Intertextualidade nas crônicas jornalísticas da pandemia da covid-19 no Brasil

Intertextuality in the journalistic chronicles of the covid-19 pandemic in Brazil

Intertextualidad en las crónicas periodísticas de la pandemia de covid-19 en Brasil

Glynner Freire Brandão Costa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

E-mail: glynnerb@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0009-0004-8368-9225

Adriano Charles da Silva Cruz

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

E-mail: adrianocruzufrn@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2085-302X

DOI: https://doi.org/10.26807/rp.v27i118.2066

Resumo

Este trabalho tem por objetivo identificar a produção científica sobre as crônicas jornalísticas no Brasil, especificamente no que se refere à intertextualidade, tendo como pauta a pandemia da covid-19. O método consiste em um estudo quantitativo, integrativo, descritivo e informativo de artigos e livros de crônicas disponibilizados na íntegra, de forma gratuita, em Língua Portuguesa, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), no Google Acadêmico e nas plataformas SciELO e Capes. Com esta pesquisa integrativa, o que se pôde constatar é que as crônicas da pandemia (jornalísticas e literárias) foram estudadas em apenas seis artigos científicos, de um universo amostral de 882 trabalhos analisados (2020-2023). Dois livros de crônicas também discutiram o assunto. A intertextualidade foi abordada, e somente tangencialmente, em três pesquisas, nenhuma delas de pesquisadores brasileiros, o que indica lacunas científicas. Outrossim, as crônicas jornalísticas ecoam os sentidos da pandemia e são instrumentos textuais de representação da realidade. Os descritores usados na busca foram “Crônicas da pandemia”, “Crônica jornalística e pandemia e intertextualidade”, “Crônicas da covid-19” e “Jornalismo literário e covid-19”.

Palabras chave: Crônica jornalística. Pandemia da covid-19. Intertextualidade. Pesquisa integrativa.

Abstract

This article aims to identify the scientific production on journalistic chronicles in Brazil, specifically with regard to intertextuality, with the covid-19 pandemic as agenda. The method consists of a quantitative, integrative, descriptive and informative study of articles and books of chronicles available in full, free of charge, in Portuguese, in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD), Google Scholar and SciELO and Capes platforms. With this integrative research, what could be seen is that the pandemic chronicles (journalistic and literary) were studied in only six scientific articles, from a sample universe of 882 papers analyzed (2020-2023). Two books of chronicles also discussed the subject. Intertextuality was approached, and only tangentially, in three studies, none of them by Brazilian researchers, which indicates scientific gaps. Moreover, journalistic chronicles echo the senses of the pandemic and are textual instruments of representation of reality. The descriptors used in the search were “Chronicles of the pandemic”, “Journalistic chronicle and pandemic and intertextuality”, “Chronicles of covid-19” and “Literary journalism and covid-19”.

Keywords: Journalistic chronicle. Covid-19 pandemic. Intertextuality. Integrative research.

Resumen

Este trabajo tiene por objetivo identificar la producción científica sobre las crónicas periodísticas en Brasil, específicamente en lo que se refiere a la intertextualidad, teniendo como agenda la pandemia de la covid-19. El método consiste en un estudio cuantitativo, integrativo, descriptivo e informativo de artículos y libros de crónicas disponibles en su totalidad, de forma gratuita, en Lengua Portuguesa, en la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones (BDTD), en Google Académico y en las plataformas SciELO y Capes. Con esta investigación integrativa, lo que se pudo constatar es que las crónicas de la pandemia (periodísticas y literarias) fueron estudiadas en solo seis artículos científicos, de un universo muestral de 882 trabajos analizados (2020-2023). Dos libros de crónicas también discutieron el asunto. La intertextualidad fue abordada, y solo de manera tangencial, en tres investigaciones, ninguna de ellas de investigadores brasileños, lo que indica brechas científicas. Asimismo, las crónicas periodísticas hacen eco de los sentidos de la pandemia y son instrumentos textuales de representación de la realidad. Los descriptores usados en la búsqueda fueron “Crónicas de la pandemia”, “Crónica periodística y pandemia y intertextualidad”, “Crónicas de la covid-19” y “Periodismo literario y covid-19”.

Palavras-clave: Crónica periodística. Pandemia de covid-19. Intertextualidad. Investigación integrativa.

Introdução

No momento em que estas linhas são escritas, cerca de 700 mil pessoas perderam a vida para a covid-19 em todo o Brasil, sendo 8.7151 delas no Rio Grande do Norte (RN), no Nordeste brasileiro. São as histórias interrompidas da pandemia. Os dramas humanos, políticos, econômicos, sociais e culturais do RN e do País, em um contexto de Emergência Global em Saúde, foram traduzidos pelos cronistas em seus textos. Em nível mundial, a pandemia do SARS-CoV-2 tem sido estudada em teses, dissertações, trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), artigos científicos e livros.

Em Natal, capital do Rio Grande do Norte, é certo dizer que, pelo menos, seis jornalistas escreveram crônicas2 sobre a pandemia da covid-19: Vicente Serejo (Diário da quarentena, no jornal Tribuna do Norte); Glynner Brandão, quem encabeçou o projeto Crônicas quase reais de um confinado, na Rádio Universitária Natal (88,9 MHz); Tácito Costa (livro Crônicas da quarentena); e Cefas Carvalho, Carolina Villaça e Ana Clara Dantas (textos publicados na Agência Saiba Mais). O Rio Grande do Norte espelhando, pela crônica, o theatrum mundi.

A escrita dos comunicadores no RN refletiu um movimento maior, nacional e global da crônica. São textos escritos “a quente”, acompanhando o imediatismo dos fatos. É o caso do livro O Mar é logo ali: crônicas pandêmicas, da jornalista Ana Clara Garmendia, e da crônica O Vírus somos nós (ou uma parte de nós), da repórter Eliane Brum, publicada no jornal El País, em 25 de março de 2020, exatos 55 dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar o surto do SARS-CoV-2 uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII).

Obras como Crônicas da Peste Mansa (Amadeu Carvalho Homem) e Crônicas de Dias Desleais: ultraneoliberalismo, neofascismo e pandemia no Brasil (Felipe Demier) exploraram o tema sob o viés literário e uma visada histórica, respectivamente.

Diante do grande número de publicações sobre o tema, nossa pesquisa integrativa, de natureza qualitativa e viés descritivo-exploratório, teve por objetivo mapear, especificamente, o estado da produção científica no que se refere à crônica jornalística brasileira3 da pandemia da covid-19, notadamente em relação à categoria teórica intertextualidade (Kristeva, 1968). O método consistiu em um estudo descritivo e informativo de artigos e livros de crônicas disponibilizados na íntegra, de forma gratuita, em Língua Portuguesa, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), no Google Acadêmico e nas plataformas SciELO e Capes. Procuramos entender como, nas crônicas jornalísticas, a pandemia se tornou objeto de pesquisa científica.

Recortamos como tema o conceito de intertextualidade proposto pela pesquisadora franco-búlgara Julia Kristeva, cuja primeira ocorrência é no artigo Le mot, le dialogue et le roman (A palavra, o diálogo e o romance, em tradução livre), de 1967. A psicanalista defende que a palavra (o texto) é um cruzamento de palavras (de textos), ponto de contato em que se lê outra palavra. Tem-se, assim, uma mistura de textos, derivando daí a noção clássica de intertextualidade: “Todo texto se constrói como mosaico de citações. Todo texto é absorção e transformação de um outro texto” (Kristeva, 2005, p. 68). A crítica literária nos chama a atenção, ainda, para a dialética entre os textos, argumentando que “o texto poético é produzido no movimento complexo de uma afirmação e de uma negação simultânea de um outro texto” (Kristeva, 1968, p. 47, tradução nossa).

Dialogando com a intertextualidade temática4 (Koch, Bentes & Cavalcante, 2008) e a intertextualidade intergêneros5 (Fix, 1997), é certo dizer que essas crônicas, independentemente do lugar em que foram escritas, conversam entre si pelo tema e pelas características gerais do gênero. São textos que guardam as memórias desses tempos, o zeitgeist da época, os sentidos mais agudos da pandemia. Pressupomos que a crônica6, por situar-se em uma fronteira porosa, tipicamente híbrida, foi a modalidade textual que melhor traduziu o impacto do vírus na vida das pessoas, fenômeno tido como a maior crise global desde a 2ª Guerra Mundial (1939-1945). Do seu lado, o coronavírus, ignorando as fronteiras geográficas, espraiou-se pelo planeta rapidamente, inspirando as crônicas da pandemia.

Investigar cientificamente esses textos significa lançar luz não só sobre o que foi pauta entre os cronistas, a abordagem dos assuntos e as estratégias textuais acionadas, mas, mais do que isso, compreender um tipo de representação da realidade e a própria complexidade de sentidos que a pandemia ensejou. O exame da intertextualidade, nos seus mais variados tipos, seja “implícita” ou “explícita” (Koch, et al., 2008), seja “das semelhanças” e “das diferenças” (Sant’Anna, 2003), só para citar duas combinações, é um processo útil no tocante à própria interpretação dos sentidos.

Por fim, nosso levantamento mostra-se relevante, também, por uma razão científico-social, haja vista o cronista, pressupõe-se, ter mais liberdade, inclusive de estilo, para denunciar as mazelas sociais e comportamentos humanos heterodoxos. Ao apontar características gerais (temas, enfoques e vácuos de pesquisa), o nosso mapeamento indica novos caminhos que poderão ser percorridos pelos investigadores em observações futuras, tendo a crônica jornalística brasileira sobre a covid-19 como materialidade e a produção de sentidos, eventualmente, como linha de pesquisa e objetivo final.

Referencial teórico

São sete as características basilares da crônica jornalística: fidelidade ao cotidiano, preservando-se, assim, o compromisso com os fatos do dia a dia; teor de crítica social; força narrativa oriunda de elementos circunstanciais; repercussão de fatos inusitados, dos bastidores de um assunto; função diversória; operacionalização entre atualidade e literatura, empregando, em seu intento, técnicas literárias, sem abrir mão da finalidade do jornalismo; e, finalmente, o uso da linguagem coloquial, podendo apresentar ironia, sarcasmo, mordacidade, crítica e emoção (Rey, 2007).

As características apontadas por Rey (2007) vão ao encontro do entendimento de Bahia (2010), que percebe a crônica como um “gênero de prosa apreciado por explorar o coloquial e envolver, na linguagem leve e rica do cronista, a observação dos costumes, a peculiaridade das pessoas, a graça pícara das coisas e o humor original” (Bahia, 2010, p. 106). Embora não seja jornalista de formação, o escritor Luis Fernando Verissimo nos ajuda a aclarar a quarta característica apontada por Rey, ao dizer que, na verdade, ele “não escreve sobre a rotina; escreve sobre uma quebra de rotina, sobre coisas incomuns que acontecem com pessoas comuns e mudam suas vidas, alguma epifania ou paixão” (Verissimo, 2008, p. 32).

Na linguagem, a crônica jornalística carrega traços da escrita direta, objetiva, de fácil compressão, sem que isso, porém, signifique desleixo ao estilo, displicência narrativa ou despreocupação com a elaboração formal. O coloquialismo elaborado encontra terreno fértil nesse tipo de narrativa, podendo contemplar, em aproximação com a literatura, jogos de palavras, reflexões metafísicas, metáforas e, no limite, ritmo e sonoridade. Junte-se a isso, a oralidade, repercutindo os maneirismos da fala, técnica recorrentemente usada para captar a atenção do leitor. Sobre a crônica e a sua linguagem, anote-se, também, que “o humor é fundamental, bem como leveza” (Bender & Laurito, 1993, p. 42), assim como o tom coloquial.

Apesar do flerte direto com a literatura, é imperioso destacar que a crônica jornalística, seja ela analítica, sentimental ou satírico-humorística (Rey, 2007), não deve ser confundida com o conto (presença de enredo, narrador e poucos personagens; delimitação espaço-temporal), o ensaio (julgamento pessoal, análises subjetivas, acastelamento de ideias, problematizações) e com o comentário, embora a crônica possa amalgamar, aqui e ali, uma ou mais características desses gêneros, preservando sua identidade. De novo, a noção de crônica como gênero híbrido se insinua aqui.

A crônica jornalística pode ser tomada como ponto de tensão entre jornalismo e literatura (Guaraciaba, 1987), oscilando como um pêndulo entre os dois polos. Visto por esse ângulo, operaria, assim, em um não-lugar, assumindo uma dupla roupagem, ao mesmo tempo em que não se situaria, justamente pelo seu movimento pendular, em nenhum dos dois polos, exclusivamente. A crônica realiza-se, assim, como um flâneur, um passante, um gênero andarilho, com um pé na literatura, outro no jornalismo. É desse frescor que deriva o seu lado glosador, livre, inovador e humanizado, o que, inclusive, ajuda-a a problematizar o jornalismo que opera em bases industriais, acorrentado às notícias duras (hard news), com pouco ou nenhum espaço para a criatividade dos repórteres. A pesquisadora toma a crônica com um “relato poético da informação” (Guaraciaba, 1987, p. 85) que oscila entre os polos jornalístico e literário. Quando mais próxima do primeiro polo, conformaria sentidos apenas se observada como um “gênero literário jornalístico” e não como um “gênero jornalístico” em si. A divergência com aquilo que Rey aponta é evidente.

Isto é, [a crônica] não existe como gênero jornalístico, embora lide com informações jornalísticas (as da atualidade, do noticiário, o fait-divers), embora apenas se realize numa edição diária e efêmera como o jornal, embora sua linguagem (coloquial) seja jornalística. Mesmo assim, não é um gênero jornalístico. Não participa do ambiente do jornal; escapa ao processo de produção jornalística convencional; independe da formação profissional técnica; não obedece às determinações de tempo e de espaço típicas; foge às regras de interesse informativo convencionalmente estabelecido para o jornalismo (Guaraciaba, 1987, p. 86).

Observe-se que, embora nosso levantamento bibliográfico tenha enfocado a crônica jornalística e suas características, incluímos nas análises, também, pesquisas cujo foco foi a crônica literária, haja vista a interpenetração entre as duas modalidades.

Finalmente, sobre a relação entre textos, anote-se que a autotextualidade (ou intratextualidade) ocorre quando um escritor repercute um texto anterior seu em outro mais recente (Koch, 2008). Já a intertextualidade tipológica refere-se aos tipos de textos (narrativo, descritivo, expositivo, explicativo, injuntivo, preditivo). São a estrutura e a finalidade comunicativa que nos permitem identificar as características predominantes e classificar um texto em uma dessas categorias. Anote-se, ainda, que o détournement consiste - para ser breve -, em produzir um “enunciado possuidor das marcas linguísticas da enunciação proverbial” sem que ele pertença “ao estoque dos provérbios reconhecidos” (Grésillon & Maingueneau, 1984, p. 114, tradução nossa).

Procedimentos metodológicos

O rastreamento foi feito com quatro descritores: “Crônicas da pandemia”, “Crônica jornalística e pandemia e intertextualidade”, “Crônicas da covid-19” e “Jornalismo literário e covid-19”. A busca - na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), no Google Acadêmico e nas plataformas SciELO e Capes -, resultou em 882 lançamentos sobre a covid-19. São artigos científicos, trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), dissertações e teses de várias áreas do conhecimento, além de livros de crônicas. O levantamento foi feito em maio de 2023, contemplando pesquisas em Língua Portuguesa, disponibilizadas em formato digital, na íntegra e de forma gratuita, publicadas entre 2020 e 2023. O exame dos lançamentos pelos títulos, a partir de palavras-chave, resultou no corpus deste artigo: oito trabalhos relacionados ao campo temático das crônicas sobre o SARS-CoV-2 e da intertextualidade.

Dos 882 estudos encontrados nos quatro repositórios, 64 foram mapeados na plataforma SciELO, 226 na BDTD, 244 no Google Acadêmico e 348 na Capes. Interpretando os números, o Google Acadêmico foi o banco de dados mais eficiente no que se refere ao interesse tópico do nosso trabalho. Cinco das oito pesquisas analisadas no artigo foram localizadas nesse sítio eletrônico. Eficiência de 62,5%7. As outras três, ou 37,5% do total, foram mapeadas na base de dados da Capes. Anote-se, também, que a eficiência geral, nas quatro plataformas, foi de 0,9%8. Isso significa que, a cada grupo de 110,2 trabalhos científicos, um tinha relação temática com a nossa pesquisa. Faça-se constar, ainda, que nenhum dos 2909 resultados da SciELO e da BDTD foi estudado neste artigo, haja vista não se enquadrar no recorte de nossa investigação científica.

Outrossim, destaque-se que, apesar das 882 respostas, os trabalhos, em boa dose, tem relação com a área da saúde (Ex.: “doenças crônicas na pandemia”, “cuidados paliativos com doentes crônicos na pandemia”, “doença pulmonar obstrutiva crônica na pandemia”, “fatores de risco associados à morte por covid-19”, “doenças crônicas e uso de medicamentos”, “mulheres em hemodiálise na covid-19”, “doenças crônicas e usos de medicamentos”, “doenças crônicas não transmissíveis na pandemia”), campo do conhecimento alheio à proposta aqui apresentada.

Tabela 1: Detalhamento dos resultados por descritor no Google Acadêmico

Descritor

Resultados

Trabalho(s) analisados

Crônicas da pandemia

5

1

Crônica jornalística e pandemia e intertextualidade

16

2

Crônicas da covid-19

6

010

Jornalismo literário e covid-19

217

2

Fonte: Elaboração própria.

No que se refere ao tipo de revisão de literatura, optou-se pelo método integrativo, observando-se seis etapas: mapeamento do tema/problema, detalhamento dos critérios de inclusão, indicação das informações avaliadas nos estudos, avaliação crítica das pesquisas, interpretação dos resultados e, finalmente, apresentação da revisão (Mattos, 2015). As informações relativas a cada uma dessas fases são apontadas, transversalmente, ao longo das seções do artigo, inclusive na que se segue (Resultados e discussões). Destaque-se que a revisão integrativa “permite a combinação de dados da literatura empírica e teórica que podem ser direcionados à definição de conceitos, identificação de lacunas nas áreas de estudos, revisão de teorias e análise metodológica dos estudos sobre um determinado tópico” (Mattos, 2015, p. 1). Escolhemos a pesquisa integrativa por conta dessas potencialidades e por ela se adequar à proposta de nosso artigo.

Para consolidar os dados, recorreu-se a técnicas descritivas, à pesquisa da pesquisa11 e a procedimentos matemáticos (operações básicas, regra de três e arredondamentos), em franca associação com a pesquisa quantitativa. São processualidades que ajudaram a traduzir o levantamento em números, facilitando a compreensão do cenário atual das pesquisas científicas no que tange, detidamente, ao recorte do artigo.

Tabela 2: Detalhamento do levantamento por plataforma

BDTD

SciELO

Google Acadêmico

Capes

Geral

Descritores

4

4

4

4

412

Resultados

226

64

244

348

882

Trabalhos analisados

0

0

5

3

8

Eficiência

0%

0%

62,5% (5/8)

37,5% (3/8)

0,9% (8/882)

Fonte: Elaboração própria.

Resultados e discussões

Da intertextualidade

As palavras “intertextualidade”, “intertextual” e “intertexto”, isoladamente ou combinadas, foram citadas em três trabalhos do corpus, o que corresponde a 37,5%13 do total. As ocorrências variaram entre três menções, como na pesquisa de Martins (2021a), e cinco lançamentos, na de Francelino (2020). Em Martins (2021b), há outros três registros, além de uma alusão a “hipertexto” e outra a “paratexto”, as únicas referências do corpus a esses dois últimos conceitos. Somadas, foram 11 ocorrências, uma média de 3,66 lançamentos14 nos três trabalhos. No recorte das oito pesquisas científicas analisadas no artigo, a média foi de 1,3715.

Tabela 3: Ocorrências de “intertextualidade”, “intertexto” e “intertextual”

Autor

Ano

Tipologia

Total (ocorrências)

Francelino

2020

Artigo

5 vezes

Martins

2021a

Artigo

3 vezes

Martins

2021b

Artigo

3 vezes

Fonte: Elaboração própria.

No que tange aos autores de intertextualidade, o mapeamento mostrou que foram citadas três pesquisadoras: Pereira (2014), Pinto (2014) e Amossy (2018), todas mulheres, essa última professora emérita da Universidade de Tel Aviv, em Israel.

Tabela 4: Autoras de intertextualidade citadas nos estudos que abordam o conceito

Pesquisadora

Número de estudos em que foi citada

País

Alexandra Guedes Pinto

1

Portugal

Carla Pereira

1

Portugal

Ruth Amossy

1

Romênia

Fonte: Elaboração própria.

O teórico russo Mikhail Bakhtin, o crítico literário Gérard Genette, o semiólogo Roland Barthes e o linguista Patrick Charaudeau, esses três últimos franceses, não foram mencionados nos três trabalhos que discutem a noção de intertextualidade. A obra de Kristeva (1968; 2005) também não foi abordada.

Antes de seguirmos adiante, uma breve retrospectiva histórica do conceito. Em Bakhtin, a intertextualidade era tomada como “translinguística” (Fairclough, 2001). A ideia é criada pela pensadora francesa Julia Kristeva, no fim dos anos 1960, a partir de dois livros de Bakhtin: Problemas da poética de Dostoievski e A obra de François Rabelais, de 1963 e 1965, respectivamente. Em meados dos anos 1970, a intertextualidade assume protagonismo nas análises de Barthes. “Todo texto é um intertexto. Outros textos estão presentes nele, em níveis variados, em formas mais ou menos reconhecíveis” (Barthes, 1974, p. 6, tradução nossa). Com Rifaterre, “a intertextualidade torna-se verdadeiramente um conceito para a recepção (...)” (Samoyault, 2008, p. 25). Finalmente, Genette é o criador da Teoria da transtextualidade (ou transcendência textual do texto), de 1982.

Já de volta, o linguista Dominique Maingueneau (1987; 1997; 2004; 2008) foi citado 11 vezes por Francelino (2020), à margem da intertextualidade, precisamente em discussões sobre meios tipográficos, modalização autonímica, relação entre gêneros do discurso, descrição definida, sátira e modalização. Francelino (2020) também usou a linguista brasileira Ingedore Villaça Koch (2002) como argumento de autoridade, mas em discussões sobre discurso e valor modal do enunciado, sem explorar a visada de Koch sobre intertextualidade.

Dos trabalhos examinados, Martins (2021b) foi quem explorou o conceito com mais profundidade. Ao longo do artigo, a autora recorre às noções de intratextualidade e intertextualidade para analisar as crônicas do Diário da peste, do escritor e professor universitário português Gonçalo M. Tavares. Em uma das passagens, escreve: O “facto é que praticamente todas as obras de Tavares se encontram, cruzam e mesclam nesse Diário da peste” (Martins, 2021b, p. 127). Cerca de 50 escritores, como o brasileiro João Guimarães Rosa, são citados nos relatos de Gonçalo M. Tavares. A interseção dos gêneros, nos textos do escritor português, também é destacada pela autora: “Nestas participações diárias e ininterruptas no jornal Expresso, o leitor acompanha as metamorfoses entre o diário, reportagem, ensaio, documentário, crônica, poesia, epopeia” (Martins, 2021b, p. 127). Assinale-se, ainda, que o nome do artigo, Diário da Peste, de Gonçalo M. Tavares: a (in)sustentável fragilidade do ser, é uma intertextualidade explícita com o romance A insustentável leveza do ser, do tcheco Milan Kundera.

O que se pôde constatar é que Martins (2021a) e Francelino (2020) - Martins com maior ênfase -, abordaram a intertextualidade de forma instrumental, en passant, sem grandes elaborações teóricas. Isso significa que o pesquisador até conhece a ideia, mas não julgou oportuno e conveniente explorá-la de forma estruturada em sua análise. Francelino (2020) também esquadrinhou, em suas análises, a ideia de memória discursiva.

Faça-se constar, ainda, que os três estudos não trabalharam, de forma estruturada, as categorizações de intertextualidade, o que pode ser especialmente importante quando se trata de decifrar os sentidos de um texto. Tome-se como exemplo o uso das modalidades explícita e implícita, que têm mecanismos de operação diferentes junto ao co-enunciador. Conhecer a modalidade ajuda a compreender a escrita, as estratégias e o próprio estilo textual do enunciador. Daí a relevância de categorizar para melhor interpretar a produção de sentidos.

Por último, observe-se que a autotextualidade, a intertextualidade intergênero, a intertextualidade tipológica (descritiva, narrativa, explicativa, injuntiva e preditiva) e o détournement (desvio) foram pouco explorados pelos pesquisadores. Por certo, são lacunas à disposição dos cientistas que queiram tratar da análise intertextual dos enunciados. Deixa-se como recomendação, outrossim, a análise de epígrafes, citações, paráfrases e provérbios, todos conceitos caros à intertextualidade.

Da temática e dos autores analisados

Enfatizando-se, agora, a temática e os autores analisados nos trabalhos, pôde-se constatar uma variada gama de objetos de estudo e enfoques. A palavra “crônica” foi citada nos títulos de seis pesquisas, o que corresponde, em termos relativos, a 75% do corpus. A alteração das rotinas produtivas nas redações jornalísticas, em virtude da pandemia, não foi escrutinada nos estudos arrolados em nosso levantamento.

Igualmente, registre-se que, ao todo, a produção intelectual de nove16 profissionais foi examinada. São cinco cronistas e escritores, um ilustrador, um ativista social, uma jornalista e um humorista, perfazendo um grupo de sete homens e duas mulheres. No tocante à nacionalidade, são seis brasileiros, dois portugueses e um moçambicano.

As crônicas O vírus somos nós (ou uma parte de nós), da jornalista Eliane Brum; Pós-choque, do escritor Luis Fernando Verissimo; Quando a quarentena acabar, do cronista Antonio Prata; e A grande ficha, em algum momento, vai cair, do humorista Gregório Duvivier, foram analisadas por Medeiros & Moura (2021). Os textos foram publicados nos jornais El País, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo entre março e maio de 2020. As pesquisadoras analisam os escritos sob a ótica da responsabilidade enunciativa e da visada argumentativa da crônica jornalística. O plano de texto (cabeçalho, chapéu, título, fonte, negrito, linha fina, fotografia e legenda da foto) também é examinado. “A análise dos dados aponta que nos quatro textos há a presença de instâncias enunciativas - o locutor enunciador primeiro (L1/E1) e os enunciadores segundos (e2), que demonstram a (não) assunção da responsabilidade enunciativa em um jogo de engajamento ou distanciamento pelo dito” (Medeiros & Moura, 2021, p. 264).

O Diário da Peste, do escritor português Gonçalo M. Tavares e inspirado no Diário do ano da Peste, do jornalista inglês Daniel Defoe, é analisado por Martins (2021b). São 90 crônicas publicadas entre 23 de março e 20 de junho de 2020, no jornal português Expresso. A pesquisadora faz “uma leitura orgânica” dos textos, analisando o que chama de “dissidências” à volta dos principais topoi da obra. Ao fim e ao cabo, mapeia quatro dissidências: separação entre tempo e espaço, ruptura entre desejável e irrealizável, “mélanges culturais” e atomização do ser humano ante uma cisão dos mundos “real e exterior”. Nas crônicas, há sátiras, jogos metafóricos e ironia. Em reflexão sobre o livro, analisando a “guerra sem confronto” contra o coronavírus, ela anota que “Guimarães Rosa afirmava que nestes tempos [de guerra] não perdemos o medo, mas perdemos a vontade de ter coragem” (Martins, 2021b, p. 130).

A crônica O pretérito mais que perfeito, do ativista social moçambicano Juma Aiuba (JÁ), é estudada por Francelino (2020). O texto foi publicado no jornal Carta de Moçambique, na coluna Co’licença, em 20 de março de 2020. “No texto em análise, o enunciador mescla assuntos do quotidiano amplamente mediatizados, como são as DO [sigla para Dívidas Ocultas, como ficou conhecido um escândalo de corrupção em Moçambique] e a pandemia da COVID-19” (Francelino, 2020, p. 183). O tempo verbal que dá nome ao título é uma crítica à corrupção pregressa no país. O pesquisador perquire o texto com dois objetivos: definir o padrão de escrita de Juma Aiuba e refletir, precisamente, sobre o uso do humor e da polêmica na crônica investigada. O analista do discurso inclui o escrito no gênero do discurso polêmico, acrescentando que foi “possível provar que a escrita de JA se faz valer da modalização argumentativa polémico-humorística” (Francelino, 2020, p. 183). A crônica O pretérito mais que perfeito também é analisada sob o prisma da polifonia, do dialogismo, da modalização e da isotopia.

Quarentenas, Quarenteninhas e Quaquarentenas, três séries de pequenas crônicas escritas por José Roberto Torero Fernandes Junior e ilustradas por Ivo Minkovicius, ambos brasileiros, são analisadas por Silva (2021). Os textos e as imagens foram publicados no Facebook ao longo de 2020. O material é examinado à luz da Semiótica, tendo como pano de fundo um debate sobre “literatura de testemunho”. No artigo, a pesquisadora indaga-se sobre a viabilidade de se produzir literatura na pandemia como forma de resistência. Nas considerações finais, anota: “Como registros diários postados nas páginas do Facebook, cumprem o esforço da crônica, narrando o presente enquanto este acontece” (Silva, 2021, p. 122).

Borges, Chaveiro, Emídio & Lima (2021) relatam uma experiência de ensino remoto em Goiás, no Centro-Oeste do Brasil, em 2020. A crônica foi utilizada como ferramenta de escrita criativa. Os discentes foram instados a contar suas experiências cidadãs no contexto da pandemia. Ao todo, foram produzidas 98 crônicas, mobilizando discentes dos cursos de Jornalismo e Geografia. No artigo, os autores refletem sobre a prática pedagógica interdisciplinar como estratégia de resistência, em um cenário desafiador de SARS-CoV-2. “Concluímos que a articulação entre arte literária e o factual jornalístico – uma das características da crônica – é estratégia narrativa eficaz para se alcançar a complexidade da realidade, que envolve, sobretudo no contexto da covid-19, dores e perdas, pequenas esperanças e alegrias” (Borges, Chaveiro, Emídio & Lima, 2021, p. 1).

Em livro, Freire (2021) reúne crônicas publicadas na Tribuna de Teófilo Otoni (Minas Gerais). O autor recorre à filosofia para tentar explicar questões sociais, emocionais e econômicas, sem “teorizar sobre o contexto”, apenas levantando questões que ajudassem o brasileiro “a refletir sobre o significado de uma época tão complexa e marcante” (Freire, 2021, p. 11). É uma coletânea que se situa entre o filosófico e a literatura. Está organizada em duas partes. Na primeira, só há um texto sobre a pandemia. Na segunda, são apresentadas 11 crônicas sobre pautas diversas: a incerteza com o futuro, saudade, esperança, felicidade, defesa da ciência, medo e transitoriedade.

A produção de um livro de crônicas é a pesquisa de Oliveira (2022), seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Jornalismo. Em quase 300 páginas, ora em primeira, ora em terceira pessoa, o cronista tenta “compreender o governo Bolsonaro”. Analisa o discurso populista do ex-presidente, o papel do “centrão”17 na governabilidade, as Eleições 2018, a pauta, a ascensão e a problematização do bolsonarismo. A pandemia também é discutida. As palavras covid-19, pandemia e coronavírus são citadas 36 vezes no livro. Numa das passagens, lê-se: “O presidente começou explanando que não mediu esforços para combater a pandemia da Covid-19, o que claramente não é verdade. (...) Ele atrasou a compra de imunizantes, pregou contra o isolamento social e ainda zombou de quem morria asfixiado” (Oliveira, 2002, p. 204). A obra é organizada em duas partes, com 14 capítulos ao todo. Assinale-se que o cronista recorre à linguagem coloquial e a expressões populares como estratégia textual para captar a atenção dos leitores.

O livro Janela Indiscreta: Crônicas da Emergência (2020) é o objeto de estudo de Martins (2021a). A obra, assinada pela professora e ensaísta portuguesa Isabel Cristina Mateus, reúne cerca de 50 crônicas escritas entre março e maio de 2020. É uma publicação dedicada à pandemia e carregada de elementos literários. Sobre a poética do hibridismo nos textos da cronista, que amalgama outros gêneros e formas discursivas diversas, pode-se afirmar que a “poética exige apurada educação literária, refinado gosto estético e desenvolvida sensibilidade. Para além de um evidente discurso intertextual, que vai convocando muitos outros autores, sejam eles ensaístas, ficcionistas, poetas, cronistas, cineastas etc” (Martins, 2021, p. 25). Extrapolando o texto de Isabel Cristina Mateus, em diálogo intertextual com outros autores, voltando a atenção para a pandemia em si, Martins (2021) também reflete sobre ethos e a própria análise do discurso.

Da metodologia, dos locais de produção e das datas de publicação

Sobre a metodologia dos trabalhos, os métodos e procedimentos de análise não foram apresentadas em dois dos oito estudos científicos examinados em nosso artigo, o que corresponde a 25% do corpus. A análise do discurso, por sua vez, foi utilizada por Francelino (2020), Martins (2021a), Martins (2021b) e Medeiros & Moura (2021), o equivalente a 50%18 das pesquisas. Esse foi o método mais empregado pelos pesquisadores, contemplando, inclusive, duas das três investigações científicas que abordaram a intertextualidade, o que corresponde a 66,6% dos trabalhos nesse recorte, especificamente.

Em relação aos autores da análise do discurso, nosso levantamento mapeou 13 teóricos: Adam (2001; 2011), Amossy (2005; 2011; 2018), Carlos (2006), Lara (2016), Maingueneau (1997; 2004; 2005), Orlandi (2015), Parzianello (2014), Pinto & Pereira (2018), Pinto, Almeida & Teixeira (2017) e Possenti (1996). São dez mulheres e três homens. A pesquisadora romena Ruth Amossy (2005; 2011; 2018) foi a mais lembrada nos estudos cuja metodologia foi a análise do discurso. Três publicações dela foram citadas por Francelino (2020) e Martins (2021a). Faça-se constar, também, que duas obras do linguista francês Jean-Michel Adam (2001; 2011) foram aludidas por Francelino (2020) e Medeiros & Moura (2021).

Tabela 5: Principais metodologias utilizadas nos trabalhos

Tipo de metodologia

Ocorrência nos trabalhos

Análise do discurso

4 pesquisas

Não apontada

2 pesquisas

Semiótica

1 pesquisa

Relato de experiência-docente de natureza qualitativa-exploratória

1 pesquisa

Fonte: Elaboração própria.

No que tange à distribuição espacial do material, seis trabalhos foram publicados no Brasil, um deles por um pesquisador português, e dois no exterior, em Portugal. O Sudeste brasileiro teve o melhor desempenho em nível nacional, concentrando, sozinho, três dos seis trabalhos editados por veículos científicos brasileiros. Silva (2021) publicou pela Universidade de São Paulo; Freire (2021) pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Minas Gerais; e Martins (2021a) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na sequência, aparece o Centro-Oeste, com duas pesquisas. Os trabalhos de Oliveira (2022) e Borges, Chaveiro, Emídio & Lima (2021) foram publicizados, respectivamente, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e Universidade Estadual de Goiás. Medeiros & Moura (2021) publicaram pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. As regiões Norte e Sul do Brasil não aparecem no levantamento.

Tabela 6 – Detalhamento geral dos trabalhos analisados

Autor

Ano

Universidade de publicação

Área

Tipologia

Silva

2021

Universidade de São Paulo

Letras

Artigo

Martins

2021b

Universidade de Coimbra

Letras

Artigo

Francelino

2020

Universidade do Porto

Letras

Artigo

Freire

2021

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

Letras

Livro de crônicas

Medeiros & Moura

2021

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Letras

Artigo

Martins

2021ª

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras

Artigo

Borges, Chaveiro, Emídio & Lima

2021

Universidade Estadual de Goiás

Comunicação/

Geografia

Artigo

Oliveira

2022

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Comunicação

Livro de crônicas

Fonte: Elaboração própria.

Já no recorte por estados, Goiás (Goiânia) liderou o ranking, com duas investigações científicas. Os outros quatro trabalhos brasileiros foram editados em Minas Gerais (Teófilo Otoni), Rio Grande do Norte (Natal), São Paulo (capital) e Rio de Janeiro (capital).

Ao todo, o levantamento listou oito universidades diferentes. Os oito trabalhos examinados foram divulgados em publicações científicas de universidades públicas (Brasil e Portugal). Do rol analisado, as únicas produções veiculadas fora do Brasil foram as de Martins (2021b), na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e de Francelino (2020), na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, ambas em Portugal.

Tabela 7: Distribuição percentual das pesquisas por região brasileira

Região (Brasil)

Trabalhos

Percentual

Sudeste

3/8

37,5%

Nordeste

1/8

12,5%

Centro-Oeste

2/8

25%

Sul

0/8


0%

Norte

0/8

0%

Fonte: Elaboração própria.

As pesquisas científicas foram publicadas, principalmente, em 2021: seis trabalhos, ao todo, o que corresponde a 75% do total. Em seguida, aparecem os anos de 2020 e 2022, com uma pesquisa, ou 12,5% do corpus cada.

Por último, saliente-se que a amostra contemplou dois livros de crônicas (um deles Trabalho de Conclusão de Curso - TCC) e seis artigos científicos. As pesquisas foram feitas por 12 pesquisadores, exatamente seis homens e seis mulheres. Desse grupo, no momento em que a pesquisa foi publicada, três eram pós-doutores, seis doutores ou doutorandos, dois graduandos e um mestrando. São profissionais das áreas de Comunicação, Letras, Geografia e Filosofia. Dos 12 pesquisadores, nove são brasileiros, dois portugueses e um moçambicano. Finalmente, é importante destacar que seis trabalhos foram feitos na pós-graduação, um na graduação e outro mobilizou, simultaneamente, pesquisadores da graduação e da pós-graduação.

Tabela 8: Classificação dos trabalhos analisados

Tipo de trabalho

Total

Artigos científicos

6

Livros de crônicas19

2

Dissertações

0

Teses

0

Fonte: Elaboração própria.

Considerações finais

Pode-se constatar, portanto, que a tríade intertextualidade, crônicas jornalísticas e pandemia da covid-19, objetivo primário de nossa pesquisa integrativa, ainda não foi estudada no Brasil, carecendo o gênero, nesse recorte específico, de pesquisas científicas e problematizações complexas. Esse prisma foi abordado por três pesquisadores estrangeiros, de forma detida em um trabalho e de modo superficial em outros dois artigos, perfazendo três pesquisas ao todo, o que corresponde a 37,5% dos oito trabalhos analisados em nosso artigo. Chegou-se a esse quantitativo após o exame preliminar de 882 pesquisas, a partir das palavras-chave do campo temático do título.

No corpus, as palavras “intertextualidade”, “intertextual” e “intertexto” foram citadas 11 vezes em três trabalhos. Martins (2021b) foi quem melhor explorou o conceito, recorrendo às noções de intra e intertextualidade em suas análises. Nesse artigo, especificamente, verificou-se que, embora os lexemas “intertextualidade” e “intertextual” só tenham sido citados três vezes ao longo de todo o texto, o conceito foi recorrentemente acionado como argumento de autoridade pela pesquisadora. Martins (2021a) e Francelino (2020), por sua vez, abordaram essa categoria analítica apenas lateralmente.

Imperioso destacar que, desses três trabalhos, dois autores são portugueses e um moçambicano, o que significa que o tema, na exata angulação do nosso artigo, ainda não foi estudado por pesquisadores brasileiros. Acreditamos que isso se deva a questões curriculares, haja vista a intertextualidade ser pouco explorada nos cursos de jornalismo no País. Outra hipótese nesse sentido tem natureza temporal, dado que, pela visada histórico-científica, a pandemia ecoa um passado ainda recente do Brasil, refreando o distanciamento exigido para o escrutínio científico em algumas pesquisas.

Nosso artigo mostrou que as ideias de intratextextualidade, intertextualidade intergenérica, détournement (desvio) e intertextualidade tipológica (descritiva, narrativa, explicativa, injuntiva e preditiva) foram pouco exploradas pelos pesquisadores, perfazendo lacunas que podem engendrar novos estudos.

O método mais usado para avaliar as crônicas sobre a covid-19 foi a análise de discurso, empregada em quatro das oito pesquisas, isto é, em metade do corpo analítico de nosso artigo. Acreditamos que isso tenha relação com as potencialidades do método, que contempla múltiplas categorias e elementos analíticos, a exemplo de intertextualidade, ethos, cena e embreagem enunciativa, modalização, discurso e ideologia. A análise dos textos, nesses e noutros enquadramentos, pode ser fundamental para compreender os sentidos que atravessam as crônicas.

Uma pesquisadora mulher, a romena Ruth Amossy (2005; 2011; 2018), foi a mais acionada nas pesquisas que utilizaram a análise do discurso como metodologia. Três publicações dela foram lembradas por Francelino (2020) e Martins (2021a). Para além das contribuições científicas de Ruth Amossy, a propósito da racionalidade epistemológica, pressupomos que sua escolha pelos pesquisadores perpasse questões estruturais de gênero, no esforço de contenção do silenciamento discursivo, preterindo-se, à vista disso, nomes como Gérard Genette, Dominique Maingueneau e Patrick Charaudeau.

É oportuno registrar que a produção intelectual de nove cronistas e escritores, ilustrador, ativista social, jornalista e humorista foi examinada nos artigos. São sete homens e duas mulheres, sendo seis brasileiros, dois portugueses e um moçambicano. Presumimos que as crônicas produzidas por homens estejam sendo mais estudadas do que aquelas escritas por mulheres, pois o gênero ainda é predominante masculino, a julgar pela realidade brasileira. Já no tocante aos autores dos trabalhos científicos, 12 pesquisadores foram mobilizados. São seis homens e seis mulheres, sendo nove brasileiros, dois portugueses e um moçambicano.

Precisamente no que tange à ausência da psicanalista Julia Kristeva dos trabalhos do nosso corpus, avaliamos que isso tenha relação com as angulações das pesquisas científicas e com a busca por novas reflexões teóricas, essencial ao fazer científico interdisciplinar. Apesar da ausência, exare-se que a filósofa e teórica feminista é recorrentemente citada em outras pesquisas sobre intertextualidade, em razão do seu pioneirismo com o conceito, nos anos 1960.

Finalmente, destaque-se que o corpus contemplou dois livros de crônicas (um deles Trabalho de Conclusão de Curso - TCC) e seis artigos científicos. Acreditamos que a ausência de dissertações e teses, nesse rol, tenha justificativa temporal. Ora, a fase mais aguda da pandemia do SARS-CoV-2 foi superada não faz anos. É provável que, já no próximo biênio, o assunto seja estudado de forma mais demorada pelos cientistas, dentro e fora do Brasil, redundando em novas e descavadas análises.

Acerca do tema ser mais estudado na pós-graduação do que na graduação, na proporção de seis para um, uma conclusiva: a complexidade do assunto e o impacto do SARS-CoV-2 entre os estudantes da graduação, ainda em fase de formação básica e de iniciação científica, podem ter concorrido para esse desequilíbrio.

Esperamos que os apontamentos feitos no artigo, com o detalhamento da pesquisa integrativa, auxiliem na criação de novas agendas de pesquisa, atacando as lacunas ainda existentes. Nosso estudo representa não mais do que um passo inicial nesse sentido, indicando tendências gerais que poderão nortear análises futuras e quadros teóricos atualizados, além de processualidades científicas inovadoras.

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1 Dado da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap/RN) de 3 de março de 2023, último dia de divulgação do boletim diário da covid-19.

2 Etimologicamente, a palavra crônica vem do grego khrónos, que quer dizer tempo. Dela deriva chronikós, que designa aquilo que está associado ao tempo. Na mitologia grega, Cronos é o deus do tempo, rei dos titãs, filho de Urano e pai de Zeus e Poseidon. O Grego Platão, filósofo da história antiga, define o tempo como a “imagem móvel da eternidade” (...), “uma imagem eterna que avança de acordo com o número” (Platão, 2011, p. 109). Seu discípulo mais ilustre, Aristóteles conforma o tempo como sendo o “número de um movimento segundo o anterior-posterior”, consoante Puente (2001).

3 Consideramos como crônica jornalística aquela circunscrita ao campo da Comunicação e escrita por jornalistas.

4 Quando um mesmo tema/abordagem é o fio condutor dos textos, sejam eles científicos (mesma área de pensamento), jornalísticos (mesma pauta) ou literários (mesma escola literária).

5 Um gênero assume funções alienígenas à sua natureza em razão da hibridização com outro.

6 Assim como o comentário, artigo, editorial, ensaio, resenha, coluna, caricatura, charge e carta, a crônica integra o gênero opinativo (Melo, 1994). É caracterizada pelo pesquisador como o produto jornalístico mais integrado aos gêneros literários clássicos, conformando um texto curto, atual e assinado, sendo publicado em jornal e revista.

7 Resultado da divisão 5/8 em valor percentual, mesma representação numérica das notas de rodapé 9, 14, 15, 16 e 19.

8 Resultado da divisão 8/882

9 Soma entre 64 lançamentos (SciELO) e 226 devolutivas (BDTD).

10 Nenhum trabalho da área de interesse do nosso artigo.

11 “Realizar pesquisa da pesquisa implica trabalhar concretamente com investigações produzidas no campo (e em áreas de interface) relacionadas ao problema/objeto, para fazer desta produção elemento ativo na sua elaboração. Tal movimento exige desde ações mais operativas de levantamento das pesquisas quanto trabalho alentado de reflexão e desconstrução, que permita ao pesquisador empreender apropriações, reformulações e alargamentos de proposições, em vários níveis” (Bonin, 2008, p. 123).

12 Os descritores não foram somados porque são os mesmos.

13 Resultado da divisão 3/8

14 Resultado da divisão 11/3

15 Resultado da divisão 11/8

16 Os trabalhos de Freire (2021) e Oliveira (2022), ambos livros de crônicas, e de Borges, Chaveiro, Emídio & Lima (2021), cujo objetivo é relatar uma experiência em sala de aula com vários estudantes, ficaram de fora de nosso cálculo. No caso dos dois primeiros pesquisadores, a produção científica é o próprio livro de crônicas. No terceiro estudo, o artigo é o relato da experiência com os discentes, sem que se tenha um autor estudado em específico.

17 Grupo de partidos políticos que não tem uma linha ideológica clara, transitando entre as siglas de esquerda e direita, a depender do governo e do contexto político. O termo surgiu à época da redemocratização do Brasil, nos anos 1980.

18 Resultado da divisão 4/8

19 Um deles é Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).