinculadas às mesas diretoras dos parlamentos. Parte das responsabilidades destas emissoras diz respeito à sua função de comunicação institucional, o que não é demérito, se exercida com critérios técnicos pré-estabelecidos, de forma transparente e de acordo com os princípios constitucionais do Art. 37 (Brasil, 1988), atendendo de fato ao interesse público.

Ou seja, ambas as atividades podem conviver, desde que suas definições e delimitações estejam devidamente demarcadas, o que pode ser feito por um projeto editorial jornalístico que defina, pelo menos, o escopo do jornalismo legislativo. Esse aspecto é especialmente importante destacar neste trabalho porque a avaliação de qualidade editorial com foco na gestão pode ser um primeiro passo para a afirmação desse modelo esboçado por Freitas, a fim de delimitar fronteiras claras entre o trabalho jornalístico e a comunicação institucional.

Para o processo de avaliação de qualidade realizado nesta pesquisa, o jornalismo legislativo das emissoras legislativas deveria ser explicitado em sua concepção editorial, com instrumentos de gestão capazes de estabelecer as melhores práticas, a fim de perseguir os objetivos legais do serviço público e éticos da atividade jornalística que se propõe realizar. Para isso, contudo, depende que a TV Legislativa cumpra também sua missão de TV pública, resguarde adequadamente o campo do jornalismo de injunções indevidas e opere a assessoria de comunicação nos limites das ações legítimas de caráter institucional do parlamento.

2 – Avaliação de qualidade como instrumento de accountability

A atividade jornalística experimenta o desenvolvimento recente de instrumentos de controle e monitoramento de sua qualidade editorial. Exigência de um contexto tecnológico no qual há abundância de informações, cuja qualidade não é proporcional à sua disponibilidade. A proliferação de fake news é um desses sintomas mais evidentes.

Importantes iniciativas internacionais, como o The Trust Project (2023), Journalim Trust Initiative (Reporters Without Borders, 2021) e News Guard (2023), estão em atividade e têm alcançado alguma inserção no mercado jornalístico. The Trust Project recomenda a adoção de boas práticas e concede a Trust Mark a veículos que as adotam. Journalism Trust Initiative desenvolveu indicadores, recomenda a autoavaliação das organizações e, mediante auditoria externa, concede a certificação de conformidade. News Guard produz uma avaliação, com base em indicadores e escala de pontuação próprias, e concede um selo verde a organizações que cumprem satisfatoriamente seus padrões.

No Brasil, que inclusive tem veículos avaliados pelo The Trust Project, existem trabalhos acadêmicos que se dedicaram à construção de indicadores e à realização de avaliação, a fim de mensurar os níveis de adoção de boas práticas de gestão editorial por produções jornalísticas. Träsel, Lisboa e Reis (2018) realizaram uma avaliação, a partir de uma escala própria, sobre a presença dos indicadores propostos pelo The Trust Project, em 23 veículos jornalísticos de diferentes perfis. Constaram que apenas quatro conseguiam pontuação superior a 50% dos pontos possíveis.

Outros dois trabalhos, que empregaram o sistema Q-Avalia para operacionalizar a avaliação e aplicaram indicadores semelhantes, mas não idênticos, constataram que nenhum veículo brasileiro superou a Faixa B, e a maioria se enquadrou na Faixa C, que sinaliza uma adoção incipiente de boas práticas. Rothberg e Garrido (2019) avaliaram 42 veículos brasileiros e britânicos, dos quais apenas quatro, britânicos, conseguiram atingir a Faixa A de pontuação. Dos brasileiros, dois atingiram a faixa B, 15 a faixa C e oito a faixa D. Guerra (2020) avaliou seis veículos brasileiros, dos quais nenhum atingiu a faixa A, dois, a faixa B e quatro, a faixa C.

Essas avaliações, apontam os diferentes níveis de comprometimento dos veículos com a qualidade. Visam identificar não só em que medida as organizações jornalísticas apresentam instrumentos de controle editorial (accountability), mas também como comunicam isso à sua audiência e à sociedade (transparência).

No caso de emissoras públicas, como as do Legislativo, enquanto transparência refere-se “à maior disponibilidade de informações, com as quais o público pode julgar o valor adicionado pelas capacidades estatais de implementação de políticas e serviços”, accountability “significa o processo da plena responsabilização dos agentes públicos, envolvendo a atuação de instituições que controlem a atuação de demais instituições e que sejam empoderadas para responsabilizar, julgar e punir os agentes públicos em caso de descaminho do interesse público (Filgueiras, 2018, p. 81).

Historicamente, o jornalismo promove a accountability em relação a outras instituições (Kovach & Rosentiel, 2001; McQuail, 2013). No caso do jornalismo legislativo, ao oferecer visibilidade dos trabalhos do parlamento, constitui uma ação que permite à sociedade acompanhar e monitorar os trabalhos dos parlamentares e partidos políticos. Mas, há também a situação na qual o próprio jornalismo é objeto de accountability, ou media accountability, “processo voluntário ou involuntário pelo qual a mídia responde direta ou indiretamente à sociedade e àqueles diretamente afetados pela qualidade e/ou consequência de sua publicação” (McQuail, 2010, p.207, tradução nossa).

McQuail (2013) define dois modelos de accountability: o ‘liability’ e o ‘answerability’. O primeiro é de base legal, impositiva, conforme legislação existente; o segundo é voluntário em relação aos interesses das pessoas afetadas pela publicação, cujo foco é justificar condutas que sofreram contestação por meio de argumentos racionais.

No caso das TVs Legislativas, ambos os modelos se aplicam: a legal, enquanto integrante da estrutura da administração pública, para quem o accountability é imperativo nos termos da lei e da CF; e a voluntária, enquanto emissora que se propõe fazer jornalismo, pois como não há regulação específica para atividade no Brasil, os instrumentos de accountability tornam-se fator diferencial e estratégico na relação de confiança com seu público. O primeiro define princípios de conduta geral dos quais derivam, de modo aplicado à comunicação, o segundo.

No âmbito da responsabilidade imposta, a TV Legislativa, enquanto pertencente ao Poder Legislativo, deve obedecer aos princípios constitucionais elencados no caput do Art. 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Brasil, 1988). O princípio da publicidade está diretamente relacionado às atribuições da comunicação pública (Meirelles, 2016, p.101; Brasil, 1988). Além disso, vincula-se também ao estabelecido no Art. 221 da Comunicação Social que trata dos princípios que devem nortear a programação de emissoras de rádio e televisão, como a preferência por “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, entre outros.

Já em âmbito infraconstitucional, a Lei de Acesso à Informação, lei nº 12.527 (Brasil, 2011), regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do Art. 5º, no inciso II do § 3º do Art. 37 e no § 2º do Art. 216 da Constituição Federal. O seu art. 3º estabelece que os procedimentos previstos na Lei têm o objetivo de, entre outras ações, “assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública” (Brasil, 2011)

Ao promover instrumentos que possibilitem a transparência e o accountability, as TV’s Legislativas cumprem uma obrigação constitucional. Ao serem parte da estrutura de Estado e custeadas com verba pública, a adoção desses instrumentos não é opcional. Porém, as diretrizes legalmente postas são aplicáveis à administração pública em geral, e não dão conta das especificidades de atuação de uma emissora pública legislativa em suas atividades de cunho jornalístico.

Por essa razão, faz-se necessário que adotem também a responsabilidade autoatribuída, especificando, naquilo que for aplicável, as responsabilidades obrigatórias de caráter geral às especificidades das diretrizes jornalísticas da emissora. Ou seja, que das obrigações legais como emissora pública se desdobrem parâmetros voluntários – porque não exigidos legalmente – para o jornalismo praticado por ela. Dessa forma, será possível que as TV’s Legislativas atendam não apenas o accountability enquanto promotora da visibilidade de um poder público, mas também o media accountability enquanto instituições jornalísticas. Neste caso, incorporar as responsabilidades do jornalismo às especificidades do jornalismo legislativo, da comunicação pública e dos princípios constitucionais da administração pública e da comunicação social.

Neste trabalho, o instrumento de accountability empregado para monitorar o desempenho editorial do jornalismo praticado pela TV’s legislativas é a avaliação de qualidade. Ainda que academicamente haja uma ampla literatura sobre o tema, não se tem ainda um modelo ou método suficientemente elaborado e aplicado regularmente em empresas de mídia, sejam elas públicas ou privadas. Modelos como The Trust Project, Journalismo Trust Initiave ou Guard News são promissores, mas ainda não estão consolidados. Por este motivo, este trabalho adota uma proposta em desenvolvimento no âmbito do Qualijor, cuja implementação se dá pelo software Q-Avalia, a fim de contribuir com o desenvolvimento e consolidação de uma proposta metodológica já trilhada por Rothberg e Garrido (2019) e Guerra (2020).

Nessa proposta, a avaliação de qualidade jornalística é estruturada em três dimensões: gestão editorial, processos e produtos, conforme já destacado. Essa estrutura inspira-se na abordagem estratégica da qualidade (Paladini, 2005; Guerra, 2010), que concebe a qualidade como um esforço que abrange toda a estrutura organizacional, numa perspectiva temporal de longo prazo. Embora qualidade, em sentido estrito, seja o grau no qual um produto atende a requisitos para ele especificados (ABNT, 2015), a eficácia dos processos organizacionais em entregar um produto qualificado requer um amplo planejamento e controle da produção, que envolve toda a organização. A gestão editorial, objeto da presente avaliação, é uma dimensão da qualidade que diz respeito à predisposição dos gestores dessas organizações em fazer valer os compromissos e as condições estruturantes para uma relação transparente e “accountable” com a sociedade.

Sobre esse aspecto, Suárez (2007) afirma que jornalistas dificilmente podem fazer um jornalismo de qualidade se sua organização não o apoia nem oferece suporte às suas tarefas. De la Torre e Téramo (2007) também destacam essa responsabilidade gerencial sob a perspectiva estratégica, pois a adoção de um sistema de gestão da qualidade que leve em conta padrões testados deveria ser uma decisão tomada pelas altas gerências diretivas da organização jornalística.

A gestão dos processos editoriais é um elemento chave para uma política de qualidade, pois vai indicar os requisitos de qualidade com os quais a organização está comprometida, assim como apontar os instrumentos e os meios existentes para se atingi-los. Sem a clareza desses elementos, a equipe de produção jornalística não tem as devidas referências de orientação e em consequência a segurança acerca dos procedimentos a cumprir e dos resultados a entregar.

3 – Métodos e resultados

O objetivo da avaliação foi produzir um diagnóstico inicial sobre o grau de adesão de boas práticas de gestão editorial das TV’s legislativas em relação à sua produção jornalística. Ainda que essas emissoras tenham uma produção de conteúdo diversificada, a avaliação de qualidade experimental foi aplicada a um conjunto de requisitos e indicadores relativos à gestão editorial accountable dessa atividade.

Para isso, contudo, a avaliação teve como ponto de partida o principal produto jornalístico das emissoras, pois a audiência e a sociedade constituem uma relação com elas a partir dos seus produtos. Por isso, a premissa que norteou a avaliação é que, por meio do telejornal avaliado, deveriam constar informações capazes de levar os telespectadores a acessar os instrumentos de accountability e transparência disponibilizados.

Para esta pesquisa, apenas emissoras que produziam telejornais no período da avaliação foram selecionadas. Com o recorte definido, restou um corpus de 16 telejornais. Ficaram de fora as emissoras legislativas de 13 estados – Acre, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rondônia e Tocantins – por possuírem apenas programação reprodutiva quando da coleta dos dados ou, em possuindo programação extensiva, não continham em sua grade de programação um telejornal.

A análise teve como ponto de partida uma edição de cada telejornal, porque as informações que interessam à pesquisa são ou deveriam ser um padrão presente em toda edição. Foram escolhidos os telejornais exibidos no dia 5 de julho de 2021, disponíveis nas páginas do Youtube de cada emissora. Caso a edição dessa data não estivesse disponível, passava-se à edição posterior ao dia 5, prioritariamente, ou anterior, caso falhasse também a segunda opção. Eventuais ausências decorriam do recesso nas emissoras, acompanhando o recesso parlamentar de julho.

A partir da análise do telejornal, eram identificados links ou informações que remetessem a páginas ou redes sociais dos veículos, as quais poderiam conduzir às informações requeridas para a avaliação dos indicadores. Na prática, simulava-se o mesmo percurso que poderia ser feito por um telespectador interessado em conhecer mais sobre a gestão editorial das TVs legislativas, bem como em ter acesso aos seus instrumentos de transparência e media accountability.

Em síntese, o percurso inicial se deu a partir de cada produto jornalístico avaliado, seguindo para os canais oficiais na web, indicados (ou não) por este produto, nos quais fosse possível identificar cada indicador de qualidade estabelecido.

Para a escolha dos indicadores de avaliação, algumas etapas foram cumpridas. A primeira foi a definição de 15 indicadores iniciais de gestão editorial, elencados a partir da revisão de literatura e aplicáveis principalmente às emissoras de caráter público. Em seguida, esses indicadores foram submetidos à validação de profissionais com experiência em gestão na área de jornalismo de TV Legislativa (diretor, gerente, chefe de redação ou afins), por meio da aplicação de um questionário1 (online com perguntas fechadas, predominantemente). Esse movimento objetivou chancelar os indicadores como relevantes para a avaliação pretendida. Ou seja, além da equipe de pesquisa, gestores qualificados e experientes foram chamados a mensurar sua importância para avaliar o compromisso das emissoras com boas práticas de gestão editorial.

No questionário, foi perguntada a opinião dos profissionais sobre o grau de importância dos indicadores para promover uma gestão editorial voltada para qualidade jornalística em emissoras legislativas. Para cada um dos 15 indicadores, as respostas, conforme padrão da escala Likert, variavam de “nada importante” e “pouco importante” a “importante” e “muito importante”. Foram obtidos 16 questionários respondidos, representativos de todas as regiões do país. Os 10 indicadores mais bem avaliados foram utilizados como parâmetros para a investigação proposta por esta pesquisa, a saber: 1) política editorial, 2) código de ética jornalística, 3) planejamento de conteúdo, 4) manual de redação, 5) sistema de avaliação de qualidade editorial, 6) procedimentos para verificação de erros, 7) programa de qualificação profissional, 8) canal de interação, 9) formação de telespectadores e 10) acesso sob demanda dos conteúdos veiculados.

Ficaram de fora os indicadores identificação de gestores e profissionais, conselho editorial, canal regular para acolhimento e processamento de demandas editoriais provenientes da audiência e da sociedade, monitoramento de pesquisas científicas e controle externo. Destaca-se que os itens excluídos apontam para um olhar externo sobre a organização, o que pode identificar um viés comum da cultura jornalística de rejeição a instrumentos fiscalizadores que saiam da esfera do controle profissional dos próprios produtores de conteúdo.

O conjunto final de indicadores, organizados pelos requisitos que pretende avaliar e as categorias que definem eixos de atuação, estão detalhados no Quadro 1.

Quadro 1- Requisitos e indicadores de qualidade editorial

CATEGORIA

REQUISITO

INDICADOR

DESCRIÇÃO DO INDICADOR

  1. Compromissos de nível estratégico

1.1- Planejamento, compromissos públicos e transparência institucional

1.1.1- Política editorial

Documento que estabeleça os princípios editoriais, declaração de valores institucionais ou declaração de valores editoriais e afins que deverá nortear a produção jornalística da organização.

1.1.2- Código de ética jornalística

Documento próprio ou declaração de subscrição a um código de referência que estabeleça os parâmetros éticos em que devam se pautar as decisões, relações e ações da produção jornalística da organização.

  1. Produção, avaliação e melhoria de desempenho

2.1- Instrumentos de orientação da produção e de avaliação de desempenho

2.1.1- Manual de redação

Documento com orientações sobre normas e procedimentos operacionais que guiam a elaboração dos conteúdos.

2.1.2- Planejamento de Conteúdo

Identificação de um escopo de temas que serão necessariamente cobertos por serem considerados prioritários na agenda pública, com orientações sobre suas respectivas abordagens.

2.1.3- Sistema de avaliação de qualidade editorial

Adoção de instrumentos ou sistema que possibilite a aferição objetiva da qualidade da produção a partir de um conjunto de indicadores de desempenho.

2.1.4- Procedimentos para verificação de desconformidades

Iniciativas internas para autocorreção, a fim de evitar desconformidades, como controle de erros, garantia de contraditório (direito de resposta), atualização de conteúdo e disponibilização de formulário na web para relato de erro/solicitação de correção.

2.1.5- Programa de qualificação profissional

Investimento regular na qualificação profissional dos servidores por meio de programa institucional, seja internamente – a exemplo de promoção de workshops ou de treinamentos de caráter continuado, ou externamente – como política de investimento para participação em cursos técnicos ou acadêmicos.

  1. Audiência e sociedade

3.1– Engajamento e relacionamento com o telespectador

3.1.1- Canal de interação e participação dos telespectadores

Oferta de espaços por meio dos quais seja possível discutir e interagir sobre as notícias e programações veiculadas, a exemplo de perfis em mídias sociais, com procedimentos de feedbacks específicos para o meio digital.

3.1.2- Formação e qualificação de telespectadores

Desenvolvimento de programa, ações ou iniciativas regulares de literacia midiática que contribuam para a construção de um pensamento crítico da própria audiência sobre a informação que é produzida, consumida ou reproduzida pelas mídias. A formação e qualificação de telespectadores é voltada para a compreensão da lógica e dos valores jornalísticos, para que, a partir dessa compreensão, a sociedade seja dotada de capacidade para, de forma autônoma, cobrar e fiscalizar a responsabilização da mídia. Exemplo: promoção de fóruns de discussão, realização de oficinas de criação de conteúdo de mídia, existência de espaço na programação da emissora que seja destinado à discussão sobre os conteúdos de mídia, programa de visita à redação.

3.1.3- Acesso sob demanda dos conteúdos veiculados

Disponibilização on demand na web do conteúdo exibido na emissora.

Elaboração: Os autores.

Cada indicador foi avaliado a partir de três subindicadores, conforme o Quadro 2. A nota final do indicador resulta de média das três notas de cada subindicador.

Quadro 2 - Subindicadores de qualidade editorial

SUBINDICADOR

DESCRIÇÃO

Existência

O item existe e atende aspectos básicos da descrição do indicador?

Conteúdo

O indicador apresenta características definidas pelo escopo da avaliação (quanto mais itens contemplar, mais satisfatório é)?

Acesso

O acesso público ao indicador é facilitado pela produção avaliada?

Fonte: Guerra, 2020 (adaptado para a presente pesquisa).

Para fins de avaliação, cada indicador dispõe de um padrão específico (detalhado no sistema Q-Avalia), cuja atribuição de pontos e respectiva faixa de desempenho obedece a uma escala de 0 a 100 (Quadro 3).

Quadro 3 - Padrão de conceitos e notas para avaliação de qualidade editorial

Resultado

Padrão de Desempenho

Notas

Pontos

X

100

(96-100)

EXCELENTE - Desempenho superior em relação ao padrão existente no instrumento de avaliação.

A

A+

95

(90-95)

MUITO BOM – Conjunto de instrumentos consolidados, em nível próximo da excelência.

A

85

(80-89)

MUITO BOM – Conjunto de instrumentos consolidados.

A-

75

(70-79)

MUTO BOM – Conjunto de instrumentos consolidados, mas em nível inferior à média dos veículos de mesma nota.

B

B+

65

(60-69)

BOM – Conjunto de instrumentos em grau parcial de implementação, mas próximo à faixa A.

B

55

(50-59)

BOM – Conjunto de instrumentos em grau parcial de implementação.

B-

45

(40-49)

BOM – Conjunto de instrumentos em grau parcial de implementação. mas em nível inferior à média dos veículos de mesma nota.

C

C+

35

(30-39)

REGULAR – Conjunto de instrumentos em nível iniciação de implementação, mas próximo à faixa B.

C

25

(20-29)

REGULAR – Conjunto de instrumentos em nível iniciação de implementação.

C-

15

(11-19)

REGULAR – Conjunto de instrumentos em nível iniciação de implementação, mas em nível inferior à média dos veículos de mesma nota.

D

D+

10

(06-10)

RUIM – Há indícios de práticas associados ao item avaliado, insuficientes, porém para a nota C.

D

05

(02-05)

RUIM – Não tem elementos satisfatórios para alcançar avaliação superior.

D-

01

RUIM –Não há meios que permitam realizar a avaliação por ausência ou indisponibilidade pública de informações.

Conhecidos os parâmetros gerais do processo de avaliação, no tópico seguinte serão apresentados os principais resultados.

4 – Análise de resultados

Os resultados são apresentados em duas escalas: absoluta, cuja pontuação tem como referência as exigências do instrumento de avaliação da pesquisa; e proporcional, cuja referência é uma nota fictícia denominada Melhor Possível, resultante das melhores notas de cada subindicador, que se convertem em 100 pontos2. As notas absolutas são então recalculadas proporcionalmente. Na escala proporcional, o padrão de desempenho é o que de melhor existe implantado no conjunto das emissoras avaliadas, enquanto na escala absoluta o padrão é definido pelo nível de exigência proposto pelos pesquisadores.

O resultado da avaliação apontou um cenário de pouca transparência e adoção de boas práticas de gestão editorial nas emissoras legislativas avaliadas em relação à sua produção jornalística. A nota média do conjunto das emissoras foi, na escala absoluta, foi 17 (C-) e, na escala proporcional, 28 (C), ambas muito distantes da emissora que liderou o ranking, evidenciando a lacuna que há entre esta e o grupo majoritário de emissoras legislativas.

Na escala absoluta, apenas uma emissora, a TV Senado, obteve a faixa B de pontuação, que indica um conjunto de instrumentos parcialmente consolidados. Três indicadores, Programa de Qualificação Profissional, Procedimentos para Verificação de Desconformidade e Formação e Qualificação de Telespectadores não foram identificados em nenhuma emissora, o que, no caso da TV Senado, comprometeu certamente seu desempenho para atingir a nota A. A emissora não chegou a contemplar 60% da pontuação máxima absoluta, ainda assim apresentou uma pontuação maior que o dobro da emissora segunda colocada, porque obteve notas sempre acima de 80 pontos em cinco indicadores dos sete indicadores bem avaliados (obteve 51 e 71 nos outros dois).

A TV Câmara atingiu a faixa C, com um conjunto de instrumentos em fase inicial de implementação. É seguida por doze emissoras que alcançaram o estrato C–, que indica um grau inicial de implementação, mas ainda abaixo do padrão atingido pela TV Câmara. E duas emissoras não conseguiram sair da faixa D, na qual há apenas indícios de alguns instrumentos, mas em nível insuficiente para se atingir a faixa C.

Na escala proporcional, a TV Senado se destaca como aquela que atinge a excelência, representada pela nota X. Teve a melhor pontuação em todos os indicadores e em 25 subindicadores de 30 avaliados, incluindo três indicadores que nenhuma emissora apresentou (receberam nota 1, a menor nota aplicada pelo sistema Q-Avalia. No caso da avaliação proporcional, o 1 torna-se a nota de referência 100, e sinaliza a pouca relevância do indicador para as práticas existentes. Nesse sentido, não os ter não configura um problema, segundo a lógica da avaliação proporcional.

A TV Câmara surge novamente em segundo, mas sobe para a faixa B de pontuação, em parte por ter obtido as melhores notas em seis subindicadores, dos quais quatro empatados com a TV Senado3. As demais emissoras subiram um estrato na avaliação, de C- para C, o que aponta a distância que as separa da emissora líder. Todas as notas podem ser conferidas nas Tabela 1 e 2.


Tabela 1 - Ranking Q-Avalia de 16 emissoras legislativas brasileiras

Elaboração: os autores.

No balanço dos 10 indicadores de qualidade utilizados como parâmetro neste trabalho, a maioria das emissoras parlamentares, 81,25%, atendeu a apenas dois (Canal de Interação e Participação do Telespectador e Acesso sob Demanda de Conteúdos Veiculados); uma única emissora (6,25%), a TV Alba, atendeu a três indicadores (Política Editorial mais os dois indicadores contemplados por todas); uma emissora (6,25%), a TV Câmara, atendeu a quatro indicadores (Manual de Redação, mais os três contemplados pela TV Alba; e uma emissora (6,25%), a TV Senado, atendeu a sete indicadores (os mesmos da TV Câmara, mais os indicadores Código de Ética, Planejamento de Conteúdo e Sistema de Avaliação). Todos os indicadores acima foram contemplados em diferentes graus de desempenho pelas emissoras avaliadas (Ver Tabela 2).

Tabela 2. Desempenho por indicador das emissoras legislativas

Desempenho por indicador das emissoras legislativas

No quadro geral de resultados, constata-se que o cenário na esfera federal consegue ser superior quando comparado à esfera estadual, já que os dois primeiros colocados do ranking são emissoras vinculadas ao poder legislativo do Congresso Nacional. Esse resultado pode se justificar pelo fato de serem duas das três pioneiras em operação no país, o que poderia apontar um grau de maturidade maior sobre a compreensão e identificação da necessidade de dispor desses instrumentos de accountability e transparência.

Também o fato de serem emissoras de alcance e interesse nacional, o que enseja naturalmente maior visibilidade e em consequência maior cobrança quanto à disponibilização de recursos que elevem a confiança de sua cobertura. Além disso, ter uma trajetória mais antiga de um corpo profissional composto por jornalistas concursados e com estabilidade, que usufruem de maior independência para bancar padrões técnicos de trabalho, é um diferencial significativo em relação a emissoras estaduais que ainda não conseguiram, em sua maior parte, incorporar esse tipo de política de pessoal.

No geral, contudo, os resultados confirmam a hipótese inicial, ao apontar um quadro geral de baixa adesão a instrumentos de boas práticas de gestão editorial nas emissoras legislativas. Embora não seja possível estabelecer uma relação direta de causa e efeito, a partir dos dados colhidos na avaliação, entre a ausência histórica de instrumentos de controle e consequentemente a ausência de tais práticas nas emissoras, é possível inferir que a inexistência de mecanismos legais ou diretrizes institucionais que apontem para tais práticas torna sua aplicação pouco convidativa, sobretudo, considerados os esforços e exigências que requerem para serem implementadas.

Da mesma forma, é possível inferir que o resultado encontrado não reflete com exclusividade o cenário das TV’s Legislativas, antes tende a confirmar um cenário profissional e organizacional que afeta o jornalismo no Brasil. Não obstante um conjunto de indicadores que não são exatamente iguais, embora tenham similar escopo, o resultado apresentado neste artigo não difere muito do cenário de empresas privadas, cujo desempenho, em sua maior parte, não ultrapassou a faixa C de desempenho, conforme avaliaram Rothberg e Garrido (2019) e Guerra (2020). A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), vinculada ao Poder Executivo, com o Repórter Brasil, na avaliação de Guerra (2020), assim como a Folha de S. Paulo, contudo, obtiveram a Faixa B de pontuação, constituindo-se em exceções tal como a TV Senado.

Considerações finais

Apesar de terem sido criadas para dar transparência às atividades parlamentares, a avaliação de qualidade com base na adoção de boas práticas de gestão editorial apontou que faltam instrumentos às TV’s legislativas que garantam transparência em relação à sua própria atividade no que diz respeito ao jornalismo legislativo que praticam.

Ao longo de sua trajetória, as TV’s legislativas foram ampliando o seu escopo e elevando seus níveis de capilaridade, desde o parlamento federal até as câmaras municipais. Nesse período, apesar de serem emissoras públicas e sujeitas aos instrumentos de accountability e publicidade previsto na legislação pertinente, não se constatou no âmbito da atividade jornalística nelas realizada uma concepção editorial que incorporasse instrumentos dessa natureza para balizar sua atuação.

As reflexões trazidas ao debate neste artigo sugerem a necessidade de que tais emissoras promovam boas práticas de gestão editorial no âmbito do jornalismo que produzem, como uma extensão voluntária das exigências legais que têm de cumprir como órgãos públicos, sujeitos aos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e transparência. Tal movimento, ainda que difícil pelas relações internas resultantes do protagonismo das forças políticas que controlam essas casas, pode ser possível quando associada a uma estratégia de fortalecimento da imagem institucional do parlamento (Melo, 2014; Barros et al, 2008; Freitas, 2020).

Sobre os resultados da avaliação, duas ponderações são necessárias: 1) esta pesquisa retrata o momento observado, dentro do recorte estabelecido; não é conclusiva, muito menos extensiva a outros fenômenos observáveis em uma TV legislativa, e se trata de um primeiro diagnóstico, que pode vir a ser comparado com diagnósticos futuros, a fim de se construir uma série histórica; 2) os resultados da avaliação das emissoras legislativas não destoam dos resultados produzidos por avaliações que se dedicaram a emissoras comerciais, o que é um atenuante para o resultado apresentado, mas um alerta para o quadro geral de baixa adoção de boas práticas de gestão editorial nas organizações jornalísticas brasileiras, construído pelas recentes avaliações realizadas.

Sobre o método empregado para produzir o diagnóstico, o uso de indicadores de boas práticas, associados a subindicadores de existência, conteúdo e transparência, com base numa escala alfa numérica, os resultados apontam uma boa capacidade de mensuração dos indicadores e satisfatória gestão do processo de avaliação pelo sistema Q-Avalia. O uso do método e do sistema pela pesquisa teve por objetivo acumular experiência no domínio de procedimentos, da operacionalização e de indicadores, a ser considerado em etapas futuras de teste e validação desse instrumento de avaliação de qualidade jornalística.

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1 Questionário realizado a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Pesquisa registrada no Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 39772820.8.0000.5546).

2 As maiores notas absolutas são convertidas em 100 e tornam-se referência para a conversão das demais notas absolutas em proporcionais, seguindo o cálculo de uma regra de três simples.

3 Liderou sozinha no subindicador Acesso nos indicadores Política Editorial e Canal de Interação e Participação do Telespectador; e empatada nos subindicadores Existência e Conteúdo nos indicadores Manual de Redação e Acesso sob Demanda de Conteúdos Veiculados.